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Padre Leo Commissari segue vivo em sua obra
Por Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
25/06/2017 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Embora tenha se passado 19 anos da morte do missionário italiano Leo Commissari, assassinado aos 56 anos, em 21 de junho de 1998, na favela do Oleoduto, Jardim Silvina, em São Bernardo, os ensinamentos do líder religioso permanecem sendo disseminados por meio de sua obra. O principal deles, o trabalho social para o resgate da dignidade da população vulnerável, persiste, apesar dos desafios, graças à Associação de Promoção Humana e Resgate da Cidadania que carrega o nome do fundador.

Criado em 1996, o espaço fica na Rua Padre Leo Commissari, mesma via onde o sacerdote morava em um barraco e foi atingido por três disparos de arma de fogo por traficantes quando voltava de quermesse (leia abaixo). Quem dá continuidade ao trabalho é a religiosa Daniela Bonello, 66 anos, que também chegou ao Brasil em 1979 por meio de projeto firmado entre as dioceses de Santo André e de Ímola, na Itália. “A associação não tem recursos próprios. Vive de projetos, por isso, temos trabalho constante de busca de parcerias”.

“Quando o padre Leo morreu, a Itália achou que a gente fecharia tudo e iria embora, mas o legado precisava ser levado em frente”, destaca a freira, responsável pela unidade, que concentra desde creche para 85 crianças com idade entre 1 ano e meio até 3 anos, cursos profissionalizantes para 150 pessoas, atendimentos na área de assistência social, além de trabalho voltado à economia solidária, inclusive com a existência de banco comunitário com moeda própria: o Commissari, lançado em 2009, com o objetivo de fomentar o comércio local. O dinheiro, em cédulas e também no formato digital (possível por meio de aplicativo da Rede Nacional de Bancos Comunitários) é usado por cerca de 40 estabelecimentos e 104 consumidores.

O principal desafio da entidade é manter as atividades, que atendem em média 4.000 pessoas por ano e demandam orçamento de R$ 1 milhão. “Nunca ficamos no vermelho porque damos o passo conforme a perna, mas a demanda existe. Só faltam recursos”, ressalta a freira. Para seguir adiante, ela acolhe um dos ensinamentos do ‘amigo’ padre Leo. “Não devemos ficar satisfeitos. Precisamos nos questionar se o que estamos fazendo atende às necessidades do povo”, diz.

Para a família da promotora de vendas Ruth do Nascimento Cordeiro, 44, do Jardim Irajá, o espaço é fundamental. Ela recorreu às aulas de corte e costura para incrementar a renda da família e o filho, de 13 anos, faz cursos de informática, violão e espanhol. Em reconhecimento, ela contribui mensalmente com R$ 50. “Tem de deixar a mente de adolescente ocupada. E graças ao padre Leo a gente tem essa oportunidade.”

Projeto que trouxe religioso ao País termina

Iniciado na década de 1980 com a chegada de padre Leo Commissari, idealizador da missão, com outros dois sacerdotes e cinco religiosas da Diocese de Ímola, na Itália, à periferia de São Bernardo, o projeto Igrejas Irmãs termina em agosto. O fim do intercâmbio de padres entre os dois países, cujo objetivo era o fortalecimento da Igreja nas comunidades menos desenvolvidas, será selado no dia 16 de julho com missa presidida pelo bispo diocesano dom Pedro Carlos Cipollini e pelo bispo da Diocese de Ímola, dom Tommaso Guirelli.

“É um projeto muito bonito e que chega ao fim após ter seu objetivo atingido. Foram criadas três paróquias e mais de 30 comunidades na região escolhida para sua atuação”, observa o bispo dom Cipollini.

De partida para a Itália após seis anos no País, padre Gabriele Tondini, responsável pela Paróquia Jesus de Nazaré, na Vila São José, ressalta que a entrega da igreja – administrada por sacerdotes da Diocese de Ímola desde a chegada de padre Leo – à Diocese de Santo André se dará de forma serena. “A vida do missionário é assim mesmo. Está na hora de voltar e de assumir outro trabalho”, observa ele, que carregará junto à bagagem as experiências classificadas como positivas em relação à comunidade. “O povo brasileiro é acolhedor, simples, religioso. Mas a Diocese de Santo André tem de abrir os olhos para a periferia, estar mais presente nesta área”, aponta.

