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‘Foi queima de arquivo’, diz João Daniel
Regiane Soares
Do Diário do Grande ABC
21/06/2002 | 00:39
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O oftalmologista João Francisco Daniel acredita que o seu irmão Celso Daniel, assassinado em janeiro, foi vítima de queima de arquivo por ter descoberto que parte do dinheiro extorquido de empresários de Santo André era usado em benefício de pessoas ligadas à administração. João Francisco disse que o PT não difere em nada dos outros partidos.

DIÁRIO – Quando o sr. conversou com o Gilberto sobre o desvio do dinheiro ao PT?

JOÃO FRANCISCO DANIEL – O diálogo com o Gilberto aconteceu nesta sala, da minha casa, ele sentado ali, eu sentado aqui, logo após a morte do meu irmão. Na época a polícia fazia buscas nas favelas e discutia se a Blazer encontrada era a usada no seqüestro. O elo de contato da família para saber o que estava acontecendo no caso era com o Gilberto ou com a Míriam.

DIÁRIO – Em que circunstâncias que aconteceu esse diálogo?

JOÃO FRANCISCO – Estávamos conversando sobre as investigações quando comentei com o Gilberto o que sabia sobre as empresas de ônibus. Pedi a ele que fizesse algo na administração para que houvesse mais transparência. Eu disse: “Olha Gilberto, eu espero que a morte de meu irmão não seja em vão no sentido de fazer uma limpeza na administração, coisa que o meu irmão estava querendo fazer desde de setembro do ano passado”. Era uma conversa informal e sem mais e sem menos ele começou a falar espontaneamente. Não perguntei nada. Eu já sabia do esquema de corrupção porque a Rosângela Gabrilli já tinha me confidenciado que ela era obrigada a dar um valor mensal para a ‘caixinha’ que formava a campanha do PT em torno de R$ 40 mil reais. Eu já sabia e um monte de gente sabia.

DIÁRIO – O sr. conhecia a família dona da Viação São José?

JOÃO FRANCISCO – Sim, desde que eu nasci, praticamente. Eu nasci em uma das casas da família Gabrilli, há 56 anos. Mas não tínhamos amizade.

DIÁRIO – Em que ocasião a Rosângela falou sobre a ‘caixinha’ para o sr.?

JOÃO FRANCISCO – Foi no final do ano passado, antes da morte do Celso. Eu ia conversar com o Celso sobre o assunto no inicío de janeiro, depois das festas de fim de ano. Nunca me envolvi com a Prefeitura, nunca quis me envolver, a vida dele era dele, a minha era minha, a minha vida é diferente da vida dele, a vida dele era voltada para o partido. Ele adorava política, enfim. Eu faço aquilo que eu sei fazer, que é ser oftalmologista e vivo com minha família, é diferente. Eu não tinha esse tipo, eu não gostava de perturbar, não gostava de ficar enchendo a paciência dele.

DIÁRIO– Qual foi sua reação quando o sr. soube do esquema pela Rosângela?

JOÃO FRANCISCO – Fiquei bastante chateado. Eu acho que isso não é tipo de coisa. Não é honesto de fazer isso

DIÁRIO – Como foi o diálogo que o sr. teve com o Gilberto?

JOÃO FRANCISCO – Disse ao Gilberto pensar no que estava acontecendo, que a Rosângela estava perdendo a empresa e que esse tipo de coisa tinha de acabar. Ele disse que eu não iria compreender o esquema e que os empresários tinham concordado com a ‘caixinha’. A princípio, para empresário, o esquema é muito interessante. Ele reclama depois, mas concorda antes.

DIÁRIO – Quando o sr. conversou com Gilberto a esse respeito, relacionou o caso da São José de alguma maneira?

JOÃO FRANCISCO – O prefeito João Avamileno (PT) já tinha tomado posse e achei que seria importante o novo prefeito dar uma linha diferente nesse tipo de esquema. Por isso pedia ao Gilberto para tomar uma atitude.

 DIÁRIO – Qual foi a resposta ?

JOÃO FRANCISCO – Falou que era muito difícil, que o problema era político e muito complicado. E, sem mais nem menos, disse que ficava chateado e preocupado porque pegava o dinheiro aqui em Santo André, colocava na malinha e pegava o Corsa dele e ia para São Paulo para entregar o dinheiro ao presidente do partido, o José Dirceu. Eu não pedi para ele me falar nada. Eu fiquei quieto.

DIÁRIO – O Gilberto falou que o dinheiro era para campanhas?

JOÃO FRANCISCO – O dinheiro era para a campanha da Marta Suplicy (PT), prefeita de São Paulo, e para a campanha do Lula à Presidência da República.

DIÁRIO – E como foi o diálogo com a Miriam Belchior?

