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Região zera internações em hospitais psiquiátricos

Municípios cumprem acordos firmados com o MP e trazem pacientes para 23 residências terapêuticas

Vanessa de Oliveira
06/05/2018 | 07:04
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Celso Luiz/DGABC


Todas as pessoas internadas no Interior do Estado em manicômios – como ficaram conhecidos os hospitais psiquiátricos – e que nasceram ou viveram no Grande ABC, ou possuem alguma referência familiar na região, foram desospitalizadas e vivem hoje em 23 residências terapêuticas, espalhadas em Santo André, São Bernardo, Mauá e Ribeirão Pires.

As residências terapêuticas, espaços de moradia e reinserção social a pessoas com transtornos mentais, são símbolos da luta antimanicomial, bandeira que tem o mês de maio dedicada à sua discussão. As casas da região abrigam 199 pessoas. São Caetano não possui equipamentos do tipo e a Prefeitura não tem conhecimento de moradores da cidade internados em hospitais psiquiátricos. Diadema e Rio Grande da Serra não retornaram as informações. 

Com a desinstitucionalização de pacientes moradores em hospitais psiquiátricos, o Grande ABC cumpriu o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado em 2012 entre Ministério Público Federal e Estadual, governo do Estado, União e municípios, que prevê a desospitalização na região de Sorocaba, onde há a maior concentração de manicômios do País. As últimas pessoas com vínculo na região e que estavam nessa situação eram de São Bernardo e retornaram para a cidade em janeiro. O número de egressos não foi informado.

Em setembro de 2017, ao inaugurar a sétima residência terapêutica, Santo André se tornou o primeiro município paulista a cumprir o TAC. Nelas, vivem 53 moradores. Em São Bernardo, há oito casas, sendo quatro femininas e o restante masculinas, com dez moradores em cada. Mauá possui duas residências, totalizando 20 residentes. Em Ribeirão Pires, 46 pessoas moram em seis casas. 

RESGATE

Deixar o hospital psiquiátrico para viver em uma residência terapêutica é ter a vida resgatada, segundo os agentes de Saúde que atuam na área. “No hospital, todos andam com o mesmo tipo de roupa, aqui ela passa a ter identidade, seu próprio vestuário, o direito de escolha”, fala a coordenadora e gestora de cinco residências terapêuticas de São Bernardo, Debora Rico.

No espaço, o trabalho desenvolvido visa promover aquisição de conhecimentos e habilidades para realização de atividades da vida diária, como o autocuidado, higiene e locomoção. Muitos chegam sem andar e falar, mas se transformam ao receberem esses estímulos, aliados aos cuidados clínicos. Carmen (nome fictício) passou 35 anos em hospital psiquiátrico de Salto de Pirapora até chegar à residência terapêutica no bairro Rudge Ramos. Estima-se que ela tenha 61 anos, já que não possuía documentos (o que acontece na maioria dos casos dos pacientes internados). Foi encaminhada ao hospital ao ser encontrada, confusa, perambulando pelas ruas de Sorocaba, após o fim de um relacionamento. “Em geral, as perdas são altamente significativas para as pessoas e vão causar uma série de transtornos psíquicos”, explica Debora.

Com esmero, ela cuida do que hoje pode chamar de seu lar. “Gosto de lavar louça, varrer a casa e plantar. Plantei capim cidreira para fazer chá” conta, sorrindo.

“O indivíduo é um todo, não só a cabeça. Não é dando medicação para conter quimicamente uma pessoa que vai conseguir reabilitá-la”, salienta Debora.

Resolução veta ampliação de leito em equipamentos especializados

Em dezembro, o Ministério da Saúde e as secretarias dos Estados e municípios aprovaram uma resolução que veta qualquer ampliação da capacidade já instalada de leitos psiquiátricos em hospitais especializados e fortalece o processo de desinstitucionalização de pacientes moradores em hospitais psiquiátricos. De acordo com a proposta, será ampliada a oferta de leitos hospitalares qualificados para a internação de pacientes com quadros mentais agudos, como aqueles em enfermarias especializadas em hospitais gerais.

Para ampliar a rede de atenção psicossocial, a nova diretriz traz a criação de modalidade de Caps (Centro de Atenção Psicossocial), com funcionamento 24 horas, prestando assistência de urgência e emergência, para ofertar linhas de cuidado em situações de cenas de uso de drogas, especialmente o crack (cracolândias), de forma multiprofissional e intersetorial.

A resolução prevê, ainda, a criação de equipes de assistência multiprofissional de média complexidade em Saúde Mental, com objetivo de prestar atenção multiprofissional no nível secundário, apoiando de forma articulada a atenção básica e demais serviços das redes de atenção à Saúde. O documento apresentado no fim do ano passado também garante a criação de diretrizes clínicas para linhas de cuidados, além de incentivar a pesquisa que apoie o setor.

Especialistas divergem sobre funcionamento de unidades

A defesa pelo fechamento de hospitais psiquiátricos é tema de embate entre especialistas. Para o professor titular de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Itiro Shirakawa, “essa política de dizer que hospital é manicômio é inverdade”. “Crises psiquiátricas agudas sempre vão continuar acontecendo e, no Brasil, está ocorrendo desassistência, onde o paciente agudo não tem onde ser internado”, avaliou. “Hospitais vinham sendo sistematicamente fechados e estamos com menos leitos do que qualquer país do mundo”, pontuou. 

O especialista se refere ao que vinha ocorrendo até entrar em vigor resolução aprovada em dezembro (leia ao lado). Até então, a política que vigorava previa o fechamento gradual de leitos dos hospitais psiquiátricos, com base no que estabelecia a lei da reforma psiquiátrica, de 2001. Dados de 2015 dão conta de 18 mil leitos no País. O Ministério da Saúde não retornou a atualização desse número. “As residências para pacientes que estavam anos nos hospitais são coisas boas, desde que ele esteja compensado e tenha ambulatório de psiquiatria próximo”, ressaltou o médico.

Já a socióloga e militante do Fórum Popular de Saúde Mental do ABCDMRR Elizabete Henna defende que é preciso investir mais na substituição do modelo dos hospitais psiquiátricos para as redes de atenção psicossocial. “Tem pessoas que moravam há tanto tempo em hospitais psiquiátricos que, por falta de estímulos, desaprenderam até a falar, a ir ao banheiro, tomar banho sozinhas. Nas residências terapêuticas eles reaprendem essas coisas básicas, voltam a ser gente”, declarou. “ O desafio é continuar avançando. Temos que seguir adiante e não voltar atrás”, concluiu. 




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