O encerramento do projeto não simboliza perdas para a comunidade católica do Grande ABC, explica Tondini. “Já não recebíamos recursos financeiros havia cerca de três, quatro anos. A paróquia já vinha caminhando com o dinheiro vindo da partilha dos próprios fiéis”, ressalta o sacerdote.

A respeito do idealizador do projeto, Tondini não poupa elogios. “Era um líder que pensava à frente de seu tempo, estava sempre inquieto. Era grande conhecedor da Bíblia e que deixa a mensagem do amor aos pobres”, complementa.


Prisão de condenada simboliza Justiça


“O perdão pregado pela Igreja não quer dizer que a Justiça dos homens não tenha de seguir seu curso. Quem abraça essa forma de vida tem esse caminho. Tenho pena. Não tenho raiva ou ódio”. A declaração da religiosa Daniela Bonello, 66 anos, refere-se à prisão, no dia 17, da foragida da Justiça Patrícia Dias Bicalho, 42, condenada em 2016 a 21 anos de prisão por participar do assassinato do padre italiano Leo Commissari, em 1998.

Patrícia foi presa quando visitava o namorado, Reginaldo da Silva Cruz Neto, 29, no presídio Ismael Sirieiro, em Niterói, no Rio de Janeiro, onde ele cumpre pena pelo crime de roubo. Apontada como autora de um dos três tiros que atingiram o religioso, ela foi encaminhada para o presídio de Bangu 8, na capital carioca.

Patrícia chegou a ser detida,
mas fugiu da Cadeia Pública Feminina de São Bernardo em junho de 1999. Entre os moradores da comunidade do Jardim Silvina, corria boato de que ela estava morta.

João Cardoso dos Santos, líder do tráfico na favela do Oleoduto à época do crime, foi o primeiro autor do assassinato a ser preso, julgado e condenado. Ele cumpre pena na penitenciária de Riolândia, no Interior do Estado, desde fevereiro de 2006, quando foi condenado a 21 anos, quatro meses e 24 dias de prisão, sendo 14 anos, quatro meses e 24 dias pelo homicídio duplamente qualificado, três anos e seis meses por tráfico de drogas e outros três anos e seis meses por associação para o tráfico. Ele possuía outra condenação, de 32 anos, por homicídio. Joãozinho, como era conhecido na comunidade, confessou ter matado o sacerdote, e disse, à época, ter confundido o carro do padre com o de traficantes rivais. Outro suposto participante do crime, Maciel José da Silva Bento, teria morrido sem ser julgado.


Comunidade realiza 19ª edição de caminhada pela paz hoje


Desde que surgiu, em 1998, três dias após o assassinato de padre Leo Commissari, como forma de protesto contra a violência, a Caminhada pela Paz é realizada anualmente pela Paróquia Jesus de Nazaré, na Vila São José, em São Bernardo. Hoje, a partir das 15h, ocorre a 19ª edição da marcha, que tem como ponto de partida o local da tragédia que marcou a comunidade e que leva o nome do religioso.

“Mais do que lembrar a morte do padre Leo, a caminhada tem a intenção de pedir o fim da violência urbana, que foi a grande responsável pelo assassinato dele. Precisamos de paz”, ressalta a religiosa Daniela Bonello, 66 anos. Embora ela destaque que a palavra medo não faz parte de seu vocabulário, a freira revela que, mesmo após tantos anos do crime, permanece o pensamento da dúvida sobre as reais causas da morte do amigo. “Será que foi porque ele tirava o jovem do tráfico ou foi mesmo por engano? Quem o conhecia não teria feito isso.”

Posteriormente, às 15h30, o bispo diocesano de Santo André, dom Carlos Cipollini, realizará celebração na Paróquia Jesus de Nazaré. “Ele trabalhou pelas causas sociais. Era uma pessoa voltada para Deus e para o povo, mas que pagou o preço com a vida”, observa o líder da Igreja Católica entre as sete cidades. 




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