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Região tem um registro de violência sexual por dia

Entre janeiro e junho, as sete cidades receberam 186 ocorrências do tipo; número é 13,49% menor do que o de 2014

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
10/08/2015 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


O Grande ABC soma 186 casos de estupros registrados nas delegacias no primeiro semestre deste ano, conforme a SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Estado. Embora seja 13,49% menor quando comparado com o mesmo período de 2014, o número é representativo, já que significa praticamente um registro de violência sexual por dia desde janeiro.

O crime de estupro está enquadrado no artigo 213 do Código Penal. A redação diz que “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” é enquadrado no crime.

A cidade que registrou o maior número de casos foi Santo André (50), seguida de São Bernardo, com 49. Esta última observou a prisão de um suspeito, no dia 25 de julho. O homem é acusado de violentar sexualmente duas vítimas no Paço Municipal.

Diadema foi a única cidade da região que observou aumento na quantidade de ocorrências: passou de 27 para 29 (veja mais informações no gráfico abaixo). Na Capital, o número de casos no primeiro semestre foi de 1.034 e, em todo o Estado, 4.534, uma média de 25 mulheres violentadas por dia.

Conforme a delegada titular da Delegacia da Mulher de Diadema, Renata Lima Cruppi, o número é considerado alto, embora ela veja progresso na queda de registros. “Significa que estamos tendo investigações mais direcionadas e isso também impacta na identificação dos agressores. Ainda temos um número alto, mas já dá para comemorar um pouco. Já é o segundo ano que os números caem, acredito que seja uma tendência”, afirma.

Segundo a professora da Faculdade de Direito de São Bernardo e especialista em Direito Penal Célia Regina Nilander de Sousa, qualquer ato carnal que a vítima venha a fazer sobre ameaça pode configurar o crime. “Constranger alguém mediante violência ou sobre grave ameaça para a prática de atos libidinosos é estupro. Se a vítima der um beijo forçado, por exemplo, pode estar configurado nisso. Quando o ato é praticado em menores de 18 anos a pena pode chegar até 12 anos de prisão”, diz.

São classificados dois principais tipos desse crime. O primeiro é quando a vítima é abordada na rua aleatoriamente pelo criminoso e forçada a realizar o ato sexual. Os outros casos são resultantes da violência doméstica, onde mulheres são abusadas por maridos, padrastos ou até mesmo pelos pais.

“Acredito que pouco mais da metade (das ocorrências) pode ser considerada crime de violência doméstica. Um exemplo são casais que estão em conflito e o marido obriga a parceira a ter relação sexual, o que pode ser acompanhado por agressões. Nem sempre elas (vítimas) comunicam isso, porque não consideram que seja um ato criminoso”, destaca.

Outro problema, segundo a delegada, é que muitas mulheres não registram o boletim de ocorrência, seja por estarem sendo ameaçadas pelos agressores ou até mesmo por vergonha em expor a violação que sofreram.

SERVIÇO

A região dispõe de quatro Delegacias da Mulher: Santo André, São Bernardo, Mauá e Diadema.

Também há serviços de referência gratuitos para atendimento das vítimas de violência doméstica. O Vem Maria, em Santo André, está localizado na Rua João Fernandes, 118, no bairro Jardim. A Casa Beth Lobo, em Diadema, fica na Rua Renato Barbosa, 184, Centro.

 

Apoios psicológico e familiar são fundamental para recuperação

O primeiro pensamento da vítima de estupro é o de culpa. A mulher chega a repensar as roupas que estava usando ou o caminho percorrido durante a abordagem do violentador. Conforme explica a professora de Psicologia Criminal da Universidade Presbiteriana Mackenzie Lia Cristina Campos Pierson, passado o impacto inicial, o sentimento pode dar lugar à raiva, ao nojo ou à tristeza.

O abalo está relacionado com a invasão à intimidade sofrida, observa a especialista. “O sexo é algo absolutamente íntimo, que a gente não divide com qualquer pessoa. Quando analisamos o que aconteceu com essa pessoa, percebemos que o que foi ferido foi a liberdade sexual. Ela foi atacada e forçada a fazer algo que não queria”, ressalta.

As consequências psicológicas do crime vão variar de acordo com cada pessoa, revela Lia. “As reações traumáticas vão ser praticamente as mesmas, o que muda é a extensão desses quadros. Pessoas com características de mais domínio quebram esse universo psicológico, outras, mais frágeis, terão mais dificuldades. Algumas vão responder rápido ao tratamento e outras não, mas a recuperação é possível.”

Para retomar sua vida, é essencial que a mulher busque apoio psicológico e também de amigos e familiares, destaca o professor de Psicologia da Saúde e mestre em Neurociências e Comportamento da Metodista Antônio de Pádua Serafim.

 

Mãe e filhas carregam marcas da agressão

Quando Ana, 42 anos, recém- chegada do Nordeste a Diadema, começou a namorar, aos 13, com um amigo da família, não imaginava o quanto aquela escolha afetaria sua vida. Vítima de violência doméstica, ela se deixou levar pelo sentimento de vergonha e aceitou conviver com constantes agressões durante quase 30 anos. A cegueira na qual se encontrou durante esse tempo não deixou ainda com que ela enxergasse os abusos sofridos pelas duas filhas, hoje com 15 e 23 anos.

Ana revela que tentou por diversas vezes pedir ajuda. Quando recorreu à família, a resposta foi que ela estava sofrendo consequências de sua escolha. A vergonha de mostrar as marcas das agressões não a encorajava a prestar queixa. “Ele dizia que ia me matar, assim, eu não tinha coragem de fazer nada.”

A filha mais velha, Joana, só denunciou os abusos sofridos do próprio pai dois anos após a primeira abordagem. “Um dia eu fui pedir dinheiro para comprar uma camiseta e ele disse que me daria, mas só se eu tirasse a roupa e fizesse algumas coisas”, lembra em meio a lágrimas. Apesar de relatar a situação em uma carta, a mãe não acreditou na filha, após as negativas do pai. Em resposta, a menina saiu de casa e foi morar com um namorado por cerca de um ano.

Um dos motivos que fizeram Joana voltar para casa foi a preocupação com a irmã mais nova. Ela temia que o pai submetesse a caçula aos mesmos abusos. Ana trabalhava o dia inteiro, enquanto o pai ficava em casa com as meninas, já que estava desempregado. “Ele (pai) tinha brincadeiras de ficar sufocando a gente com um cobertor e, quando eu via ele fazendo isso chamava ela (irmã)”, conta Joana.

Ana só criou coragem de procurar a delegacia da mulher e denunciar sua realidade após ouvir relatos de amigas da filha mais nova e de vizinhas por terem sofrido assédio do marido. Foi nesse momento, inclusive, que a caçula revelou que também sofria abusos por parte do pai. “Muita gente me pergunta como eu não consegui perceber nada, mas ele é um psicopata. Eu me sinto horrível por tudo que ele causou às minhas filhas”, diz Ana.

Embora passe por tratamento psicológico, a família não consegue esquecer o trauma. A filha mais nova tem dificuldade de se alimentar e uma alergia de origem emocional. Ela sonha em ser médica, mas não quer se casar. “Não tenho sentimento nenhum pelo meu pai.”

Segundo Ana, o ex-marido tenta reaproximação. Por isso, a família vive com medo. “Ele fica ligando, fingindo ser técnico de internet ou mandando mensagem nas redes sociais”. O processo criminal que trata do caso corre em segredo de Justiça. O pai responde em liberdade. Todos os nomes usados são fictícios.




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