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"Santas casas são protagonistas em defesa do SUS"
Por Francisco Lacerda
Do Diário do Grande ABC
31/01/2022 | 04:32
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Divulgação/Roberto Konda


Dedicação, voluntariado e amor à filantropia. Assim define o trabalho nas santas casas e nos hospitais filantrópicos o diretor-presidente da Fehosp (Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo), Edson Rogatti. “Protagonistas na defesa do SUS”, com nove unidades na região, são responsáveis por mais da metade do atendimento à média complexidade do Sistema Único de Saúde e mais de 70% à alta complexidade, e tratam câncer e fazem transplantes, por exemplo. Para se ter ideia, em 148 cidades do Estado são ainda único equipamento de saúde. Ele diz que necessitam de auxílio financeiro. “Têm se desdobrado para garantir o atendimento à população.”

O senhor pode explicar o que é e o que faz uma santa casa?

As santas casas de misericórdia são entidades sem fins lucrativos e importantes centros de referência hospitalar, sendo parte fundamental do sistema de saúde público brasileiro, uma vez que, sem essas instituições, os governos municipais e estaduais, assim como o governo federal, não conseguiriam promover o acesso universal à saúde, conforme determinado pela Constituição. As santas casas são responsáveis pelo atendimento de mais de 50% da demanda da média complexidade do SUS (Sistema Único de Saúde) e mais de 70% da alta complexidade, como tratamento de câncer e transplantes, por exemplo. Além do valioso suporte à saúde – sobretudo da população mais carente, as santas casas têm relevante papel nas áreas de assistência social e de educação. No Brasil, e em alguns outros países, foram as responsáveis pela criação de alguns dos primeiros cursos de medicina e enfermagem, como é o caso de santas casas fundadas na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Porto Alegre. Atualmente, são responsáveis pelo maior número de residências médicas, contribuindo com a formação dos profissionais da medicina.


Quantas santas casas existem no Estado de São Paulo? Quantas dessas no Grande ABC?

Das 1.824 unidades filantrópicas de saúde no Brasil, 409 estão no Estado de São Paulo. Esta rede de assistência possui, junta, capacidade instalada de 53.333 leitos, que inclui unidades de internação e UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). O Grande ABC possui nove entidades filantrópicas, sendo uma em Santo André, cinco em São Bernardo, uma em São Caetano e duas em Mauá. 


Como se mantém santa casa?

As santas casas se mantêm por meio de repasses da tabela de remuneração de procedimentos do SUS, porém, que cobre apenas 60% dos custos e está defasada por falta de reajuste nos últimos 20 anos. Contribuição relevante vem por meio dos planos de saúde próprios através das operadoras de saúde filantrópicas/sem fins lucrativos, os quais boa parte das instituições possui. Os planos sem fins lucrativos colaboram para desafogar o SUS, mas, além disso, financiam estrutura hospitalar que, ao contrário de grande parte da rede privada, também é utilizada por pacientes do sistema público. E fazem isso com 100% da receita, já que não visam lucro. Servem, portanto, para mitigar parte do rombo provocado pela desatualizada tabela de procedimentos do SUS. As instituições também contam com emendas parlamentares – felizmente temos alguns parlamentares que abraçam a nossa causa e reconhecem o trabalho dos hospitais filantrópicos e, em algumas ocasiões, com recursos dos governos municipais, estaduais e federais. Em outubro de 2021, por exemplo, o governo do Estado de São Paulo lançou o programa Mais Santas Casas, para auxílio financeiro aos hospitais filantrópicos. Será destinado R$ 1,2 bilhão por ano para apoiar estas unidades no custeio da prestação dos serviços SUS. A ação ampliará em 25% os recursos já destinados anualmente por meio de convênios, destinando mais de R$ 250 milhões extras neste tipo de auxílio financeiro e contempla 333 entidades, número 2,5 vezes maior que o de beneficiados até então – eram 130 conveniadas pelos programas preexistentes. Nem todas as dificuldades de nossa assistência são resolvidas por um programa, ainda mais que as ações hospitalares ficam muito comprometidas em cenário de inflação permanente. Entretanto, quero destacar que o nosso setor, em que pese ter os naturais desafios, compensa as dificuldades com a dedicação, voluntariedade e amor à causa da filantropia como em nenhum outro setor de prestação de serviços da saúde.


Existe diferença entre santa casa e hospital beneficente?

