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Trânsito mata um a cada três dias
Por Gabriel Batista
Do Diário do Grande ABC
20/03/2005 | 12:10
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O trânsito do Grande ABC mata uma pessoa a cada três dias. Com base no total de registros da polícia em 2004, o balanço também aponta ocorrência de um acidente a cada 20 minutos na região – ou 89 colisões por dia. O aumento é de 10,5% no número de acidentes e 52,6% no de vítimas fatais em comparação a 2003. A maioria das prefeituras atribui o problema ao crescimento da frota nas sete cidades. Mas a alegação não é válida se levada em conta a redução de acidentes entre 1997 e 2000, período em que o volume de carros mais aumentou na região.

Nada menos que metade das mortes no trânsito de toda a região ocorreu em Santo André. Foram 58 em 2004, e a cidade não possui a maior frota da região – ranking liderado por São Bernardo. Qual a explicação, então, para a selvageria das ruas de Santo André? “O trânsito é dinâmico e as pessoas procuram a todo momento novos caminhos, seja para fugir do fluxo ou dos radares”, diz a secretária de Serviços Municipais de Santo André, Miriam Mos Blois.

Miriam considera culpados os motoristas que se envolvem em acidentes. “É um problema de consciência do motorista, que tenta escapar do alcance dos radares.” Para o especialista em engenharia de tráfego da Unicamp (Universidade de Campinas), Carlos Alberto Bandeira Guimarães, “o condutor só vai procurar um atalho se representar vantagem”. “Duvido que ele sairá de uma via expressa para entrar numa viela de bairro”, diz.

O especialista admite que o crescimento da frota tumultua o trânsito urbano, mas responsabiliza as administrações municipais pelo alto índice de acidentes. “As prefeituras têm de acordar logo e investir de forma coordenada em fiscalização, engenharia de tráfego e educação para motoristas. Caso contrário, a tendência é mesmo piorar.”

A secretária municipal de Santo André, Miriam Blois, afirma que a meta deste ano é voltar ao número de colisões de 2003, 9,8% menor que em 2004. Como todas as outras cidades da região, ela pretende investir mais em sinalização, semáforos, faixas de pedestres. Miriam também espalhará em cinco anos mais dez radares pela cidade, hoje com 20 unidades. A secretária faz mistério quanto aos pontos escolhidos. As avenidas Dom Pedro II e dos Estados são as campeãs em acidentes na cidade.

São Bernardo – Para resumir a alegação a que recorrem os poderes executivos, cabe aqui a declaração metafórica do diretor do Departamento de Tráfego de São Bernardo, Carlos Caoru: “O trânsito é como um recipiente cheio, que transborda com a última gota.”

Caoru, no entanto, admitiu não saber a real causa do aumento de acidentes na cidade, que saltou 12,3% no ano passado – acima da média regional. Ele espera o resultado de um levantamento previsto para julho e acusou a famosa combinação bebida-imprudência. Em São Bernardo, as avenidas Senador Vergueiro e Brigadeiro Faria Lima figuram entre as principais detentoras de acidentes e atropelamentos.

Carlos Alberto Bandeira Guimarães, especialista em engenharia de tráfego, defende que uma fiscalização eficiente conta principalmente com agentes municipais de trânsito e policiamento. Bate na tecla da remodelação viária, com duplicação de vias e mais semáforos, e campanhas permanentes contra direção perigosa direcionada aos motoristas de hoje. Além de propagandas que informem o risco de dirigir alcoolizado ou em alta velocidade.

A declaração de Guimarães é reforçada pelos bombeiros da região, que observam esse impacto quando atendem aos acidentados no trânsito. “O Grande ABC precisa de mais gente para trabalhar na fiscalização do trânsito, isso que vai melhorar a situação”, afirma o tenente Marcelo Alexandre Cicereli, do 8º Grupamento de Bombeiros, que atende toda a região. Nenhuma administração municipal apresentou plano concreto para elevar o total de fiscais de infrações viárias.

O Código de Trânsito Brasileiro prevê a possibilidade de convênio entre polícia e prefeituras para atuar na fiscalização. Consiste em ceder soldados da Polícia Militar para a função, que recebem viaturas e uniformes da administração pública. Esse contrato é firmado nas cidades de São Caetano, Santo André e Mauá. São Bernardo teve o acordo vencido em 7 de fevereiro. As prefeituras de Rio Grande da Serra e Diadema afirmam ter interesse, mas ainda não iniciaram negociação com a polícia.

Os dados da polícia sobre acidentes contam o número de mortos no local do acidente e poucas horas depois, no hospital. Não acompanha a evolução do quadro clínico do paciente. Significa que os números de mortos vítimas de acidentes nas cidades da região é ainda maior. Mas, mesmo assim, é uma mostra estatística confiável. Esse levantamento revela que, em 2004, o vaivém desenfreado nas ruas do Grande ABC encerrou pelo menos 116 vidas e formalizou 32.572 acidentes em boletins de ocorrência.

