Esportes Titulo 60 anos em 60 entrevistas
‘Não merecia levar o ouro nos Jogos do Rio’
Anderson Fattori
Do Diário do Grande ABC
31/03/2018 | 07:00
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Com 9 anos você já era personagem de reportagem do Diário. Hoje, quando você revê esta imagem e faz um balanço, o que deu certo e o que deu errado na sua vida?

Com nove anos não tinha praticamente nada planejado com a ginástica. Era o início, tinha dois anos de treino, mas já trabalhava com o Marcos (Goto, seu treinador até hoje). Sabia que a coisa era séria, tinha de vir todo dia para o ginásio, treinar três horas por dia, já era rotina que virou na minha vida e persistiu até hoje.

Quando deu o estalo de que você seria um ginasta?
Acredito que com dez anos foi quando falei para minha mãe que queria levar a ginástica como profissão, como estilo de vida, queria participar da Seleção e representar o País.

Quem foi seu principal incentivador neste início?
Minha avó, porque levava ao ginásio, gastava o tempo dela, mas posso dizer que quem ajudou e me deu força foi a família. A gente sabe que, no início, até conseguir seu primeiro patrocinador, seu primeiro resultado internacional, é praticamente o clube e a família que estão do seu lado.

Há 17 anos, antes dos grandes resultados conquistados nesta década, a ginástica era desconhecida no Brasil. Como a família recebeu essa notícia de que era isso que você queria?
Foi difícil. Ninguém ouvia falar em ginástica. Era ginástica olímpica, nem artística era ainda. Minha família tem filosofia que se eu estivesse bem eles estariam também. Sempre apoiaram o esporte, não importa qual. Quando escolhi a ginástica eles apoiaram muito.

Qual foi sua primeira grande competição?
Teve um Campeonato Brasileiro, em 2000, foi meu primeiro, em Guarulhos, acabei nem precisando sair de São Paulo. Mas lembro que neste mesmo ano fizemos curso em Brasília com um técnico cubano e vou te falar que foi bem difícil. Foram duas semanas e era um perrengue. Os quartos que ficamos eram em um estádio de futebol, eram alojamentos precários, foi a primeira vez que fiquei bastante tempo fora de casa e nos últimos dias não estava aguentando, ligava para minha mãe dizendo que não queria mais, ela pedia calma. No fim agradeci que estava voltando, mas sinto saudade.

Imagino que você deve ter passado alguns apuros na carreira justamente porque a ginástica era pouco valorizada no Brasil. O que você se lembra?
Sorte que nunca fui o mais pesado do time, mas já aconteceu do Chico (Francisco Barreto) fazer a competição e estourar a argola. Aconteceu duas vezes. Fizemos séries em argolas precárias. Foram situações que enfrentamos durante nossa vida na ginástica, nunca foi fácil, mas tudo que vem fácil, vai fácil, tivemos de conquistar tudo isso e os resultados.

Quando você decidiu que iria competir nas argolas?
Sempre focamos em todos os aparelhos, mas, no curso que fiz em Brasília, no penúltimo dia, acabou o treino e só teria uma confraternização no ginásio, tinha uma argolinha do lado, pedi para me colocarem lá e fiz um cristo. Um menino viu e me incentivou a mostrar para o Marcos. Fiquei morrendo de medo de ele brigar comigo. Ele sugeriu que eu fizesse na argola oficial, fiz e todo mundo ficou olhando, até os técnicos, todos impressionados. Ali comecei a olhar com mais carinho para o aparelho. Deste momento em diante comecei a me especializar na argola.

Você tinha referência de alguém no aparelho?
Nesta época não tinha nenhuma referência. Tinha os mais antigos, como o Alexei Nemov, da ex-União Soviética, um dos poucos que ouvíamos falar. Nunca nem tinha visto a ginástica dele porque não tinha internet, essas coisas, não tinha acesso fácil.