A santa casa ou hospital filantrópico integra o patrimônio de pessoa jurídica de direito privado, mantido parcial ou integralmente por meio de doações, cujos membros de seus órgãos de direção e consultivos não são remunerados. Essas instituições se propõem à prestação de serviços gratuitos à população carente em seus ambulatórios, reservando leitos, de acordo com a legislação em vigor, o internamento gratuito, organizado e mantido pela comunidade, e cujos resultados financeiros revertam exclusivamente ao custeio de despesa de administração e manutenção. O hospital beneficente também integra o patrimônio de pessoa jurídica de direito privado e é instituído e mantido por contribuições e doações particulares, destinado à prestação de serviços a seus associados e respectivos dependentes, cujos atos de constituição especifiquem sua clientela. Os integrantes da sua diretoria não são remunerados e os recursos são aplicados integralmente na manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais e cujos bens, no caso de sua extinção, revertam em proveito de outras instituições do mesmo gênero ou ao poder público.


Quantos funcionários?
As entidades filantrópicas de saúde do Estado empregam 166.258 profissionais da saúde, entre médicos, assistentes sociais, equipes de enfermagem, fisioterapeutas e nutricionistas.


Qual o volume de receitas e despesas?

Cada santa casa e hospital filantrópico do Estado de São Paulo tem um volume de receita e despesa, dependerá do seu porte e do volume de atendimento. Temos as grandes, médias e pequenas santas casas e hospitais filantrópicos que atendem ao SUS.


Acredita-se que com o advento da Covid-19 as prefeituras tenham canalizado recursos a outros fins. Isso prejudicou as santas casas?

As santas casas e hospitais filantrópicos têm se desdobrado para garantir o atendimento à população, mas os crescentes casos, somados, agora, à grande quantidade de registros de Influenza, nos preocupam, pois, além da falta de leitos para atender à demanda, o setor sofre com a falta de financiamento adequado ao custo destes leitos. Importante lembrar, ainda, que não atendemos somente casos de Covid-19, mas demais enfermidades, vítimas de acidentes, realização de partos, cirurgias emergenciais, entre outros serviços. As dificuldades da área filantrópica de saúde são históricas, mas nossa rede se mobilizou para que nenhum cidadão ficasse sem atendimento. Nossos hospitais se reestruturaram, se adequaram para o atendimento aos pacientes Covid, muitas vezes compartilharam medicamentos e insumos para que a prestação de serviço fosse garantida em meio ao caos. No ano passado, de janeiro a maio, período mais crítico da pandemia da Covid-19, as santas casas e hospitais filantrópicos deram importante suporte e atenderam a mais da metade dos casos da doença. Há instituições do setor que foram responsáveis por 99,2% dos atendimentos, como as que integram os DRSs (Departamentos Regionais de Saúde) de Franca. Outras DRSs em que  hospitais filantrópicos se destacaram com  maior percentual de atendimento são Araçatuba (85,2%); São João da Boa Vista (71,1%); Barretos (69,9%); e Sorocaba (69,3%). A Fehosp atua constantemente em várias frentes para amenizar o sofrimento de administradores hospitalares, profissionais de saúde e pacientes neste cenário de tantas adversidades e incertezas. 


Quando a conta ‘não fecha’, quem socorre as santas casas?

A maioria sobrevive por meio de financiamentos na rede bancária, porém, na verdade, a situação complica-se ainda mais com os altos juros, e por medidas emergenciais, como doações e até bingos beneficentes em igrejas. São boas medidas que atenuam suas crises, mas, sabidamente, são meros paliativos. A sociedade civil é nossa grande parceira. Empresários nos ajudam muito e, na pandemia, por exemplo, em muitas ocasiões, EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), equipamentos hospitalares e insumos foram garantidos graças às doações da classe empresarial. 


No passado, muitas cidades do Estado tinham como único hospital a santa casa. Ainda é assim?

Sim. Em 148 municípios do Estado o hospital filantrópico é o único equipamento de saúde. Nestes locais, há um total de 5.445 leitos SUS e de apenas 211 UTIs SUS.


Tem ideia de quantas pessoas ainda dependem da santa casa?

No Estado de São Paulo, temos 409 unidades filantrópicas,  rede de assistência com capacidade instalada de 53.333 leitos, que inclui unidades de internação e UTIs. Em 2020, as unidades de saúde filantrópicas foram responsáveis por quase 50% das internações realizadas em todo o Estado. O atendimento à alta complexidade, em 2020, passou de 70% em serviços como oncologia, ortopedia, cardiologia e neurologia.


Qual volume de atendimento via SUS?

De acordo com nosso indicador mais recente, em 2020 as unidades de saúde filantrópicas foram responsáveis por 7.109.228.443 consultas, 873.017 cirurgias realizadas, 708.612 tratamentos oncológicos e 3.129  transplantes. Essas são informações que constam no CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) e Datasus.


Atende basicamente via SUS? A instituição atende também convênios médicos, sobretudo com a escassez na rede de saúde?

