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Veneza: uma edição 'esquecível'
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06/09/2008 | 07:08
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The Wrestler (O Lutador), último filme em competição no Festival de Cinema de Veneza, dirigido por Darren Aronofski, foi uma boa surpresa. Traz de volta à tela um Mickey Rourke bombado e envelhecido no papel do ídolo da luta livre que está pedindo uma aposentadoria, mas permanece no ringue para ganhar uns trocados.

O diretor faz um bonito começo de filme, com a câmera acompanhando o lutador por trás, enquanto ele se encaminha para a arena. É um longo travelling, cheio de sentido. E que será repetido, em outra circunstância, mais adiante. Há muito sangue e paixão - e um belo trabalho de Rourke, que faz jus à força desse tipo de personagem: o velho lutador, o gladiador dos tempos modernos, sempre obrigado a mais uma luta para sobreviver.

Claro, o tipo ideal de todos eles é Robert De Niro em Touro Indomável. Mas aí temos a obra-prima. Não passando nem longe dela, O Lutador convence pela sinceridade. Sua história é da queda com dignidade, enfrentando desde um romance frustrado com uma prostituta (Marisa Tomei) até o relacionamento difícil com uma filha (Evan Rachel Wood).
Na entrevista, Mickey Rourke disse que antes de fazer o filme ele não tinha lá muito respeito pela luta livre. Afinal, ele lutou boxe e os boxeadores não levam lá muito em consideração esse tipo de combate que, mesmo sendo brutal, é em parte ensaiado entre os supostos oponentes.

Sobram cortes, dentes partidos e costelas quebradas. São como atores, vítimas da própria encenação. E, vendo a atividade mais por dentro, Rourke, segundo seu depoimento, passou a respeitá-lo.

Isso porque Aronofski, habilmente, conecta a luta à sociedade do espetáculo. E faz a atração aparecer entre dois "atores do corpo", manipuladores da fantasia alheia - o lutador e a prostituta. Não se descarta um prêmio de interpretação para Rourke.

No dia anterior à sessão de O Lutador, Veneza havia descido ao fundo do poço com a apresentação da triste comédia O Sêmen da Discórdia. A história: Verônica (Caterina Murino) é uma bela mulher, dona de butique, casada com um vendedor de fertilizantes (Alessandro Gassman, filho do grande Vittorio). Resolvem ter um filho, esforçam-se de maneira burocrática, mas nada acontece. Seu teste de gravidez finalmente dá positivo, mas no mesmo dia em que o marido se descobre estéril. Crise matrimonial, pois a mulher não sabe de quem é o filho. Com isso, Corsicato se põe a discutir gravidez, paternidade, fidelidade, aborto, estupro etc. Grandes temas que, faz questão de afirmar, gosta de conduzir com leveza.

Com ligeireza, seria melhor dizer. Da fotografia à exuberância feminina, fica perceptível o desejo, não de dialogar, mas de imitar Almodóvar, o que não se faz impunemente. Falta-lhe o essencial. A alma. E o resultado é constrangedor.

Com os problemas apresentados pelos filmes da mostra competitiva, os prognósticos tornaram-se ainda mais incertos. Quem leva o Leão de Ouro na cerimônia de hoje à noite? Difícil dizer, mas se o júri resolver consertar o trabalho malfeito da comissão de seleção, terá poucos filmes com que se preocupar. Pela preferência dos críticos, teremos de colocar a animação Ponyo, de Hayao Miysaki, entre os favoritos. Mas devemos torcer para que seja apenas uma excentricidade causada por esse momento particularmente difícil para a inteligência européia.

É até possível que o etíope Teza venha a vencer, o que não seria má escolha, dadas as particularidades desta edição do festival. E há mesmo quem jogue fichas no Jonathan Demme de Rachel Getting Married, filmado à maneira de um Cassavetes - mas sem qualquer traço da mesma inspiração.

Com tantas dúvidas, pode até sobrar alguma coisa para os índios brasileiros de Birdwatchers, de Marco Bechis, por que não? Uma única aposta parece certa: dificilmente alguém se lembrará do filme vencedor daqui a alguns anos - para ser otimista.




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