Como vocês criavam os treinos sem ter esse conteúdo?
O Marcos sempre foi estudioso, procurava entender bastante, não só a parte técnica, como a parte fisiológica do corpo para adequar os treinos. Ele sempre foi cara de pau, chegava nas competições e, mesmo sem saber inglês, saía perguntando, pesquisando e com esse jeito foi tendo mais acesso aos movimentos, a parte técnica, e dos estudos dele tivemos todos esses resultados.

Você tem relação de mais de 20 anos com o Marcos, cresceram juntos, aprenderam, evoluíram, conquistaram, mas como é essa convivência?
Hoje é tranquila, não tem discussão, muito difícil um ficar bravo com o outro. Ele mesmo fala para eu me cobrar menos, dependendo da competição pede para ir devagar, focar em outra mais à frente. Mas já tivemos vontade de sair no tapa, um irritava muito o outro, principalmente na adolescência, mas depois a gente vê o estilo de pensamento dele, ele também me conhece e nossa relação é muito tranquila.

Você se dedicou integralmente à ginástica nestes últimos 20 anos, foram horas e mais horas de treinos. Tem algo que você faria diferente?
Não me arrependo de nada. Tudo que conseguimos foi com bastante trabalho e os resultados vieram nos momentos certos. Não mudaria nada.

Antes dos Jogos Olímpicos de 2012, o torcedor brasileiro ouvia falar das argolas bem vagamente. Você treinava no ginásio com o Marcos e seus companheiros de equipe. Com, qual expectativa você foi para Londres?
Fui para conseguir resultado que muitos atletas brasileiros estavam tentando há algum tempo, mas não tinham conseguido. Sabia que tinha chances e fui para brigar por esta possibilidade. Podia ser uma chance única e só pensava que não podia desperdiçar. Deu tudo certo.

Antes daquela medalha a ginástica brasileira sofreu alguns traumas, pois atletas com grandes possibilidades falharam no momento decisivo. Isso passou pela sua cabeça em Londres?
Naquele momento não pensei nisso. Foi uma situação chata porque estava nas mãos dos caras as medalhas e não conseguiram. Deixaram passar. Eu não iria desperdiçar. Nenhum momento fiquei pensando que podia errar, cair, sempre fui com pensamento forte, positivo, porque sabia que se eu fizesse minha parte eu traria a medalha. Era só uma série.

Quando você soube que era campeão olímpico. Quanto tempo demorou para ter a dimensão do tamanho deste título?
Posso falar que até hoje é esquisito. Não cai a ficha. Venho para o ginásio, tem vez que tem assédio na rua, pessoal para, buzina, fico me perguntando o porquê e lembro dos resultados. Mas tive dimensão quando voltei ao Brasil. Quando cheguei no aeroporto o pessoal falou que não daria para sair sem escolta, achei que era exagero, mentira, mas quando saí no desembarque era absurdo o tanto de gente, repórteres... Até com o cordão foi difícil sair e ir para o hotel no qual atendi todo mundo.

Aquele momento mudou sua vida. O Zanetti foi a Londres desconhecido e virou celebridade.
Mudou tudo. Antes de ir para Londres quem me conhecia era o pessoal do ginásio. Depois foi a cidade e o Brasil.

Você teve maturidade para aproveitar o momento e não deixar isso influenciar na sua carreira. Quem te aconselhava?
O Marcos ajudou bastante, mas isso vem de família. O cara vira campeão olímpico e para de falar com as pessoas? Nunca fiz isso. É questão de educação. Não é porque você tem um resultado que você é superior a alguém. Lógico, no aparelho, na ginástica, existe uma hierarquia, mas fora você é um ser humano como qualquer outro. Minha família sempre bateu nisso. Ninguém é melhor do que ninguém. Todo mundo está batalhando e tem de ter respeito.

