Política Titulo Entrevista da semana
'Não vejo suporte ao futebol feminino no Grande ABC', diz Tamires
Por Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
14/01/2019 | 07:00
Compartilhar notícia


 A temporada 2019 será especial para a lateral-esquerda Tamires, que se apresenta hoje à Seleção Brasileira, em Teresópolis, no Rio de Janeiro. Lá acontece o início dos treinos pré-Copa do Mundo da França, sob comando do técnico Vadão. Ela está ansiosa por representar pela segunda vez o País em um Mundial. Dependendo do resultado, pode ser a última participação da mineira, que divide residência junto do marido, Cesinha e do filho, Bernardo, entre Santo André e Hjørring, em Nordjylland, na Dinamarca, onde defende o Fortuna. Aliás, deve ser despedida dela, da Marta, entre outras. Após pendurar as chuteiras, Tamires quer difundir o futebol feminino na região e no País.

De que maneira resumiria sua temporada 2018?
Foi boa. Conseguimos o título da Liga Dinamarquesa, fiquei entre as quatro melhores do campeonato e com a Seleção Brasileira fomos campeãs da Copa América, em abril, que nos deu vagas no Mundial (entre junho e julho deste ano, na França) e na Olimpíada (em 2020, no Japão). Então conquistei títulos coletivos e individual. Vejo como positivo também estar sempre entre as convocadas e não ter tido nenhuma contusão séria.

Seus bons desempenhos nos últimos anos renderam convites para deixar a Dinamarca?
Apareceram algumas propostas, sim. Tanto de um clube do Brasil quanto de um da Europa. Mas tenho contrato com o Fortuna até 31 de julho de 2019, então é um semestre para terminar o contrato e, posteriormente, vou analisar com minha representante e meu marido aquilo que for o melhor. Também vou conversar com o Fortuna para ver os planos deles. Mas a ideia é realmente analisar algumas propostas desde já para estar mais tranquila nos próximos meses.

Este é ano de Copa do Mundo e já está na primeira lista de convocadas do técnico Vadão. Qual a expectativa para ir ao seu segundo Mundial?
Fiquei muito feliz em estar na lista do professor. É sempre gratificante vestir a camisa da Seleção Brasileira. Tenho nesses últimos anos conseguido estar sempre entre as convocadas e fico feliz por este ano, já na primeira convocação, estar na lista. Disputar mais um Mundial é uma meta que coloquei para minha vida profissional e vou trabalhar bastante, me dedicar ainda mais para que possa estar entre as 23 convocadas finais. Essa é só a primeira lista, com muitas atletas que almejam estar no Mundial. Vai ser briga sadia, mas trabalharei duro e firme para que meu trabalho continue na Seleção e que eu possa ajudar o Brasil o máximo possível neste Mundial da França.

O ‘fator Marta’ (última Copa dela) moverá a Seleção?
Ter a Marta na Seleção Brasileira é algo maravilhoso. Ela estando com a gente influencia muito positivamente. Talvez não seja a última Copa só dela, mas de muitas outras também, como Cristiane, Formiga e eu, se conseguir realizar este feito. Então, com certeza muitas ali pensam que poderá ser a última Copa e acho que isso vai dar uma energia, um gás a mais para que a gente dê 200% no Mundial.

O grupo (da Copa do Mundo) com Austrália, Jamaica e Itália, como avalia?
Avalio como difícil, bem equilibrado. A Austrália a gente jogou várias vezes contra e é sempre muito difícil, decidido nos detalhes. A Itália já conhecemos, acho que temos algumas vantagens nos resultados de jogos, a maioria das vezes saímos vitoriosas, mas a liga italiana está evoluindo muito e elas virão mais fortes este ano. A Jamaica a gente não conhece muito, nunca enfrentamos, mas no Mundial todas as equipes são qualificadas, todas as seleções têm seu valor, então temos que ir sabendo das dificuldades e que cada jogo vai ser decisivo para que a alcancemos o objetivo.

