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Covid interrompe 2.000 vidas no Grande ABC

São duas mortes por dia, em média, desde o primeiro registro, em
25 de março; doença mata sete vez mais do que os crimes violentos

Anderson Fattori
Do Diário do Grande ABC
20/08/2020 | 00:01
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O Grande ABC alcançou ontem uma das marcas mais tristes da sua história. Com os 21 óbitos registrados pelas sete prefeituras nas últimas 24 horas, agora são 2.006 vítimas fatais da Covid-19 desde a primeira perda, computada no dia 25 de março, portanto, há 148 dias. A doença avassaladora mata, em média, uma pessoa a cada duas horas na região, letalidade sete vezes maior do que todos os casos de homicídio e latrocínio (roubo seguido de morte), tanto doloso (quando há intenção de matar) quanto culposo, que tiraram 289 vidas em todo ano de 2019.

São tantas mortes que, certamente, grande parte dos moradores da região já ouviu falar de alguém que perdeu a luta para a doença. A frieza dos números, muitas vezes, não permite dimensionar o tamanho da tragédia, mas basta olhar ao lado e perceber que por trás das estatísticas existem sonhos que foram drasticamente interrompidos, famílias que foram dilaceradas, sete delas, uma de cada cidade, expostas nestas páginas, como forma de representar cada luta perdida nos leitos dos hospitais da região nos último cinco meses.

A psicóloga Fernanda Rezende, que se especializou em atender pessoas que perderam familiares ou amigos, avalia que a pandemia trouxe cenário inimaginável e o desafio de superar uma morte por Covid é ainda maior. “Estamos vivendo algo sem precedentes. É preciso ter um manejo todo especial com os enlutados. A pandemia mostra que todos estamos ameaçados e não é só a sensação da perda do ente querido, mas o medo de quem ficou se contaminar”, comenta. “Outro detalhe é que os ritos de passagens foram abreviados. Momento importante para a elaboração do que é real e do que é imaginário. Em muitos casos existe a ocultação do cadáver e fica até difícil mensurar o desdobramento (emocional) disso”, acrescentou.

A cidade do Grande ABC com o maior número de óbitos é São Bernardo, com 717, seguida de Santo André (444), Diadema (363), Mauá (245), São Caetano (155), Ribeirão Pires (63) e Rio Grande da Serra (19). 

A velocidade das mortes impressiona. O Grande ABC demorou 90 dias para acumular 1.000 mortes, marca registrada dia 23 de junho, e outros 57 para dobrar o número. Gestora do curso de biomedicina da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Adriana de Brito havia dito na ocasião da 1.000ª morte que a região poderia conter a elevação do número se conseguisse acompanhar e isolar os infectados, mas a marca atual mostra que as prefeituras não conseguiram êxito nas ações.

Com média atual de 14 mortes por dia, a especialista projeta outra marca importante se suas recomendações e dos principais especialistas em saúde do mundo não forem cumpridas. “Se a média se mantiver em 14 mortes por dia, a previsão é atingir a marca 3.000 óbitos em novembro. Porém, se houver diminuição de casos decorrente do melhor diagnóstico clínico, melhoria nos testes laboratoriais, realização de testagem em massa da população, distanciamento e não ter contato com pessoas doentes, o número de mortes pode ser menor”, comenta Adriana.

Em relação aos infectados, foram mais 393 diagnósticos ontem, com total de 50.904 na região. São Bernardo lidera, com 23.059, seguida de Santo André (13.859), Diadema (6.803), São Caetano (2.983), Mauá (2.914), Ribeirão Pires (865) e Rio Grande da Serra (421).

ESPECIAL

Entre as trajetórias das vítimas da doença, sete estão nestas páginas e também na minissérie Vidas: Histórias que a Covid Mudou no Grande ABC, produção da DGABC TV. Em cada um dos sete episódios – o primeiro já está disponível e os demais serão divulgados nos próximos dias –, jornalistas do Diário descrevem quem foram Sérgio, Cleonice, Ariel, Wilson, Mauro, José e Basilia. Utilize o QR Code à esquerda para ter acesso ao primeiro capítulo, sobre Sérgio, de Santo André.

