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Na região, 220 restaurantes correm risco de fechar as portas

Comércios que vendem pescado estão recebendo cobrança retroativa que pode chegar a R$ 1 mi

Flavia Kurotori
Especial para o Diário
22/09/2019 | 07:28
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DGABC


A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado notificou, desde julho, 1.100 estabelecimentos paulistas por falta de recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na venda de pescados entre janeiro de 2015 e março de 2018. Segundo o Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação), 20% desses comércios são bares e restaurantes do Grande ABC, ou seja, 220 proprietários receberam a cobrança retroativa.

“Esta ação é devastadora, principalmente para os estabelecimentos de pequeno porte, que terão o faturamento comprometido para arcar com esses valores e podem até quebrar”, afirma Roberto Moreira, presidente do Sehal. “Imagina você dormir um dia sem dever e acordar, no dia seguinte, com uma dívida enorme. É notícia horrível para os lugares que comercializam pratos com peixe”, completa. Na região, há registro de proprietários que receberam notificações entre R$ 80 mil e R$ 1 milhão.

A cobrança é resultado do Programa Nos Conformes, de 2018, cujo objetivo é alertar empresas sobre indícios de irregularidades e promover a autorregularização. O artigo 391 do regulamento do ICMS, que enquadra esses estabelecimentos, prevê o recolhimento do imposto diferido do pescado – essa modalidade de tributação deve ser recolhida no fim da cadeia referente a todas as operações anteriores, ou seja, neste caso, o varejo foi eleito para fazer o recolhimento da atividade de distribuição, por exemplo. A Secretaria da Fazenda e Planejamento pretende arrecadar R$ 150 milhões com a ação.

Ainda que a alíquota esteja prevista desde 1995, Raphael Novelini, advogado tributarista e sócio do GN Advogados, explica que o Fisco pode cobrar quantias referentes apenas aos últimos cinco anos. Em relação ao volume de notificações, ele assinala que os optantes do Simples Nacional são os principais prejudicados, uma vez que esse imposto não está embutido no regime tributário do qual fazem parte. “Caso o varejista ou seu contador não tivesse ciência deste imposto, ele acabou sonegando sem saber”, aponta.

No entanto, Moreira assegura que, embora o fim da cadeia do pescado seja o varejo, bares e restaurantes não se encaixariam. “Nós (restaurantes) não compramos e vendemos peixes, mas adquirimos o pescado de um fornecedor e transformamos ele, por meio do preparo da receita, em um outro produto, portanto, o pescado é uma matéria-prima, um insumo”, destaca. Deste modo, o Sehal defende que o ICMS em questão deveria ser cobrado de atacadistas e distribuidores.

“Ao definir o varejo como fim da cadeia, a regulamentação pensou apenas nas grandes redes varejistas e esqueceu dos estabelecimentos menores, sobretudo os restaurantes”, assinala Novelini. “A cobrança retroativa está de acordo com a legislação, porém, não é cabível economicamente, dado que inviabiliza o negócio, podendo levar ao fechamento de diversos locais.”

Por outro lado, Arlindo Felipe da Cunha, professor titular de direito tributário da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), defende que o fim da cadeia do pescado são os bares e restaurantes. “Nos fornecedores de refeições, a quebra do diferimento é evidente, uma vez que o produto (pescado) não será mais objeto de circulação mercantil, assim, o imposto não recolhido na operação anterior deve ser cobrado neste momento.”

ORIENTAÇÃO

O Sehal acionou advogado tributarista exclusivamente para atender os associados que tiverem dúvidas em relação à notificação. Moreira garante que a entidade está “fazendo um trabalho” com a Secretaria da Fazenda e Planejamento para tentar reverter o cenário.

Novelini esclarece que, neste primeiro momento, o Estado envia notificação de pagamento. Caso os débitos não sejam quitados ou negociados, o estabelecimento pode receber autuação por infração e arcar com multa.


Estabelecimento recebeu notificação de R$ 107 mil

No bairro Santa Paula, em São Caetano, o restaurante Ghula Gulah recebeu cobrança de R$ 107 mil no dia 20 de julho. A sócia Flávia Paschoalin relata que a notificação chegou com o tempo limite para quitação de 30 dias. “Entramos com pedido para aumento de prazo e retirada das multas e dos juros, pois é um ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que nem conhecíamos”, afirma.

Após o pedido, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado parcelou a dívida em 60 vezes, com entrada de 5% do total. “Infelizmente, estamos sem saída, fazer o quê?”, questiona Flávia.

Com o pagamento do tributo, o valor gasto com pescados aumentou 25%. “Ainda não calculamos o quanto isso pode prejudicar nosso faturamento, mas, com certeza, terá impacto”, lamenta a empresária.

O estabelecimento, que serve almoço por quilo de segunda-feira a domingo, não irá repassar o valor integral do aumento. “Não podemos repassar tudo porque a concorrência é alta”, destaca. Para evitar o prejuízo, a empresária irá reduzir as opções de pescados disponíveis no bufê. De duas a três opções por dia, passará para uma.

“É um restaurante familiar, estamos há mais de 20 anos em atividade e nunca tínhamos ouvido falar deste imposto”, observa Flávia.

“Imagina restaurantes do Litoral, onde a grande maioria trabalha com peixes? É muito complicado”, avalia Roberto Moreira, presidente do Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação). “Discutimos tanto sobre o turismo no Estado, mas vamos ter um turismo sem peixe”, completa.

“O Fisco precisa tomar uma atitude para minimizar os efeitos desta cobrança, que pode fechar vários estabelecimentos e deixar muitos desempregados”, assinala Raphael Novelini, advogado tributarista e sócio do GN Advogados.

A equipe do Diário entrou em contato com nove bares e restaurantes localizados no Riacho Grande, em São Bernardo, onde está a Prainha. Nenhum dos estabelecimentos havia recebido a notificação até sexta-feira. 




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