Quais são as seleções favoritas para esta Copa do Mundo? E suas colegas de clube, enxergam o Brasil entre elas?
Vejo como favoritas Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha e o Brasil, também, porque somos o País do futebol, sabemos o peso da camisa brasileira nessas competições mundiais. Todo mundo enxerga o Brasil entre os favoritos. Na Dinamarca sempre falam que é uma equipe incrível, qualificada, forte e realmente é. Trabalhando sério e firme, com certeza a gente vai minimizar os erros. Espero não cometer os mesmos de há quatro anos e ser mais vitoriosas para conquistar esse título inédito para o Brasil. Temos a mesma comissão do Mundial de 2015, ali foi o início de um trabalho, o professor estava implementando sua tática, como gostaria de trabalhar com a gente. Hoje sabemos como funciona, os treinos vão fluir mais, não vai precisar ficar parando para ensinar algumas coisas de há quatro anos. Conhecemos a metodologia do trabalho dele e vai ajudar muito para que possamos estar ainda mais preparadas.

A obrigatoriedade de os clubes de futebol necessitarem de times femininos, como vê?
Vejo um lado bom e outro ruim. O ruim é justamente ser obrigatório e não porque querem ter. Em primeiro momento, vejo isso como negativo. Seria tão bom se fosse algo que os clubes tivessem prazer em ter, se vissem o futebol feminino com outros olhos. Tantas meninas e talentos que vão se perdendo pelo tempo por não terem oportunidade. Mas vejo lado bom, porque em um ano muita coisa pode mudar. O clube pode cumprir por ser obrigatório e ver como funciona, o amor que as mulheres têm e comecem a incentivar mais o futebol feminino, um incentivo prazeroso, fazendo com que a modalidade cresça ainda mais. Tenho certeza que os clubes que começarem a trabalhar não vão se arrepender. O futebol feminino vem crescendo no mundo, a Fifa vem dando suporte e incentivo, então o Brasil já evoluiu muito. Vai fazer com que cresça ainda mais e vamos ver muitas meninas se realizando no futebol.

O fato de ser mãe é rotineiramente abordado pela imprensa. Como é com suas colegas de clube, Seleção ou profissão, elas perguntam sobre a maternidade? Quais dicas e orientações transmite?
Hoje a rotina de ser mãe e jogar futebol é mais tranquila, as pessoas sabem que tenho filho e não é muito comentado. Antes era mais. Todas as colegas olham com muito respeito e admiração, o que me deixa muito feliz. Estar longe do meu filho não é fácil quando estou em concentração pela Seleção ou pelo clube. Todas sempre falam, perguntam dele, como está, como é a saudade, e sempre me apoiam muito, sabem que a dificuldade existe, mas não estou sozinha. O Bernardo fica com meu marido, com a família, então está em boas mãos e estamos sempre conversando. Algumas perguntam, sim, sobre maternidade, como é, sempre falo que é muito bom, mas não é fácil. Se não tem a família perto, é complicado dar conta. Mas é prazeroso, vale a pena, porque ter filho é uma dádiva e experiência incrível que toda mulher deveria passar. É uma bênção chegar em casa cansada, bater na porta e seu filho vir abrir, te receber de braços abertos, perguntar como foi o treino. É inexplicável. A orientação que deixo a respeito disso é que, se puder ser planejado, o ideal seria dessa forma. A gente sabe que a carreira de futebol é muito curta, rápida. As meninas brincam, falam que fui esperta, tive o filho novinha, com 21 anos, e estou tranquila para seguir carreira profissional. E é verdade, hoje entendo que foi melhor mesmo, porque senão teria que parar agora e seria mais difícil. Mas se a pessoa puder planejar no fim de carreira é o ideal, porque precisa de apoio familiar para que as coisas caminhem bem.

O presidente do Tolima, da Colômbia, deu uma declaração no fim de 2018 dizendo que o ‘futebol feminino é terreno fértil para o lesbianismo’. Ouviu?
Não ouvi falando a respeito disso, mas acho que foi infeliz. A opção sexual de cada pessoa, seja mulher ou homem, é indiferente no futebol ou qualquer modalidade ou esporte. Se a pessoa quer ser homossexual, é dela. A gente não tem nada a ver com isso, somente respeitar a atleta e a pessoa que ela é. Independentemente de opção sexual, o importante é estar feliz e ter respeito pelas pessoas, que é o que está faltando no mundo: respeito pelo ser humano.