Um cristão que viveu para cuidar do próximo

ALINE MELO
Do Diário do Grande ABC

Sérgio Soares era borracheiro aposentado e tinha 67 anos. Nasceu e viveu em Santo André, cidade onde se casou (com Marli), teve três filhos (Vanessa, Daniel e Thiago) e três netos (Joaquim, Benjamin e Lucca). Cristão, frequentava a Igreja Presbiteriana Betsaida e, além de integrante, foi funcionário entre 2007 e 2014. O que ele gostava mesmo era de cuidar. 

Cuidou da mulher, dos filhos, dos irmãos, da família e dos vizinhos. Teve uma vizinha que por muitos anos enfrentou um câncer e era Sérgio quem a levava ao médico. Durante muito tempo sustentou a própria família e a casa de sua mãe.

Honesto, não admitia corrupção. Um dia, indo de carro com a família para o Mato Grosso do Sul, foi parado por policial rodoviário e informado que havia superado o limite de velocidade. O guarda disse que seria resolvido com “cafezinho”. “Pois faço questão que o senhor me multe”, ele disse. Sem jeito, o guarda não o multou e todos seguiram viagem.

Quando chegaram os netos, sua generosidade e disponibilidade ficaram mais latentes. Era ele quem fazia os consertos na casa dos filhos, já casados, ajudava levando e buscando as crianças na escola ou ficando com elas em casa.

Os amigos, os familiares, os irmãos da igreja, tantos deles têm histórias para contar, de momentos em que foram ajudados pelo ‘seu Sergio’. A jornalista Vanessa Soares, 35, e nossa colega de Diário, é uma dos três filhos. Lembra que na infância o pai passava pouco tempo em casa, sempre trabalhando duro para ofertar o que havia de melhor. 

Em abril, Sérgio perdeu um tio e foi ao seu enterro. Não havia confirmação de que o óbito estava relacionado com a Covid-19 e, após o sepultamento, passou na casa da tia para último abraço. A tia e os primos estavam contaminados e ele também pegou a doença. Em cinco dias com os sintomas, Sérgio foi ao médico três vezes. O cansaço era forte ao ponto de ele deixar de comer para poder dormir. Um pouco debilitado, sofreu queda e foi socorrido ao hospital.

Tomografia mostrou 50% dos pulmões comprometidos, foi internado e, dois dias depois, entubado. Sérgio faleceu em 23 de maio. Para a família, deixou o exemplo de retidão. “O que mais marcou a mim e aos meus irmãos foi a imagem de homem íntegro”, diz Vanessa. “Ele sempre falou para a gente fazer o que era certo, porque isso voltava para gente. E, depois da sua morte, pudemos ver que as pessoas que o conheciam tinham a mesma imagem dele”, completou.

Verdadeira militante, apaixonada pelas causas sociais

BIA MOÇO
Do Diário do Grande ABC

Cleonice Antônia da Silva, 68 anos, ainda era ligada às causas sociais e acreditava na política partidária como ferramenta de transformação social. Como verdadeira militante, para ela não tinha tempo ruim, sobretudo quando o assunto era lutar pelos direitos da população de São Bernardo, onde se abrigou em 1969, quando veio de Santo Antônio de Lisboa, no Piauí. 

Apaixonada por flores, cores e alegria, Cleonice carregava consigo largo sorriso e estava sempre disposta a ajudar o próximo. Trabalhadora, dedicou a vida à família e à política, mesmo que nos bastidores.

