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Férias: desespero para workaholics
Cristiane Bomfim
Do Diário do Grande ABC
20/01/2007 | 20:47
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Por sete anos consecutivos, o coordenador técnico da Eletropaulo, Cláudio Pires Barbosa, 46 anos, conseguiu adiar as férias. Foi numa segunda-feira, quando o gerente o chamou para conversar, que Cláudio teve a triste notícia: “Você precisa tirar cinco dias de folga. Semana que vem não quero te ver aqui”, disse, categórico, o chefe.

O funcionário ainda tentou persuadir o gerente. Falou sobre prazos que estavam estourando e de providências que precisariam ser tomadas justamente no período de sua folga. “Ah, cinco dias é muito tempo”, resmungou.

Cláudio Pires não fuma. E também não bebe. O vício dele é o trabalho. Da hora em que acorda, até o momento de dormir, as conversas, discussões e até as piadas giram em torno de suas atividades profissionais. Pessoas que, assim como ele, priorizam a carreira e deixam de lado a família e o lazer são chamadas de workaholics – em português, viciados em trabalho.

Workaholics são, no geral, pessoas perfeccionistas, competitivas e que não sabem delegar funções por acharem que ninguém pode fazer melhor. De acordo com a médica psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Alexandrina Meleiro, cada vez mais a globalização tende a fabricar pessoas que vivem em função da empresa.

“Nos anos de 1990, os viciados em trabalho tinham entre 35 e 40 anos. Hoje, encontramos muitos jovens recém-formados que se dedicam quase integralmente à área profissional. Já é uma exigência do mercado de trabalho”, explica. E tem mais: a médica afirma ainda que cerca de 70% das pessoas nas empresas são workaholics.

Paixão pelo trabalho. É isso que distingue um viciado de trabalho de uma pessoa que está na ativa por necessidade. A psicoterapeuta Celina Sevieri, que também precisa se policiar para não viver em função do serviço, explica que “para os ‘viciados’, o que conta não é o lado financeiro, mas sim a satisfação que ele proporciona.”

Cláudio Pires é funcionário da Eletropaulo há 30 anos. Assumiu um cargo de confiança em 2000, ano em que deixou sua maior diversão de lado. “Não tinha mais tempo para apitar partidas de futebol de salão”, lamenta.

Durante a semana em que foi ‘proibido’ de pisar no escritório, ele aproveitou para colocar em dia a vida pessoal. “Tentei ocupar ao máximo meu tempo, mas o fato é que eu fico entendiado quando não estou trabalhando”, sorri. Cláudio conta que durante a folga ligou todos os dias para escritório só para saber se estava tudo bem. “Me proibiram de ir até lá, não de ligar”, brinca.

Enquanto o coordenador se descabelava por não ter nada para fazer, o dentista José Luiz Vó, 42 anos, trabalhava incansavelmente. Desde o dia em que concluiu a faculdade, há 18 anos, ele não sabe o que é férias. A rotina de casa para o trabalho e do trabalho para casa nunca muda. Por dia, são cerca de 13 horas atendendo pacientes. A última vez que foi ao cinema foi em 2000. Na praia ele não vai desde 1987.

“Sei que trabalho demais e deixo de fazer muitas coisas por priorizar minha carreira. Mas não gosto de baladas, estou acostumado a dormir cedo e quando não estou no consultório prefiro a minha casa”, conta.

José Luiz acredita que a mania de trabalhar pode ser hereditária, já que seus pais sempre trabalharam muito, mas não desconsidera a hipótese de usar o serviço para fugir do convívio social. “Não consigo sair de casa. Chego até a me arrumar, mas na hora ‘H’, desisto. Me sinto diferente das outras pessoas”, confidencia.

“Os mais prejudicados com este vício não são os trabalhadores compulsivos, mas sim a família e os amigos deles”, conta Alexandrina. De acordo com a médica é comum workaholics abrirem mão de eventos familiares por causa do trabalho. “Eles se distanciam e devem ficar atentos para que o excesso de preocupação com a carreira não vire doença”, alerta a médica.




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