Economia Titulo Previdência
Segurado não devolverá mais dinheiro ao INSS
Por Pedro Souza
Do Diário do Grande ABC
07/03/2014 | 07:05
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DIÁRIO – Em quais tipos de benefícios que a decisão do CRPS (Conselho de Recursos da Previdência Social) sobre o Enunciado 38 se enquadra?
MANUEL DE MEDEIROS DANTAS – O enunciado número 38 do CRPS aplica-se aos benefícios por incapacidade, notadamente ao auxílio-doença, em que são fixadas datas, pela perícia médica do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), das quais dependem o reconhecimento desse direito. Na data da perícia, muitas vezes, o beneficiário pode ter perdido a qualidade de segurado, pois pode encontrar-se desempregado há, por exemplo, 25 meses, tendo em vista que a lei previdenciária garante a manutenção da qualidade de segurado até o prazo de 24 meses, após a situação de desemprego. Se o médico fixar a DII (Data de Início da Incapacidade) dentro dos 24 meses do que se chama período de graça, o cidadão tem direito a receber o benefício pelo prazo que o médico designar, por exemplo, por seis meses.

DIÁRIO – O que acontece se o perito médico especificar a DII após para após o período de graça?
DANTAS – Se o perito fixar a DII para além dos 24 meses, mesmo incapacitado, o cidadão não faz jus ao benefício.

DIÁRIO – Mas o Enunciado 38 versa sobre o que exatamente?
DANTAS – O Enunciado aplica-se ao caso de, na primeira perícia, a DII ter sido fixada dentro dos 24 meses. Bom, quando se aproxima o fim do prazo de seis meses da concessão do benefício, quando ele será cessado automaticamente, caso o segurado ainda se sinta incapaz para o trabalho, conforme conclusão de seu médico particular, ele faz, perante o INSS, um PP (Pedido de Prorrogação) do benefício de auxílio-doença, quando um outro perito do INSS o atenderá. Nesta ocasião, esse novo médico pode entender que a DII anteriormente fixada pelo seu colega está errada e fixar uma outra data, agora além dos 25 meses do período de graça, quando o cidadão já não mais detém, portanto, a qualidade de segurado e, assim, não tem direito ao benefício que acabou recebendo. Ou seja, além de negar o pedido de prorrogação, o INSS ainda inicia um processo contra o segurado para que ele devolva o valor que recebeu durante aqueles seis meses. E o segurado tem recorrido dessas decisões às juntas de recursos da Previdência Social.

DIÁRIO – Os vários recursos dos segurados foram os principais motivos então. Qual é a interpretação do CRPS sobre isso?
DANTAS – O que o CRPS entende é que o benefício foi recebido de forma devida, pois o INSS, por meio de sua perícia, fixou as datas técnicas. O direito administrativo é regido pelo princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos e, assim, não tendo o segurado, de nenhuma forma, o poder de participar da atividade do médico, e nem de interferir no resultado do parecer da perícia, encontrando-se em situação de absoluta passividade, não se pode exigir outra conduta que não a da confiança no ato que lhe reconheceu um direito, pois, repita-se, a presunção é de que o ato está correto.

DIÁRIO – Então a responsabilidade, para o CRPS, é total do INSS?
DANTAS – Se um outro médico, ou seja, um agente do Estado muda os critérios, segundo a sua análise subjetiva, o segurado de boa-fé, que confiou no Estado, não pode ser obrigado a devolver o que recebeu. Isso atende um importante objetivo do Estado Constitucional que é o da segurança jurídica, fundado na confiança.

DIÁRIO – Como o INSS detecta erros nas perícias médicas após a concessão dos benefícios?
DANTAS – Na verdade, não se pode dizer que é um erro médico, na medida em que há, efetivamente, algum subjetivismo na atividade médica, sendo comum, inclusive, que as pessoas sempre procurem uma segunda opinião quando recebem o diagnóstico de uma doença grave, ou, ainda, que os sistemas de Saúde se cerquem de juntas de médicos para a obtenção de uma conclusão colegiada que possa ser considerada segura. É muito comum, também, que os médicos do trabalho que atuam nas empresas entendam que o trabalhador está incapaz, e os médicos do INSS entendam que não está, e isso não quer dizer, sempre e necessariamente, que um dos dois está equivocado. Daí que os riscos da atividade da perícia não podem ser assumidos pelo segurado, notadamente nos casos de boa fé, objetivamente considerada nos casos concretos, bastando para isso que ele tenha fundamentos para confiar na legitimidade dos atos administrativos.

DIÁRIO – Portanto, a responsabilidade é do Estado?
DANTAS – Os riscos da atividade da perícia médica são, pois, do Estado.

DIÁRIO – Existe um levantamento de em quantos casos ocorre esse tipo de erro? E sobre o número de pedidos de devolução dos benefícios recebidos?
DANTAS – O CRPS não tem esse número consolidado, mas pode-se dizer que têm se tornado muito comum situações como essas, no dia a dia do conselho, a ponto de justificar a edição de um Enunciado.

DIÁRIO – Qual é o pensamento do CRPS, em relação ao INSS, suas contas e sua atuação, em decidir pela não devolução dos valores?
DANTAS – Em relação ao INSS, quando se edita um enunciado é porque há um consenso no CRPS quanto ao direito sumulado pelo enunciado. Como o CRPS se constitui em órgão de controle das decisões do INSS, é natural que o sistema de concessão do órgão federal seja adaptado para atender esse paradigma legal, embora a autarquia, pelo sistema legal hoje vigente, não esteja vinculada às orientações do CRPS.

DIÁRIO – Quando a decisão entra em vigor?
DANTAS – Na verdade, o enunciado é um entendimento consolidado a partir de inúmeros julgamentos anteriores de uma matéria que foi muito debatida e amadurecida nas três instâncias de decisão do CRPS, e sua finalidade é a de consolidar a jurisprudência administrativa e orientar as futuras decisões do colegiado, pois os enunciados vinculam as futuras decisões deste órgão.

DIÁRIO – Ela será retroativa? E em quais casos? Como valores já devolvidos ou que os beneficiários estão tentando devolver?
DIÁRIO – Os enunciados não têm efeito retroativo e se constituem, apenas, em um entendimento quanto à aplicação da lei em relação a determinados fatos da vida.

DIÁRIO – Há outras situações em que erros por parte de agentes que prestam serviços para o INSS podem ocasionar o pedido de devolução dos benefícios recebidos?
DANTAS – Há inúmeras outras situações. Umas decorrentes de erros propriamente ditos, por exemplo, na interpretação equivocada da lei pelo INSS, outras decorrentes de erros de sistemas informatizados, outros de liminares concedidas pelo Judiciário e que depois o juiz revoga ao reconhecer que o segurado não tinha aquele direito que parecia existir quando concedeu a decisão e, outras, ainda, decorrentes da própria e natural atividade de concessão de benefícios em que não se pode dizer que há erro, como na maioria dos casos protegidos pelo enunciado número 38.




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