Um ano depois de Cleonice chegar em São Bernardo, Manoel Inácio da Silva, o Mané Piauí, 71, veio atrás de seu “grande amor”. No dia 15 de dezembro de 1976 eles se casaram e passaram juntos 44 anos “de muita alegria”, como ele mesmo descreveu. O casal teve três filhas (Lucrécia, 43, Luana, 37, e Lucélia, 34) e o netinho Fernando, 2, que era o xodó da vovó.

Filha de sanfoneiro, Cleonice tinha como diversão preferida um rasta-pé. A piauiense, que levava São Bernardo no coração, adorava festas e divertia a todos que estavam por perto. Se fosse no forró, então, colocava todo mundo para dançar. O que ela não gostava mesmo era de ver tristeza por perto.

No dia 18 de março, Cleonice começou a se sentir mal e foi ao hospital. Após exames, foi diagnosticada com gripe e enviada para casa para tratar da doença com xarope. Passados 13 dias e com os sintomas agravados, retornou à unidade de saúde e, após tomografia, nunca mais voltou para casa. No dia 1º de abril, às 6h, Cleonice foi diagnosticada com Covid-19 e internada, já com a necessidade do uso de oxigênio para conseguir respirar. Dois dias depois, foi entubada e, no dia 24, perdeu a luta para a doença.

“Vem o dia, passa o Sol. Vem a noite, passa a Lua. Passa o mês e passa o ano, e a saudade continua”, disse Mané Piauí, ao faltar palavras para homenagear a amada.

Manoel, duas de suas filhas e o neto também foram acometidos pelo vírus, porém, não tiveram a doença de forma grave. “Eu a vi saindo de casa naquela manhã e foi a última vez em que olhei nos olhos dela. Dói muito essa perda, a Cleonice me faz falta o tempo todo”, disse Mané Piauí. 

O marido, apaixonado, acredita que Cleonice deixa como legado força e luta, o que fez durante toda a sua vida, seja pelos companheiros partidários, pela família ou pela vida. “Temos de crer em Deus, ter coragem e acreditar que isso vai passar”, finalizou.

Comerciante deixa grande legado dos ensinamentos da vida

YASMIN ASSAGRA
Do Diário do Grande ABC

No dia 26 de agosto, Ariel Rodrigues completaria 80 anos. Porém, a data será comemorada apenas pela família, com grandes lembranças do aposentado, que teve a vida interrompida pela Covid-19.

Morador de São Caetano desde a infância, Ariel possuía bagagens profissional e pessoal com a integridade de alguém que amava o que fazia. Após 30 anos como funcionário de uma indústria, o aposentado se viu no momento de abrir algo por conta própria e criou a lavanderia White House, localizada no bairro Barcelona. Foi ali que ele ampliou seu legado de ensinamentos para além do ciclo familiar, envolvendo também clientes e amigos. 

“Pensamos que tudo o que ele deixou para nós foi em como transformar todos em pessoas melhores e no que podemos fazer para sempre ajudar ao próximo”, recorda a filha e herdeira da lavanderia, Simone Rodrigues, 49. 

Ariel deixa duas filhas (Simone e Denise) e dois netos (Lucas e Vitor Matheus), além de sua mulher, a também aposentada Olinda Vieira Rodrigues, 77. 

“Logo no início da pandemia, meu pai também subestimou a doença, mas em nenhum minuto ele deixou de pensar em mamãe (<CF51>Olinda</CF>) e me pediu que cuidasse dela. Parecia que ele já sabia que tinha algo de errado e não estava bem”, lamenta Simone, que tem a ajuda do marido, Antônio Luiz, 60, no comando da lavanderia. 

Na família, dona Olinda foi quem sentiu os sintomas da Covid-19 primeiro, seguida de Ariel, que era diabético. Dia 9 de junho, o aposentado testou positivo para doença e desde então seu estado de saúde piorou. “Procuramos a rede privada para seu tratamento, pois a saturação estava muito baixa. Mamãe ficou bem, mas meu pai só foi piorando. Na sexta-feira (dia 13) ele já não tinha mais o paladar e, no sábado (14), internou, mas precisou ser transferido para outra unidade de saúde. De sábado para domingo, ele teve a parada cardíaca (que foi fatal)”, lembra a filha. 

