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Concentraçao de renda no campo deve aumentar
Do Diário do Grande ABC
03/04/1999 | 15:24
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O ganho proporcionado à agricultura pelo novo regime cambial, estimado entre R$ 8 bilhoes e R$ 12 bilhoes, deverá contribuir para acentuar a concentraçao da renda no campo. Análise feita por especialistas e empresários indica que ganharao mais os produtores capitalizados, que tiveram acesso a crédito barato e destinam suas colheitas ao mercado internacional. A desvantagem será dos agricultores que negociaram antecipadamente suas produçoes, que se endividaram em dólar (por causa do financiamento dos insumos) e dirigem a produçao ao consumo doméstico.

O lucro obtido pela parcela favorecida da agricultura, ainda assim, pode ser anulado. A inflaçao no campo está superando, de longe, a inflaçao urbana. Levantamento feito pela Secretaria da Agricultura do Estado do Paraná indica que, após a liberalizaçao do câmbio, os preços dos fertilizantes aumentaram entre 17% e 23%, dos defensivos (agrotóxicos), entre 33% e 44%, dos produtos veterinários, entre 4,3% e 4,8%, dos tratores, entre 2,4% e 6,6% e da mao-de-obra, entre 2,2% e 5,9%. Alguns tipos de sementes, no entanto, tiveram seus preços reduzidos em 1,3%, mas outras foram reajustadas em 5,3%. O mesmo ocorreu com os implementos agrícolas, cujos preços caíram 0,6%, mas outros estao custando até 3,9% mais.

Isso significa, segundo o professor de Economia da Universidade de Sao Paulo (USP), Fernando Homem de Mello, que o produtor de tomate, por exemplo, pode estar vivendo no pior dos mundos, porque destina a produçao ao mercado interno, que está retraído, e utiliza elevadas doses de defensivos e fertilizantes.

Essa cenário nao se aplica aos produtores de café, açúcar, laranja e fumo, culturas típicas de exportaçao, que estao recebendo mais reais com a venda de suas safras. Os produtores de soja estao excluídos desse grupo porque o preço atual do produto, em dólar, é o mais baixo dos últimos 23 anos e os insumos aplicados nas lavouras sao aqueles cujos preços mais subiram. Com isso, correm o risco de ter de aplicar o lucro resultante do ganho cambial no plantio da próxima safra.

O presidente da Organizaçao das Cooperativas do Brasil (OCB), Roberto Rodrigues, também tem "sérias dúvidas" de que todo esse ganho de renda possa permanecer nas maos da maioria dos agricultores. Rodrigues inclui entre os ganhadores os produtores de trigo e de milho, pelo fato de os preços serem calibrados pelo mercado internacional. No caso do milho, o país está colhendo uma de suas maiores safras, o que também garante renda adicional por conta da produtividade. A safra deverá chegar a 32 milhoes de toneladas, incluindo aí o chamado milho safrinha, produzido durante o outono.

Mello e Rodrigues concordam que a renda do setor rural vai crescer. "É o reverso da âncora verde, que surgiu no início do Plano Real e permitiu a estabilidade dos preços à custa dos agricultores", declara o professor da USP. O fim da âncora verde, no entanto, segundo o presidente da OCB, nao pressiona os preços dos produtos básicos no mercado interno. A boa safra agrícola garante a oferta de alimentos e deverá contribuir para a relativa estabilidade do custo de vida, após o término do impacto da desvalorizaçao do real.

Mello acha até que os produtores de soja podem vir a ter alguma receita extra a partir deste mês. Para ele, os preços externos devem parar de cair. A perspectiva de uma estabilizaçao do câmbio deverá permitir uma pequena valorizaçao do produto em reais. "Tudo depende, é claro, do comportamento da safra americana de soja", diz. A primeira estimativa de plantio feita pelo governo dos EUA indica aumento de 1% na área de plantio. Com a volta de alguns grandes consumidores, as cotaçoes da soja poderao voltar a subir.

A agricultura brasileira deu grande salto nos últimos anos, apesar das dificuldades resultantes do atraso no câmbio, afirma o vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Claudio Braga. Com a nova realidade cambial, ela poderá avançar mais no que se refere à modernizaçao tecnológica. Neste ano, a produçao de graos da regiao Centro-Oeste do país está sendo escoada por meio de hidrovias, com significativa reduçao do custo do frete. A produçao da regiao torna-se competitiva, em condiçoes de ganhar novos espaços no mercado internacional.

O crescimento da renda do agricultor depende ainda da administraçao das tarifas aduaneiras dos insumos agrícolas, segundo Rodrigues. Cerca de 50% das matérias-primas dos fertilizantes e defensivos sao importados e uma política adequada dos impostos de importaçao poderá reduzir o impacto sobre os custos de produçao, afirma o presidente da OCB.




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