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Especialistas: Câmara fere Constituição ao mudar lei em S.Caetano
Giba Bergamim Jr. e
Juliana de Sordi Gattone
Do Diário do Grande ABC
02/12/2004 | 09:19
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As polêmicas sessões da Câmara que aprovaram na terça-feira uma alteração à LOM (Lei Orgânica Municipal) para permitir que o prefeito de São Caetano, Luiz Tortorello (PTB), 67 anos, administre a cidade à distância ignoraram a Constituição Federal. A opinião é de especialistas em Direito Público, os quais acrescentam que o ato legislativo pode ser anulado pela Justiça.

Baseados no artigo 29 da Constituição, os juristas entendem que qualquer alteração à LOM só pode ser feita em duas discussões, com um intervalo de 10 dias entre uma votação e outra. A emenda que beneficia Tortorello, porém, foi aprovada às pressas por meio de uma manobra orquestrada pelo grupo de aliados do prefeito, em duas sessões seguidas, convocadas por volta das 18h desta terça. Houve apenas quatro votos contrários para 17 favoráveis à mudança.

“Diz a Constituição que as emendas de Lei Orgânica só podem ser votadas com dez dias de interstício (intervalo entre uma sessão e outra), e isso não ocorreu. Houve um atropelo à legislação nacional. O ato é inconstitucional e passível de anulação”, declara a especialista em Direito Público Laís de Almeida Mourão, do Cepam (Centro de Estudos e Pesquisas da Administração Municipal).

Com a alteração, Tortorello poderá teoricamente despachar, por tempo indeterminado, de um leito do Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista, onde está internado desde o dia 17 em estado grave. Antes da mudança, Tortorello só poderia ficar fora do Executivo por 15 dias, sem a necessidade de pedir licença à Câmara. Esse prazo venceria nesta quarta. O novo texto assinado pelo vereador da tropa de choque de Tortorello Gilberto Costa (PSB) acrescenta ao texto original da lei: “Exceto quando e onde encontrar-se, estiver possibilitado de exercer o cargo”.

José Ruben Marone, da advocacia Gandra Martins, tem a mesma interpretação do Cepam. “Entendo que o ato foi inconstitucional pelo vício de validade, ou seja, quando o trâmite do feito (a votação da emenda) está errado”, diz ele, ao sustentar que houve desrespeito ao intervalo de dez dias entre as votações.

Os especialistas defendem também que, enquanto não houver nenhuma ação do Ministério Público para questionar o ato na Justiça, a emenda continuará valendo.

O vereador Hamilton Lacerda (PT) diz que se reunirá nesta quinta com a executiva do partido para analisar a hipótese de entrar na Justiça contra a aprovação da LOM. Segundo ele, mesmo se tratando de questão delicada – a doença do prefeito –, o partido não abrirá mão do ordenamento jurídico da cidade.

O drible a um item do regimento interno da Câmara que prevê a convocação de sessões extraordinárias com 18 horas de antecedência seria outro motivo para anulação dos trabalhos legislativos de terça. As sessões foram convocadas pelo presidente da Câmara, Paulo Pinheiro (PTB), cerca de duas horas antes da aprovação. “O presidente da Câmara (Paulo Pinheiro, PTB) pode ser acusado de omissão”, acrescenta Laís Mourão. Para garantir a votação, a tropa de choque de Tortorello chegou ao extremo de buscar o vereador recentemente enfartado Marcelino Gimenez (PPS) em casa.

Já o especialista em direito municipal Tito Costa diz que a emenda foi malredigida, mas acrescenta que a alteração em si não representa ilegalidade. “A LOM pode ser alterada a qualquer momento, desde que obedecidos os pressupostos do processo legislativo adequado.”

Sem lógica - Para Márcio Cammarosano, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, o fato de a emenda não fixar prazos também pode ser interpretado como afronta à Constituição. Pode ser considerada inconstitucional uma lei que fere o princípio da razoabilidade, segundo Cammarosano. “Isso ocorre quando a medida não tem lógica, é caprichosa ou desarrazoada. Não fixar um prazo me parece uma medida desarrazoada”, disse o advogado.

Defesa - Tanto o presidente da Câmara, Paulo Pinheiro (PTB), quanto o diretor legislativo, Roberto Martins, negam a possível irregularidade na convocação das sessões extraordinárias. Pinheiro defende a atitude e diz que o regimento interno permite a convocação. “Se for durante a sessão ordinária não tem problema. As 18 horas de antecedência são válidas quando o presidente faz um pedido fora das sessões”, explica. Para Martins, cada pessoa pode ter entendimento diferente do fato. “Vai do interesse de cada um. Se houver enfrentamento de opiniões, vamos ver a razão aplicada.”

Pedido - O presidente da Câmara, Paulo Pinheiro, revelou nesta quarta que a mudança na LOM foi um pedido do prefeito Tortorello. “Eu avalio a atitude como um prêmio ao prefeito, que governou a cidade por 12 anos. Além disso, por ser o último mês, ele gostaria de estar presente.”

A questão causou polêmica entre os vereadores de oposição, que interpretaram a atitude do Legislativo como um “capricho” de Tortorello.

Mais calmo, o presidente diz que a intenção do prefeito é participar da inauguração da praça 1º de Maio, prevista para o dia 10. Segundo Pinheiro, o prefeito também gostaria de estar na posse do prefeito eleito José Auricchio Júnior (PTB). “Afinal, foi ele quem ajudou o Auricchio a ganhar a Prefeitura. Se ele der o lugar ao vice, não poderá participar dos eventos.”

O presidente da Câmara garantiu que Tortorello nunca esteve em coma induzido e recebe os “mais chegados” para visitas no hospital. Ele conta que na última vez em que esteve no Hospital Albert Einstein, ao chegar no quarto, o prefeito estava fazendo exames. “Quando ele voltou, disse: ‘Oh, Paulo, senta aí, vamos conversar‘“, conta.

Há dias o vice-prefeito, Sílvio Torres, é procurado pela reportagem. No entanto, em todas as vezes que o Diário visitou a Prefeitura, Torres não concedeu entrevista.

Até a conclusão desta edição, Tortorello permanecia internado no Albert Einsten. Nenhum boletim médico foi divulgado desde o primeiro dia de internação.




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