Ariel, formado em direito e contabilidade, adorava trabalhar com o público e “jamais fazia corpo mole” quando o assunto era trabalho. “Uma pessoa maravilhosa. Ele sempre dizia que, quando morresse, não queria sofrer e Deus fez esse favor a ele, pois tudo foi tão rápido que ele descansou”, reforça Simone.

Apaixonado por viagem, o morador de São Caetano deixa saudade aos familiares e clientes. “Daqui para frente, vamos continuar sua história”, finaliza a filha. 

Aficionado pelo Santos e violeiro das multidões

ALINE MELO
Do Diário do Grande ABC

Wilson Nunes da Silva tinha 70 anos e era inspetor de qualidade aposentado. Nascido em Conceição das Alagoas, em Minas Gerais, morava em Diadema havia mais de 50 anos. Casou-se duas vezes e teve quatro filhos: três da primeira núpcias (Anderson, William e Felipe) e a caçula (Adriana), do coração, com a segunda mulher (Luciene). Teve também cinco netos (Lunna, Mariana, Manoela, Lorenzo e Luiza), os dois últimos um casal de gêmeos, que ainda não completaram 1 ano. 

Criou os primeiros filhos sozinho, foi pai e mãe, contou o filho Felipe Nunes da Silva, 32, pintor automotivo. Pai e filho partilhavam uma de suas paixões: a viola. No grupo de violeiros da cidade, se apresentavam em festas e eventos. Santista, como era conhecido pelos amigos, era um violeiro das multidões.

Com os meninos pequenos e para dar conta de tudo sozinho, trabalhava noite e dia. Os filhos ficavam com parentes ou com os inquilinos do quintal, mas o que faltava em presença era compensado em carinho. “Ele tinha aquele jeitão matuto, mineiro bravo, mas sempre foi amoroso”, afirmou o filho.

A oficina de pintura automotiva de Felipe era perto de sua casa – o filho, agora adulto, ainda morava com ele – e era Santista quem fazia o almoço e ralhava com o rapaz se não fosse comer em casa. Além de tudo, era exímio cozinheiro e sua galinhada deixou saudades. Como avô, recuperou com os netos a convivência que a rotina corrida não permitiu com os filhos. Sonhava em ver os dois mais novos começarem a andar. Tinha especial proximidade com Lorenzo, o único menino entre os cinco, que todos diziam, era a cara do vovô.

Apaixonado pelo Santos – daí o apelido Santista –, também não perdia um jogo do Água Santa, o clube do cidade. Mas era com a viola nas mãos que ele era feliz. Conseguiu dividir o prazer de tocar o instrumento com o filho Felipe e os dois se apresentaram diversas vezes. 

Diabético, tendo sido submetido a uma cirurgia cardíaca e com a pressão alta, Santista estava no grupo de risco para a Covid-19. Quando procurou o médico, em 23 de maio, por causa de uma tosse persistente, achou que fosse apenas alguma reação à vacina contra a gripe. Três dias depois, já abatido, foi levado ao hospital, onde ficou internado e não saiu mais. Faleceu no dia 6 de junho.

O filho exaltou o legado de um homem honesto, benquisto por todos. “Estava sempre feliz, não tem uma pessoa aqui na vizinhança que não comente que ele vai deixar saudades. Era muito querido por todos, um orgulho para nossa família. O eterno Santista”, concluiu.

Sonhador, Mauro amava a vida e as pessoas

FLAVIA KUROTORI
Do Diário do Grande ABC

Morador de Mauá, o segurança Mauro Rocha de Macedo, 40 anos, amava viver. Apreciava cada momento em família, entre amigos e sair de casa para experimentar comida diferente. Descrito como pessoa maravilhosa, vivia sob os mandamentos de Deus e, sempre amando ao próximo, trabalhava para ajudar e melhorar a sociedade.

