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Educação a distância ainda não começou na rede pública

Alunos de escolas privadas já têm recebido atividades e alguns conteúdos de revisão

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
29/03/2020 | 00:55
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Denis Maciel/DGABC


A suspensão das aulas por conta da quarentena decretada pelo governo do Estado, uma das medidas para conter o avanço da Covid-19, deixou em casa mais de 500 mil alunos de educação básica no Grande ABC por tempo indeterminado. São 453,5 mil estudantes na rede pública e aproximadamente 50 mil na privada. A maioria dos governos ainda planeja como ofertar ensino à distância nas redes municipal e estadual. Já os matriculados em colégios particulares têm acesso aos conteúdos.

Em Santo André, os filhos de Roberta Hipólito, 39 anos, Gabriel, 10, e Bella, 8, alunos de escola particular, têm recebido materiais diversos, a maioria para revisão. Roberta, que faz faculdade e também tem estudado de casa, relata que é o marido quem auxilia as crianças na parte da manhã e que Gabriel já faz as tarefas quase todas sozinho. Os dois já têm o habito de estudar e não tem sido difícil manter a rotina, explica a mãe. “Eles ficam cerca de três horas por dia estudando”, afirma. Para Gabriel, a proposta da escola, que inclui jogos e atividades diversas tem sido boa, mas que seria preferível ter contato com novos conteúdos.

Diretor Pedagógico da Escola Vereda, Edson Moscoso aponta que, dentro da possibilidade, é importante seguir rotina, para que as crianças não se sintam de férias. “O estudo domiciliar deve ser equilibrado, com atividades lúdicas e que dependem somente da criança, assim como as que dependem do apoio de um adulto, para permitir que os responsáveis se dividam nestas duas tarefas”, detalha.

Coordenadora-geral de graduação da EAD (Ensino a Distância) Unicesumar, Marcia de Souza lembra que o isolamento social está requerendo de todos “um reinventar da vida em família”. Para a docente, o desafio é analisar a rotina que existia com as crianças e como os pais desenvolviam sua participação na vida acadêmica dos filhos. “Na escola a criança faz parte de grupo social que está aderente a proposta, que é de rotina de estudos. Manter este propósito durante a quarentena é essencial para a manutenção desse grupo”, pontua.

Sobre qual seria o tempo adequado de estudos, o professor do curso de Pedagogia da Anhanguera de São Bernardo, Vandré Kopcak, destaca que não é necessário seguir a mesma quantidade de horas investidas nos ambientes educacionais. “O mais importante é a qualidade do tempo utilizado e não a sua quantidade”, afirma. Para aqueles alunos que não receberam material das escolas, boa alternativa é revisar o conteúdo aprendido até a suspensão das aulas, desde que essa proposta seja negociada com o próprio jovem/adolescente. “É importantíssimo entender que a criança deve participar das decisões a serem tomadas em sua vida (guardando as devidas proporções)”, explica Kopcak.

Marcia lembra que existem vários canais na internet que oferecem oportunidades de aprendizado, que contribuirão para o que vem depois. “Boa leitura do material que a criança já tem, livro novo que ainda não leu (físico ou virtual), desenho novo que ainda não pintou, jogos, temos infinidade de oportunidades para que a criança continue e aprender.”

Redes ainda elaboram soluções para ensino remoto

>Poucas redes de ensino no Grande ABC já têm definido que estratégia adotar na educação a distância. Em Santo André, a Secretaria de Educação elabora atividades que serão disponibilizadas para os alunos a partir desta semana e ainda estudam como serão enviadas às famílias. São Bernardo criou grupo de trabalho de educação não presencial, composto por profissionais das áreas da pedagogia e tecnologia, que elabora ações em ambientes virtuais para os estudantes. Desde 2019, os professores contam com formações por meio on-line.