Depois daquele caso da medalha pan-americana roubada em 2015 (a jogadora foi assaltada, mas os ladrões devolveram o item depois de danificá-lo), o que fez com ela? É uma história que hoje trata como?
Essa questão da medalha ficou engraçada com o passar dos anos. Na época foi complicado, triste o que ocorreu, mas hoje em dia ando em Santo André e região e as pessoas: ‘Ah, é a Tamires, da Seleção Brasileira, aquela que teve a medalha roubada’. Aí o pessoal lembra. Então muitas pessoas conhecem como a Tamires que teve a medalha do Pan-Americano roubada. É mais fácil me apresentar como a menina da medalha roubada (risos). Ela continua lá com o risquinho dela. Vou contar essa história para sempre, porque foi um marco.

Os investimentos e a divulgação no futebol feminino são crescentes, estão estacionados ou decadentes no nosso País?
Crescentes, com certeza. Acompanhei, mesmo da Dinamarca, o futebol brasileiro e vi equipes como Corinthians e Santos fazendo marketing muito legal com as meninas. Pude assistir a alguns jogos, então vejo um crescente muito grande. Com certeza em 2019 vai ser muito maior. A final do Brasileirão, as premiações, as homenagens junto com o masculino, transmitido pela televisão... Foi muito legal ver as meninas no mesmo patamar dos homens. A gente sabe que as diferenças salarial e financeira são gritantes, mas ali foi igualdade grande, respeito muito bacana. Foi vitória para o futebol feminino no Brasil.

Com as portas que estão se abrindo com a criação dos times femininos no Brasil, se sente atraída em voltar ou ainda quer fazer carreira na Europa, Ásia ou América do Norte?
Penso em voltar a jogar no Brasil, quem sabe agora no fim do meu contrato com o Fortuna ou no próximo ano. Não sei, mas penso sim, quero voltar a jogar aqui ainda em alto nível, é um desejo do meu coração. Vamos ver o que Deus tem preparado. Fico feliz que as propostas aparecem e as coisas têm acontecido bem.

Como enxerga o futebol feminino no Grande ABC? Tem algum plano ou ambição em abrir uma escolinha para meninas ou ser embaixadora de algum projeto voltado à modalidade por aqui?
Sempre foi meu sonho quando encerrar a carreira ter uma escolinha de futebol feminino e masculino, uma escolinha de formação de atletas, porque acho que é muito carente não só no Grande ABC como em todo o Brasil. Quero poder usar da minha experiência no futebol para ajudar outras meninas a realizarem seu sonho. No Grande ABC, sinceramente, não vejo ainda suporte muito grande com relação ao futebol feminino. Participei já de palestra para meninas do Jardim Utinga como a amiga Kátia, que me levou até lá. Pude ver a necessidade de suporte que a equipe tem, que o clube tem. Os técnicos amam o futebol feminino, apoiam muito, dão o máximo de suporte, mas financeiramente é muito carente. Então gostaria de ver a modalidade crescendo no Grande ABC e testemunhar equipes se destacando no futebol.

RAIO X
Nome: Tamires Cássia Dias de Britto
Estado civil: Casada com o jogador de futebol Cesinha e mãe do Bernardo, 9 anos
Idade: 31 anos
Local de nascimento: Caeté, em Minas Gerais; divide residência entre Santo André e Hjørring, em Nordjylland, na Dinamarca
Profissão: Lateral-esquerda do Fortuna Hjørring, da Dinamarca
Formação: Ensino Médio
Hobby: Jogar Buraco (cartas)
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: Uma Vida com Propósitos, de Rick Warren
Estilo musical: Gospel e sertanejo
Ídolos: Ronaldinho Gaúcho, Marta e Formiga




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;