Mauro tinha muitos sonhos, dos quais cumpria pouco a pouco com a mulher, Ângela, 40, e a filha Fernanda, 19, como voar de balão, ao qual realizou há alguns anos. Ele lutava com a família para alcançar outros desejos, entre eles, comprar a casa própria. Ver a neve era outro desejo, cuja meta era para ter sido alcançada em junho, quando o casal comemorou 20 anos de casamento.

‘Sintonia’ é a palavra para descrever seu relacionamento com a filha, que ele fazia questão de orientar a cada dificuldade. Inclusive, um dos maiores sonhos era ver Fernanda se formar na faculdade, se casar e constituir família. Segundo Ângela, “eles se davam muito bem, tinham os mesmos pensamentos, conversavam muito sobre tudo”.

Mauro trabalhava como segurança em hospital da Capital. No dia 10 de maio, após sentir desconforto no peito, procurou o médico, que disse que poderia ser alergia. Ele voltou para casa, mas, no turno seguinte, sentiu falta de ar e, no próprio hospital onde atuava, passou por tomografia, que detectou pneumonia causada pela Covid-19.

Desde então, ficou internado e, após 15 dias, precisou ser entubado em razão de complicações. No dia 24 de junho, após apresentar melhora, foi desentubado e conversou com a família por telefone. “Dissemos que estávamos bem, minha filha contou que tirou dez em trabalho da faculdade e que estava se esforçando. Ele disse que também estava se esforçando”, lembrou Ângela.

Após o contato com a família, Mauro voltou a passar mal e precisou ser entubado novamente. O quadro complicou e ele teve trombose, embolia, uma parada cardíaca e insuficiência renal. Ele morreu em 29 de junho, dia que comemoraria duas décadas de casamento. “O maior sonho dele era voltar para casa.”

Para contar histórias sobre a vida dele e de amigos seguranças, Mauro escreveu o livro Segurança Para Todos. O lançamento estava planejado para este ano. A mulher vai publicar a obra, acrescentando sobre a luta de Mauro contra a Covid. “Ele sempre teve o sonho de ser escritor, queria publicar este e escrever outro sobre a vida dele, sobre nossa vida”, contou a mulher. “Estou sendo pai, estou sendo mãe e tendo que lidar com tudo. O Mauro era tudo para mim, ele era a minha base”, concluiu.

Uma vida destinada aos compromissos com seus fiéis 

YASMIN ASSAGRA
Do Diário do Grande ABC

Quem reside em Ribeirão Pires certamente já ouviu falar da Paróquia Sant’Anna. A figura principal do espaço religioso era o padre José Raschele, 98 anos. Ele nasceu em 1923, na cidade de Merano, na Itália, e teve passagens por Suíça, Alemanha, Argentina e, por fim, Brasil. Em 1965, o padre chegou ao Grande ABC e, dois anos depois, se instalou em Ribeirão Pires, assumindo a paróquia no bairro Santana, onde traçou boa parte da sua história atuando como pároco, por 43 anos. 

Entre batizados, casamentos e enterros, Raschele ficou conhecido e deixou saudades entre amigos e companheiros de paróquia, como é o caso da diretora de escola Maria Angélica Constante dos Reis, 48 anos, que trabalhou por 39 anos ao lado do pároco. “Em 1981 fiz minha primeira comunhão na paróquia e fiquei por lá. Eu me lembro do grupo de jovens, no qual o padre José não deixava de participar e sempre estava lá dizendo para termos força, coragem e pés no chão”, lembra Angélica. 

Ainda na paróquia, Angélica conheceu seu marido, o autônomo Jerson dos Reis, 50. Casaram-se “pelas mãos dele (Raschele)” e acompanhavam o pároco nas missas. O casal chegou a participar de até oito missas de domingo ao seu lado. “Cada Celebração era única. Ele fazia com tanto amor que a presença de Cristo sempre estava junto dele, sempre foi muito ativo, tanto que estávamos animados à espera de comemorar seus 100 anos”, detalha Angélica. 