Os municípios ainda não dispõem de dados próprios sobre as ocorrências do ano passado. São Caetano, Ribeirão Pires e Mauá não fazem sequer esse tipo de levantamento, conforme informado pelas assessorias de imprensa das três cidades. As administrações de Mauá e Ribeirão dão como desculpa terem herdado as prefeituras sem banco de dados.

Exceto no caso de Rio Grande da Serra, todas as outras cidades têm programas de educação no trânsito voltados a crianças em escolas públicas. Mas praticamente não atingem o público adulto, ou seja, os condutores. Quando existem, essas campanhas se restringem a um sábado em que os pais visitam a escola do filho ou incorporam políticas sazonais.

Diadema – Em Diadema, por exemplo, a administração municipal só distribui panfletos alertando os motoristas na semana do trânsito, em setembro. “Mas estudamos estender a campanha a outros meses”, garante o diretor de Trânsito da Secretaria de Transportes de Diadema, José Eduardo Rosário dos Santos.

Se essa e outras campanhas fossem intensificadas e aplicadas antes, provavelmente muitos acidentes e mortes teriam sido evitados. Diadema registrou no ano passado uma colisão a cada 26 carros, o pior índice proporcional da região.

Rio Grande da Serra não tem semáforo nem programas de educação para o trânsito. O secretário de Comunicação da cidade, Carlos Eduardo da Silva, concedeu entrevista à reportagem e não soube explicar o que o município faz com a arrecadação de multas, que deve obrigatoriamente ser revertida em projetos de prevenção e melhorias no trânsito. A cidade registrou alta de 52,3% no índice de acidentes.

Os números de cidades como Diadema e as outras do Grande ABC são traduzidos pelo cotidiano da cabeleireira Maria Helena Lucente Campos, 51 anos. Da sacada do sobrado em que vive, ela observa o conglomerado de carros que partem de todos os lados.

“São, no mínimo, dois acidentes por semana”, conta nos dedos Maria. A cabeleireira se refere ao cruzamento das avenidas Fábio Eduardo Ramos Esquível e Prestes Maia, o principal ponto de acidentes em Diadema, a 50 m de sua casa. “Geralmente sou eu que chamo o resgate”, afirma.

São Caetano – No conjunto de explicações apresentadas pelos responsáveis sobre o assunto, há quem culpe motoristas de outras cidades pelo problema caseiro, como é o caso do secretário de Trânsito e Vias Públicas de São Caetano, Geová Maria Faria. Ele afirma que a frota do município, oficialmente em 119 mil carros, chega a 200 mil veículos no dia-a-dia, com o tráfego de automóveis de outras cidades.

“Verificamos que 70% dos acidentes aqui em São Caetano são provocados por motoristas de fora”, diz Faria. Na semana passada, entretanto, ocorreu exatamente o contrário. Uma picape Ranger de São Caetano invadiu a pista contrária na avenida Guido Aliberti, no Jardim São Caetano, e matou uma mulher de 56 anos moradora de São Bernardo. A Guido Aliberti é recordista em acidentes fatais em São Caetano.

Como mudança significativa no sistema viário a longo prazo, São Bernardo aposta em um projeto de 2002. A proposta prevê construção de minianéis viários dentro do município, para ligar uma via expressa a outra e desafogar o trânsito. Para isso, a cidade, dona do maior orçamento da região (R$ 1,3 bilhão), assinou empréstimo de R$ 100 milhões com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), ainda não liberados. “Vai levar uns dois anos para o projeto ter início”, avalia o diretor Carlos Caoru.

Atropelamentos – Mauá foi a única cidade que registrou queda no número de acidentes em 2004, com redução de 1,1% nos acidentes e de 11 para 8 óbitos. Mas a cidade detém o pior registro proporcional de atropelamentos, com um caso para cada 300 carros. Segundo o tenente Marcelo Alexandre Cicereli, do 8º GB, a maioria dos atropelamentos ocorre em ruas tranqüilas de bairros residenciais. “É onde geralmente o descuido do pedestre coincide com a distração do motorista. Em vias expressas, casos de atropelamentos quase sempre resultam em morte.”

O diretor de Trânsito da Secretaria de Serviços Urbanos de Mauá, Ivo Damo, pretende combater o alto índice de atropelamentos com redutores, pequenos obstáculos colocados em seqüência que fazem barulho quando um veículo passa em alta velocidade. Vale lembrar que a avaliação de Damo para desenvolver projeto de redução de acidentes não tem dados anteriores ou atuais para comparação. As principais vítimas de atropelamento são crianças e idosos, de acordo com os bombeiros.



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