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Discurso naftalina

Preciso, antes de qualquer coisa, dizer: esse não é um texto ofensivo...

Carlos Ferrari
30/05/2012 | 00:00
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Preciso, antes de qualquer coisa, dizer: esse não é um texto ofensivo ou tampouco persecutório; as simpáticas bolinhas que deixam cheiro de guardado. Apenas recorro a elas para qualificar um tipo de discurso presente na vida de todos nós. Falo daquelas tais falas recorrentes, repetidas, aquelas que acabam se configurando como a marca registrada de muitos com os quais temos contato, e que se fôssemos parar para entender o porquê de tamanha insistência na mesma tecla, talvez nem o dono da velha falação saberia explicar a causa de tantas vezes resgatá-la do baú.

Exemplificando melhor, lembra aquele amigo que você só encontra em festa de criança ou em velório de parente distante? Junto com o rosto inevitável de não se lembrar diante de tal indicativo, com certeza deve vir batendo fundo lá em sua memória auditiva aquela história que tal figura sempre te conta como se fosse a primeira vez. Bem, mas até aí pode ser que seja justificável, ou melhor, fácil de se explicar, afinal são meses ou até anos sem se ver, é natural que a velha história seja sempre repetida, não por persistência do velho conhecido, mas quem sabe por esquecimento.

Outros casos, no entanto, nem Freud explica. Aproveitando que estamos chegando às vésperas da eleição, olha só para alguns de nossos conhecidos candidatos. Resgate suas últimas falas, em um período de uma ou duas décadas. É assustador o grande desperdício de gravador, estúdio e cordas vocais! Dada a insistência com o conteúdo, bastaria ter gravado uma vez, pois as mesmas ideias e colocações sempre voltam como que se tal pretenso futuro eleito não tivesse nada mais a dizer.

Problematizo tais situações, pois penso que os discursos recorrentes, em muitos casos, não são escolha consciente. Trata-se de comodismo verbal e, porque não dizer, retórico. Contudo, paradoxalmente, vivemos na era da inovação. Buscamos novos modelos de automóvel, novas possibilidades de energia, novos meios de comunicação. Assim, não inovar na conversa pode significar no curto prazo enorme risco, para aqueles que buscam ser ouvidos.

Não digo com isso que devemos abrir mão de nossas convicções e velhas bandeiras. Mas, sem dúvidas acredito, que podemos defendê-las e apresentá-las, com novas palavras e argumentos. 

Ouvindo esses dias Max Guerenger, conceituado pensador de questões referentes ao mundo corporativo, me peguei surpreso com um dado que deu corpo a uma de suas colunas. Ele dizia que 94% dos brasileiros se colocavam como insatisfeitos com o seu trabalho. Pensando então sobre o assunto, e sobre os tais discursos naftalinas, me questionei se essas pessoas realmente estão descontentes com seu atual emprego, ou se tal reclamação não se manifesta como mais uma das tantas coisas fáceis de se repetir. Tentei aqui destacar dentre um possível ranking dos dez assuntos que mais protagonizam as velhas ladainhas, ao menos cinco que acabamos nos deparando cotidianamente:

1. Lamentações sobre o Brasil, sempre somadas a críticas ao povo e fechando com a frase ‘É por isso que o Brasil não vai para frente!'.

2. Relatório sintético das últimas dores e doenças, podendo ganhar uma reclamaçãozinha adicional, caso o interlocutor esteja também apresentando seu relato de sofrimento.

3. Culpabilização de alguém ou de algo, por determinado fracasso pessoal e/ou profissional. As autocríticas apenas se dão na seguinte perspectiva: ‘Mas eu fui o maior culpado, fui bom demais, me doei demais, fiz o que ninguém jamais faria!'. 

4. História que trás como enredo as principais qualidades do contador, ou aquele grande feito e que infelizmente ninguém nunca valorizou. 

5. Teorias políticas que explicam todos os problemas da humanidade, daquelas do tipo ‘É culpa do neoliberalismo, dos comunistas, dos petistas e dos tucanos'.

Como falei no início, estamos todos sempre correndo o risco de nos tornar repetitivos, portanto, antes que eu incorra nesse erro, é melhor dizer até logo, e como alguém um dia já falou, virar o disco.




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