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Ganância, um problema de saúde pública?

Para que ocorra a corrupção, são necessárias duas figuras, a do corruptor e a do corrompido. Da mesma forma

Por Wilson Marini
18/04/2011 | 00:00
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Para que ocorra a corrupção, são necessárias duas figuras, a do corruptor e a do corrompido. Da mesma forma ocorrem os crimes de estelionato conhecidos como contos-do-vigário. Eles não existiriam se não houvessem os dois lados, um ativo e outro passivo na história -- o criminoso e o cidadão de bem que cai na armadilha. Por mais óbvio que isso seja, a reflexão sobre as suas causas merecem uma discussão mais ampla além da simples análise policial ou criminal.
Notícias sobre golpes do bilhete premiado sempre causam perplexidade e são quase inacreditáveis até para quem conhece por ofício sobre a natureza humana. É surpreendente, para dizer o mínimo, como em pleno século 21, com a rapidez com que circulam as informações e a divulgação pela imprensa, ainda ocorram fatos desse tipo, à luz do dia, em grandes cidades.
Ninguém coleciona mais episódios desse gênero do que delegados de polícia. E são eles que sempre analisam: as vítimas caem quase sempre pela ganância em obter dinheiro fácil e sem esforço algum. Iludem-se ao aceitar usufruir de um valor que em tese pertence a outra pessoa e que cai do céu em seu colo ao acaso. Qual a sua responsabilidade? Até prova em contrário, a própria vítima agiu movida também por um propósito imoral ou talvez ilícito.
O livro "Factos e Memórias" (Mello Morais Filho, 1904) diz que os contos-do-vigário surgiram no Brasil no século 18, vindos da Europa. Ladrões constituíram-se em associações com a finalidade de explorar pessoas de posses, iludindo-as. As vítimas recebiam cartas com notícias sobre heranças não esperadas, mas era necessário fazer despesas para custear pesquisas e o processo. O interesse das vítimas era despertado com histórias de tesouros enterrados em solares ou igrejas. No mundo globalizado, pessoas ainda caem em contos-do-vigário, e não são poucos os casos. Diante da epidemia, parece que estamos diante de um problema de saúde pública, antes de ser um desafio só da segurança pública.

Dois casos
O comentário vem a propósito de dois fatos ocorridos esta semana no Interior de São Paulo e noticiados ambos na sexta-feira em veículos da Rede APJ -- Associação Paulista de Jornais. O mais "espetacular", para não dizer trágico, é de São José dos Campos, onde uma mulher de 73 anos perdeu cerca de R$ 210 mil -- não é erro de grafia, são R$ 210 mil mesmo -- ao cair em golpe da loteria.
Em resumo, ela estava no estacionamento de supermercado quando foi abordada pelo golpista. Uma mulher se juntou à conversa. O homem afirmou ter ganho R$ 9 milhões na loteria, mas queria vender o bilhete por não precisar de todo o dinheiro. Só queria R$ 500 mil para comprar um sítio em Atibaia. A cúmplice disse ter a metade do dinheiro e propôs dividirem o bilhete. A vítima entregou R$ 170 mil em dinheiro e mais US$ 22 mil.
O delegado assistente do 1.o DP da cidade, Régis Wanderley Germano, afirmou ao jornal "O Vale" que o golpe do bilhete é algo comum. "Por dia, são registradas de cinco a dez ocorrências, mas os valores são baixos. Um caso como este, nunca vimos". Esse é o ponto: o golpe do bilhete é algo mais comum do que divulga ou se possa imaginar.

Milagre não existe
Tanto é verdade que no mesmo dia o "Diário da Região", de S. José do Rio Preto, noticiou que uma professora de matemática aposentada de 74 anos perdeu R$ 15 mil em um golpe sobre falsa premiação milionária da Mega-Sena. Sacou de economias de 20 anos, guardadas em um banco, e entregou a três estelionatários após ficar três horas em contato com o trio.
"Em nenhum momento pensei em lucrar. Fui ajudar de coração porque fiquei com pena do rapaz, que demonstrava nervosismo e muita humildade", disse ela. O comandante do 17º Batalhão da Polícia Militar, coronel Gilmar Torres Peres, afirma que a principal recomendação é desconfiar de ofertas tentadoras. "Não existe negócio milagroso".
Os detalhes ardis são quase sempre os mesmos. Um homem se aproxima com um "bilhete premiado" e oferece uma vantagem em dinheiro para que o prêmio possa resgatado, surge uma terceira pessoa para reforçar a conversa e em troca da "boa fé" do suposto sortudo pede-se uma "garantia". E lá se vai a poupança.




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