Com problemas respiratórios provenientes da contaminação pelo coronavírus, o padre Raschele deu entrada no Hospital de Ribeirão Pires em 7 de julho, ficou 25 dias internado e faleceu no dia 31 de julho, devido às complicações do seu quadro clínico. Dias antes do seu falecimento, a paróquia Sant’Anna notificou ainda que o padre estava em processo de hemodiálise – procedimento que auxilia na filtragem do sangue devido aos problemas nos rins. 

Sem os velórios para o adeus por causa da pandemia, padre Raschele recebeu homenagens em forma de cortejo de despedida, que saiu da Câmara Municipal de Ribeirão Pires com destino à Paróquia Sant’Anna. Os fiéis acompanharam a passagem do corpo por toda a Avenida Francisco Monteiro. 

“Ele era um verdadeiro pai, que me ajudou durante toda minha vida. Daqui para frente será muito difícil e talvez nenhuma homenagem possa chegar aos pés do que ele foi, mas é o mínimo que ele merece. Sempre sentiremos saudades e sempre recordaremos com muita alegria e paz nos corações”, finaliza Angélica.

A arte de transformar lágrimas em sorrisos de pura felicidade

VINÍCIUS CASTELLI
Do Diário do Grande ABC

Seu nome era Basilia Maria de Jesus, mas poderia se chamar ‘Felicidade’, já que sempre fez questão de inundar de alegria os locais por onde passava e de estampar sorriso no rosto, além de transbordar amor e carinho, principalmente quando estava junto à família.

Mulher que tinha fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida, Basilia nasceu na Bahia, em Nova Soure, e somou histórias que renderiam um livro, com páginas de dificuldades e de conquistas. Foi doada por sua família de sangue ainda criança e feita de empregada doméstica por anos, até que se mudou para São Paulo, onde passou boa parte dos seus 80 anos em Rio Grande da Serra. 

Mas a vida de Basilia era pautada por esperança e felicidade. Amanhecia cantando e entre seus maiores gostos estava a dança. Saía dançando logo que percebia uma música tocando. Preparar comida gostosa para familiares era das ações prediletas. O frango e o bolo de laranja, dizem, são inesquecíveis. 

Basilia não deixava a ‘peteca cair’. Prova é que criou, sustentou, educou e amou cinco filhos: Cristina Maria de Jesus Santos, Marcelo de Jesus, Dulcinéia de Jesus Melo, Andréia Aparecida de Jesus Oliveira e Renato Henrique de Jesus, com todas as suas forças. 

Foi casada com Manoel Conceição de Jesus – que morreu há dois anos e meio –, e enfrentou dificuldades na vida, como revela Cristina, mas nunca desistiu da luta. “Passamos fome, frio e moramos na rua e mesmo assim minha mãe estava sempre alegre”, conta. “Mesmo sem saber ler e escrever, olhava nossas lições de casa. Quando via um ‘X’ no caderno, sabia que havia algo errado”, recorda.

“Ela trabalhou por muitos anos em casa de família, como empregada doméstica. A vida toda não deixou a gente andar com a roupa rasgada”, diz Cristina.

Basilia partiu dia 26 de julho, aos 80 anos, vítima da Covid-19, após passar quase um mês internada. Mas o amor e as lições que deixou seguem firmes. “Acho que ela foi embora feliz e satisfeita com a família que construiu”, diz a neta Jéssica Aparecida de Jesus Santos, 30.

Basilia foi mulher de poucos sonhos. Um deles era ter uma casa. E teve. Criou a família com dificuldade, mas com dignidade e deixou grande lição, a de que nada vale mais na vida do que o amor. “Sua alegria era ver os filhos reunidos. Uma mulher alegre, que nos criou honestamente e sempre com amor”, encerra Cristina.




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