Nos Jogos do Rio de Janeiro você chegou com outro status. Você estava em casa, como encarou a pressão?
O Rio foi o contrário de Londres. Antes ninguém me conhecia e lá estava todo mundo me cobrando. Não via a hora de sair de São Caetano e ir para a competição porque na Vila (Olímpica) fica mais isolado. O que eu mais ouvi na minha vida foi ‘e aí, vai trazer o ouro?’ Não aguentava mais. No Rio, na noite anterior à prova, o Marcos me mandou mensagem com ‘e aí, tranquilo?’ Eu respondi: ‘Não’. Tinha visto as medalhas do Diego (Hypolito) e do (Arthur) Nory e queria meu resultado. Ele me tranquilizou e deu certo. Fomos prata.

Você se decepcionou com esse resultado?
Nem um pouco. Recebi a medalha com orgulho. Se ganhasse o ouro não seria justo. Não fiz prova tão boa como o (grego Eleftherios) Petrounias, ele mereceu o ouro.

Como é sua relação com a imprensa?
Entendo o papel da imprensa, sei e acredito que podia ter mais espaço para a ginástica, mas de uns anos para cá estamos vendo a situação do País e sei que não é simples fazer cobertura. Tudo tem de passar pelos editores e a gente acaba entendendo que só sai mesmo na mídia quando vai ou volta de alguma competição.

Sua família tem costume de guardar as reportagens que são publicadas pelo Diário. Existe um memorial?
Minha mãe guarda tudo. Ela é acumuladora, tem tudo. Só não guarda as credenciais das competições porque já jogo fora no hotel, antes de ir embora, porque até isso ela iria guardar. Tem recorte dos jornais, matérias, tudo ela tem.

Você já ganhou tudo que é possível, mas existe algum sonho para ser realizado?
Quero sempre ajudar a equipe brasileira e participar da Olimpíada de Tóquio. Quero muito. Provavelmente será minha última e vou trabalhar para estar lá. Vai ser fantástica, tanto pela cultura do país quanto pela organização e tecnologia. Acredito que vai ser algo de outro mundo.

Além das medalhas, que legado você quer deixar?
Quero deixar a experiência de vida. Aparelhos nós temos, foi legado que conseguimos. Temos ginásio adequado também. Quero deixar minha história de vida, que os mais novos saibam que é sofrido conseguir um resultado, tem de deixar de fazer várias coisas, mas o fruto que você colhe é muito melhor, é maravilhoso.

Você está há 20 anos treinando em São Caetano, praticamente no mesmo ginásio, porque você nunca saiu da cidade mesmo com vários convites?
Aqui me sinto bem, é minha casa. Recebi propostas depois que consegui resultado. Quando estamos crescendo ninguém quer. São Caetano sempre me apoiou, nunca faltou nada aqui e me sinto bem.

Você já recebeu as maiores honrarias que um atleta brasileiro poderia receber. Qual foi a maior homenagem?
Duas foram bem legais. Uma foi a maior honraria da Aeronáutica, vários militares encerraram a carreira sem este prêmio, foi um prazer enorme. E também ser considerado o melhor atleta do Brasil (em 2012 e 2014).

Como você acha que o Diário pode ajudar a ginástica?
O jornal poderia fazer mais reportagens sobre a ginástica, quanto mais estiver na mídia, mais o pessoal vai te conhecer. Mostrar os iniciantes, mostrar que existe o trabalho desde a base. Como fui personagem com 9 anos, podem ter outros aqui que podem virar campeões olímpicos.

Arthur Zanetti e o Diário

Com 9 anos, Arthur Zanetti já chamava atenção pela desenvoltura com que superava os obstáculos nos aparelhos da ginástica, tanto que foi protagonista em reportagem publicada pelo Diário sobre as promessas das categorias de base de São Caetano. De lá para cá, ganhou os holofotes, foi campeão mundial, olímpico, pan-americano e eleito duas vezes o melhor atleta do País. Virou figura carimbada nas páginas do jornal. “O Diário acompanhou minha carreira de perto. Minha mãe sempre guarda todas as reportagens que falam de mim, tem tudo impresso em casa, um monte de coisa”, revela o ginasta.  




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