Setecidades Titulo No fio da Covid
A dor da saudade
do Diário do Grande ABC
05/04/2021 | 00:01
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Com a Covid é assim mesmo. A dor e o desespero só não são maiores que a saudade que o publicitário Fabrício Gomes de França, 43 anos, sente da mãe e da avó, que morreram com uma diferença de 13 dias, um pouco antes do Natal do ano passado. 

Fabrício lembra o exemplo que teve da mãe, Marilei, uma mulher forte, cheia de energia positiva, decidida a fazer as coisas andarem para a frente. Ele acha que herdou essas qualidades dela e queria muito que a filha de apenas 6 anos pudesse também se espelhar na avó. 

Não deu. Dona Carolina Peres, 95 anos, foi diagnosticada com pneumonia na terceira internação que enfrentou no ano passado. Os médicos pediram que os quatro filhos se revezassem para ficar com ela no quarto, para ajudar nos cuidados. Pois todos eles contraíram o novo coronavírus e precisaram ser internados também.

A mãe de Fabrício era um desses irmãos. Tinha apenas 73 anos, fazia esportes, adorava dançar e não resistiu. 

“É uma perda que, infelizmente, muitos brasileiros estão sentindo, é uma experiência muito dolorida”, comenta Fabrício Gomes de França, lembrando que a doença evolui muito rapidamente. As pessoas que ficam dificilmente estão preparadas para uma perda tão dolorosa, até porque não conseguem acompanhar o doente, que fica totalmente isolado, e nem podem fazer um velório para se despedir.

“Tenho minhas crenças, o que facilita para enfrentar”, conta Fabrício. “Penso que seria pior se ficasse questionando muito, perguntando ‘por que ela?’, essas coisas. Acho que não tem uma explicação racional.”

Mas a dor da perda é incomensurável. “Todos os dias”, reflete o publicitário, para reconhecer que é preciso resistir e pensar no futuro. “Elas não gostariam que a gente estivesse muito triste, parando a vida, sem esperança. A gente não pode ser dominado por isso”, diz, referindo-se à mãe e à avó.

VÍRUS MATOU VEREADORA

As histórias tristes se repetem. Foi assim também com a vereadora andreense Marilda Brandão, que chegou a conviver com o próprio filho no hospital de campanha do Complexo Esportivo Pedro Dell’Antonia, em Santo André. O filho Edilson Bruno de Moura Brandão, o Nino Brandão Filho, pegara a doença pela segunda vez, ficou muito debilitado, mas conseguiu se recuperar. A mãe, não. 

Edilson Lessa Brandão, marido da Marilda, também foi contaminado, recuperou-se e hoje só chora pela perda da mulher com quem estava casado havia 32 anos. “Uma mulher de muita luta, que sempre pensou no próximo; nunca a vi dizer ‘não’ a alguém. Às vezes ela estava dormindo, mas levantava da cama para abrir o portão. Dizia que se a pessoa havia chegado até ela, é porque Deus mandou. ‘Então eu vou resolver.’ Ela sempre colocou Deus na frente.”

“Perdi uma grande guerreira”, lamenta o viúvo, amparado no filho, que conta que já estava internado pela segunda vez quando o chamaram para encontrar alguém dentro do próprio hospital. “Era minha mãe. Eu desabei. ‘Mãe, a senhora aqui?!’” Como ele estivesse melhorando e a mãe não respondia aos medicamentos, Nino costumava ir até o leito dela para ajudá-la a comer. “Eu tive o privilégio de ter esses momentos com minha mãe, os últimos momentos dela”, lembra, angustiado por ter recebido alta e deixado Marilda no hospital. 

“Eu não podia ficar, vi cada coisa lá que não queria ver; estou com o psicológico abalado. Foi a pior sensação da minha vida.” Ao deixar o hospital de campanha, Nino lembra ter beijado a testa da mãe, dado mais um abraço apertado e dizer: “Mãe, a senhora vai sair dessa. Seja forte”. Mas nem tudo corre do jeito que a gente gostaria quando o inimigo é esse vírus letal e ainda pouco conhecido. Não há consolo possível.

REAL E PERIGOSO

Na família de Lilian de Souza Luiz também há muita dor por causa da doença. Em poucos meses, foram seis casos de Covid. Uma tia ficou 12 dias internada; a filha tivera alta na semana anterior, quase ao mesmo tempo em que outra prima fora internada porque teve recaída da doença. O tio já havia morrido havia quatro meses.

“É dolorido, né? Muito triste. E ainda tem gente que brinca, pensa que não é de verdade; mas é real e muito perigoso”, ensina a mãe de dois filhos pequenos, que tem medo de pegar a doença e não resistir por ter pressão alta. “Quem ia cuidar deles?”

“A gente vê que tem muitos jovens, adolescentes, que não querem nem saber da saúde do pai, da mãe, dos avós, dos tios.” Por isso, Lilian está em casa há um ano – é monitora de transporte escolar. “Graças a Deus, até hoje Deus está nos sustentando. E me dando forças. Meu marido trabalha fora e eu fico em casa, cuidando da casa.” Apesar disso, ela mesma já ajudou muitas famílias, pedindo e distribuindo doações. 

“Nunca vi ninguém morrendo de fome, mas de Covid, sim.” A frase é forte, mas faz sentido na boca de Lilian, que conta que tem amigos que se negam a maiores cuidados porque precisam sair para trabalhar. Segundo ela, justificam com um “tomara que não pegue porque não posso parar”.

Fabrício Gomes de França também tem um recado para as pessoas que ainda não entenderam a gravidade do momento. “Espero que elas não entendam da pior forma, que é perdendo alguém querido. Ninguém, absolutamente ninguém, está imune. E a dor não é explicável, infelizmente.” 

Diante de tanto sofrimento e incompreensões, o publicitário avalia que o momento é propício a reflexões. “A gente precisa tirar as melhores lições de tudo o que estamos vivendo. E uma lição que está muito clara é que a gente precisa, em sociedade, ter mais respeito um pelo outro. Nas opiniões, nos pontos de vista.” Tomara. 

Nino Brandão também chora para fazer um alerta: “Essa doença não é brincadeira. Temos mais de 300 mil mortos. Com os que morreram, morreram sonhos, morreram famílias. Eu vi minha mãe indo embora por causa dessa doença. Gente, tem que se prevenir”. 

Ao lado do filho, Nenê Brandão também cita o enorme número de mortos para lembrar que em dezembro passado viu “muita gente” criticar a administração pública “porque tinha poucos pacientes” no hospital de campanha no Pedro Dell’Antonia. “Quero ver se alguém critica agora. O parente de quem criticou pode até estar lá no hospital.”




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