JOÃO FRANCISCO – Ela também esteve aqui na minha casa e falou o que sabia depois que pedi para que ela tomasse alguma providência, afinal ela tem força política. E disse: “Atenda um pedido do irmão de um falecido, faça alguma coisa”. A resposta foi a mesma, que era difícil. A Miriam também me contou que conversou com o Celso em setembro do ano passado. Ela disse que tinha um convite da Marta Suplicy para ser secretária em São Paulo e que se o Celso não tomasse providências ela iria para São Paulo. A Miriam contou que o Celso tinha garantido a ela que tomaria providências.

DIÁRIO – Porque o sr. decidiu falar isso agora, o que motivou o senhor a procurar o Ministério Público, foi voluntário?

JOÃO FRANCISCO – Os promotores me ligaram e tomei a iniciativa de prestar depoimento. Eu sabia que eles estavam investigando algo. O meu depoimento foi uma surpresa grande para os promotores porque eles não sabiam, não.

DIÁRIO – O sr. acredita que o esquema da ‘caixinha’ continua?

JOÃO FRANCISCO – Eu acredito que eles não estavam recebendo mais. Mas, desde janeiro , depois da morte do Celso, eles não foram mais cobrados. Que eu saiba.

DIÁRIO – Então não há nada que motivou o sr. a ir ao MP?

JOÃO FRANCISCO – A única coisa que me motivou foi o que aconteceu com o meu irmão, pela maneira como ele foi assassinado, pela maneira como foi conduzido o processo de investigação. O caso foi conduzido de tal maneira para que se chegasse a um crime comum. E acho que não foi crime comum, posso até estar errado. Mas não houve mudança nenhuma na conduta da administração, continuou tudo a mesma coisa. Meu irmão morre da maneira como morreu, e não dá absolutamente em nada. Fecham o processo como crime comum. Eu fico sabendo dessas denúncias por livre e espontânea vontade. Não sei por que me falaram. Eu vou ficar quieto? Não estava mais conseguindo ficar quieto, eu tinha de falar.

DIÁRIO – O sr. teme por sua vida?

JOÃO FRANCISCO – Eu acredito. Tenho certeza absoluta, porque isso nós fomos informados desde o início para tomarmos muito cuidado, ficar quieto, não abrir a boca, porque corríamos risco de vida.

DIÁRIO – O sr. se decepcionou com a atitude do seu irmão ao ser conivente com esse tipo de esquema denunciado?

JOÃO FRANCISCO – No fundo, no fundo você acaba se decepcionando. Por mais admiração que você tenha, você acaba se decepcionando.

DIÁRIO – O sr. pretende mudar algo na rotina de vida?

JOÃO FRANCISCO –Indo para a Clínica, voltando para casa, trabalho no Poupatempo de São Bernardo.

DIÁRIO – Havia divergência entre o sr. e o seu irmão?

JOÃO FRANCISCO –Tinha divergências políticas. Não sou petista, não sou peessedebista, não sou partidário. Sou um cidadão que acompanha política, voto naquele que eu acho que pode ser o melhor candidato.

DIÁRIO – O sr. votava nele?

JOÃO FRANCISCO –– Sempre votei no Celso. Sempre.

DIÁRIO – O sr já foi filiado a algum partido?

JOÃO FRANCISCO –– Graças à Deus nunca fui.

DIÁRIO – A administração nega as acusações e diz que o sr. não tem provas. O que diz com relação a isso?

JOÃO FRANCISCO –Não posso dizer nada. Eu simplesmente acho que é a minha palavra, tranquila, honesta, de cara lavada, posso dormir sossegado, contra palavras do Gilberto, que eu sempre achei o Gilberto uma pessoa boa, eu sempre gostei do Gilberto. Eu sempre achei que o meu irmão estava muito bem assessorado. Sempre gostei da Miriam, apesar das divergências partidárias, sempre gostei dos dois. Nunca tive nada contra os dois. São pessoas voltadas para o partido. Eles vivem com o partido. Eles vão negar. Imagine, isso é mentira, nunca falei isso. É a palavra deles contra a minha. Se eu tivesse a intenção de prejudicar alguém, eu teria gravado a conversa.

DIÁRIO – A sua denúncia terá repercussão porque trata-se de um período eleitoral.

JOÃO FRANCISCO –Eu acho que o povo brasileiro, o cidadão brasileiro que vota, tem de ficar sabendo que o PT não difere em nada dos outros partidos. Temos que deixar de ser hipócritas. O duro para um cidadão, principalmente aquele que fica sabendo de coisas, é ficar escutando, vendo na televisão, lendo nos jornais, etc, de pessoas que ficam se colocando acima de qualquer suspeitas

DIÁRIO – O sr. acha que o esquema que havia na Prefeitura de Santo André tem a ver com a morte do Celso, seu irmão?

JOÃO FRANCISCO – Eu acho que foi queima de arquivo.

DIÁRIO – O sr. acha que ele sabia e não queria contar ?

JOÃO FRANCISCO –A Miriam conversou com ele e eu acho que ele quis começar a fazer algumas alterações. Eu acho. Tenho essa impressão, não tenho provas.




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