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Estrada Real é pedaço da história do Brasil
Por Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
25/08/2003 | 08:38
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Desde o século XVII, ela é sinônimo de riqueza. Testemunha do suor de garimpeiros, da luta de poetas inconfidentes pela independência, das andanças dos bandeirantes à procura de pedras preciosas, do sangue derramado pela Coroa em nome dos cofres imperiais e de todo ouro e diamantes que escoaram do Brasil rumo à Europa, a chamada Estrada Real construiu a história de Minas Gerais e, como não dizer, do próprio Brasil. Com o passar do tempo, o ouro se foi, mas não tirou a majestade do trajeto, que permanece rico em histórias, arte e natureza ao longo dos 1,4 mil quilômetros que ligam a antigamente cobiçada Diamantina ao porto de Paraty, no Rio de Janeiro.

Foi para explorar essa outra riqueza do percurso que o governo federal, em parceria com a Secretaria de Turismo de Minas Gerais e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), lançou em abril o projeto Estrada Real, que pretende transformar o trajeto em uma das maiores trilhas turísticas do mundo, fomentando o turismo nas 177 cidades que compõem o circuito: 162 em Minas Gerais, oito no Rio de Janeiro e sete em São Paulo.

Atrativos, aliás, não faltam para alavancar o turismo nos entornos da estrada: há roteiros históricos, ecológicos, gastronômicos, culturais, rurais, religiosos, de aventura e até esotéricos. Só em Minas, o trajeto abrange circuitos como a Trilha dos Inconfidentes, a dos Diamantes e a Rota do Ouro, entre outras estrelas do turismo.

Por isso, no último dia 12, representantes do Ministério do Turismo, do governo mineiro e do Instituto Estrada Real reuniram-se em um workshop com operadoras e agências de viagem para desenvolver novos pacotes e definir as rotas que poderão ser cumpridas a pé, a cavalo, de bicicleta ou mesmo de carro. Entre as sugestões de roteiros apresentadas, a de maior destaque traz como ponto de partida a histórica Tiradentes, passando por Ouro Branco, Caraça, o Parque Nacional da Serra do Cipó e por três patrimônios culturais da humanidade (Congonhas, Ouro Preto e Diamantina). Trata-se de um percurso trilhado a partir do século XVII pelos bandeirantes, que seguiram trilhas indígenas ainda mais antigas.

A expectativa é que esse e outros pacotes sejam concluídos nos próximos 20 dias. Mas, enquanto eles não saem do plano das idéias, o turista também pode viajar por conta própria à época em que o Brasil começava a criar uma identidade nacional, respaldada no gosto pelas artes, arquitetura e religião. Afinal, já se foi o tempo em que a circulação de pessoas era vista com desconfiança pela Coroa. Na época, a Estrada Real era a única via autorizada de acesso à região das reservas de ouro e pedras preciosas, constituindo crime de lesa-majestade a abertura de novos caminhos. Ao longo dessas vias reais, calçadas com pedras pelos escravos, espalhavam-se os antigos “registros”, postos fiscais de controle que se encarregavam de cobrar altos impostos sobre a circulação de ouro (o famoso “quinto” da Coroa), pessoas, mercadorias e animais. Um portão com cadeado fechava a estrada.

Mais tarde, há cerca de 300 anos, a estrada foi dividida em dois caminhos diferentes a partir das proximidades do atual município de Queluzito. O Caminho Velho, aberto pelos bandeirantes na direção de Paraty, cedeu então lugar ao Caminho Novo, que permitia escoar o ouro mais rapidamente para o Atlântico, através do porto da cidade do Rio de Janeiro.

Sorte que montanhas, cachoeiras e igrejas não podiam ser furtadas para a Europa tão facilmente, assim como a riqueza cultural que atualmente reluz em festas folclóricas, casarios coloniais, na saborosa gastronomia mineira, na produção artística barroca e na religiosidade que resplandece do povo, entre cavalgadas, serestas e cachaças.

Com tanta variedade de passeios, não é de se estranhar que a Estrada Real vire, literalmente, um samba do crioulo doido... Pelo menos é isso o que esperam os integrantes da escola de samba Mangueira, no Rio de Janeiro, que já elegeram o trajeto como tema para o enredo do próximo Carnaval e que prometem deixar muita gente dividida entre colocar o pé na estrada ou na Sapucaí durante o período de folia momesca. Mas, seja qual for a escolha, a homenagem é sempre bem-vinda. Afinal, como diria a sabedoria popular, quem nasce em berço de ouro nunca perde a majestade.




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