Os hospitais filantrópicos atendem ao SUS e grande parte atende planos de saúde e também presta serviço aos pacientes de forma particular. Algumas instituições possuem, inclusive, planos de saúde próprios, que  auxiliam na receita para a continuidade do trabalho.


Tem-se notícia de que muitas santas casas viviam com dificuldades para se sustentar, inclusive houve o fechamento de algumas unidades. Como está esse quadro hoje?

Por problemas financeiros, em instituições de todo o País, já foram fechados mais de 5.000 leitos nos últimos cinco anos, além de 500 leitos só de UTI. Apesar do protagonismo das santas casas e hospitais filantrópicos no SUS, a relação com o sistema é marcada por subfinanciamento e endividamento, que colocam em risco a continuidade dos serviços prestados. Mas, apesar dos pesares, durante a pandemia nenhum leito foi fechado e, nos hospitais com atendimento aos casos de Covid, os leitos foram ampliados em, no mínimo, 10%.


Aliás, muitos problemas financeiros em santas casas, noticiados inúmeras vezes, também estavam relacionados a casos de corrupção, contratação de fantasmas e desperdício. Foram equacionados ou há ainda denúncias em relação a isso?

As entidades filantrópicas trabalham sempre no vermelho, uma vez que os valores repassados pelo SUS estão defasados há quase duas décadas e, com a pandemia, a situação agravou. A imprensa tem divulgado muitos casos de corrupção e desperdício nos hospitais públicos e OSS (Organização Social de Saúde), principalmente no Rio de Janeiro. Aqui no Estado de São Paulo é muito difícil, porque nossas santas casas jamais sobreviveriam se não tivessem gestão. Nossas santas casas e hospitais filantrópicos são a base do SUS, mas é preciso dar condições para que trabalhem.


O que tem sido feito para combater possíveis gestões fraudulentas ou má gestão?

A Fehosp, há mais de meio século, tem sido  grande parceira das santas casas e hospitais filantrópicos na representação e na defesa de seus hospitais, através de posicionamentos e na busca permanente pelo fortalecimento e valorização do setor. A federação atua com  dinâmica estruturada e apoio técnico, jurídico e de educação continuada na busca pela profissionalização, excelência e sustentabilidade das nossas organizações. Nossas santas casas e hospitais filantrópicos travam  batalha constante pelo reconhecimento do seu trabalho na sociedade, buscando sempre relacionamento respeitoso e justo com as gestões públicas federal, estadual, municipal e outros players.


Há alguns anos houve rombo de milhões de reais nas santas casas, principalmente na de São Paulo, umas das principais se não a principal do Estado. O senhor tem ideia do volume de recursos drenados dos cofres, inclusive por OSSs (Organizações Sociais de Saúde) que gerenciavam as instituições?

Se realmente houve esse rombo de milhões de reais na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, a denúncia deve ter sido feita ao Ministério Público e, por isso, não tenho conhecimento desses fatos.


Ainda persiste? Qual o tamanho do impacto com esse desfalque nas contas?

Não tenho conhecimento desse impacto. O que sei é que a atual diretoria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo tem feito  grande trabalho de gestão, inclusive com pagamento de suas dívidas e mantendo equilíbrio econômico-financeiro da instituição. O que sabemos é que essas grandes santas casas de misericórdia brasileiras passam por dificuldades financeiras cíclicas permanentes a todas elas, devido à defasagem da tabela de procedimentos SUS há mais de duas décadas. Mesmo assim, somam dois terços dos leitos hospitalares no País. Com toda essa defasagem, elas também têm servido para o ensino médico. A Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo é  exemplo de instituição modelar.


Por fim, temos eleições neste ano. O que o senhor espera dos novos governantes?

O setor filantrópico continuará batalhando e atuando em todas as frentes na busca por melhorias que refletirão na qualidade da prestação de serviço em saúde à população.  Além das dificuldades impostas pelo orçamento da União, que sempre é elaborado dentro de  quadro nacional de poucos recursos, entendemos também que o modelo de remuneração baseado pela tabela de procedimentos apresenta problemas e deve ser aprimorado. Nesse sentido, a CMB (Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos) já entregou ao Ministério da Saúde  proposta de novo modelo de financiamento, que, se implantado, trará soluções para o equilíbrio financeiro das instituições. Acreditamos que, diante das exigências imensas derivadas da pandemia da Covid-19, o Ministério da Saúde ainda não desenvolveu os estudos e a necessária análise dessa proposta. Esperamos que o Parlamento brasileiro, o Ministério da Saúde e o governo federal reconheçam a importância destas instituições e o protagonismo que assumem em defesa do SUS no Brasil e, juntos, possamos traçar caminhos para enfrentar, da melhor forma possível, o que está por vir. 




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