São Caetano atua no desenvolvimento de site que trará todas as instruções para as atividades escolares domiciliares. Professores, alunos e gestores terão acesso a esse material on-line a partir do dia 6. Para os alunos que não tiverem acesso à internet, estuda-se a oferta de apostilas impressas.

Em Diadema, estudantes do ensino fundamental receberão, por meio digital, a partir de amanhã, atividades elaboradas em parceria com empresa de tecnologia educacional, a MindLab. A parceria não gerou custos ao município. Em Mauá, os alunos receberam, durante a semana antecedente ao fechamento das escolas, orientações para prosseguir com os estudos e a previsão é a de reposição de aula ao fim do ano letivo. “Cada escola e diretora têm contato com os pais para o envio de conteúdo”, afirma a Prefeitura, por meio de nota.

Em Ribeirão Pires, a Secretaria de Educação está realizando estudos para implantação de métodos on-line para orientações de atividades pedagógicas via redes sociais ou pelo site da prefeitura. Projeto piloto já vem sendo desenvolvido com 120 alunos de 5 a 10 anos e poderá ser replicado para todos os alunos.  Na rede estadual, o governo está trabalhando no desenvolvimento de um aplicativo para ser apresentado em maio. O recesso de julho foi transferido para abril.

Na rede particular, cada escola adota uma metodologia, mas muitas já contam com plataformas para ensino a distância, explica a presidente da Aesp (Associação de Escolas Particulares) ABC, Oswana Fameli. “Reforçamos a necessidade dos pais seguirem pagando as mensalidades, tratando pontualmente necessidade de negociação. As escolas dependem disso para manter os salários das equipes”, destaca a presidente

Professor teme desigualdade, mas vê oportunidade

Na avaliação do coordenador do Observatório de Educação da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Paulo Garcia, a necessidade urgente das escolas ofertarem modelos de educação a distância pode agravar a desigualdade social entre alunos das redes públicas e privadas, mas também é oportunidade de avanço na qualidade.

“Na educação, é normal termos de trocar a roda com o carro em movimento. Precisamos de iniciativas sérias, que os governos escolham plataformas, de preferência entre tantas que já existem e funcionam de maneira gratuita e com sucesso”, cita o professor. “Capacitar todos os atores educacionais, diretores, coordenadores e docentes, e pensar formatos não só distintos das metodologias presenciais, como também com linguagens adequadas para cada etapa, da educação infantil ao ensino médio”, afirma.

Para o docente, não há tempo a perder. “É preciso selecionar pessoas já familiarizadas com os métodos para treinar os professores, o que também pode ser feito a distância, garantir que os alunos tenham acesso e conectividade para pensar os conteúdos”, completou. “Essa é uma grande possibilidade de darmos um salto em qualidade na educação, especialmente a pública”, concluiu.

Diretor pedagógico da consultoria em tecnologia educacional Foreducation EdTech, Marcelo Lopes destaca que quanto antes as medidas como escolha de plataforma e conteúdo forem tomadas, menores serão os prejuízos para o ano letivo de 2020. O diretor lembra que, até o momento, não houve alteração no número mínimo de dias letivos, que deve ser de 200.

“As tecnologias já existem, falta o movimento dos gestores de implantar”, aponta. Para Lopes é preciso mesclar aulas ao vivo com conteúdo que os alunos possam fazer sem estar conectados, e que ainda que haja dificuldades, de forma geral, toda a população conta com smartphone conectado à internet. “É possível pensar parcerias com operadoras de celular para acesso gratuito a determinados aplicativos”, sugere, como forma de driblar o problema com conexão que algumas famílias, especialmente as mais carentes, possam ter.

O diretor reconhece que entre alunos e professores certamente haverá quem domina mais ou menos as tecnologias e que será preciso pensar estratégias para atingir esse público que apresentar mais dificuldades. Mesmo assim, esse não deve ser um argumento para postegar a adoção de medidas necessárias. “Melhor uma iniciativa que atinja 80% dos alunos do que um prejuízo para 100% deles”, conclui.




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