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Nem só de carne vive o homem
Por Rodolfo de Souza
14/03/2019 | 07:00
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Aborrece-me, por vezes, lembrar daquilo que me esforço sempre para esquecer: o lado peculiar do povo que tem pouca ou nenhuma afinidade com os livros. A ideia de ler e estudar soa estranha e de difícil compreensão para essa gente, uma vez que passa a vida escolar, quem frequenta ou esteve numa escola, travando longas quedas de braço com professores e seus, somente seus, assuntos. E o desdém para com as coisas relativas ao conhecimento, leva-os ao recinto estudantil somente para prestigiar os movimentos sociais que se dão por meio de longas e entusiasmadas conversas, gargalhadas e atitudes normalmente avessas à proposta pedagógica. Talvez esteja lá no berço a origem de tamanho descaso para com tudo que leva à expansão da inteligência, do pensamento refinado e crítico.

Afinal, o que pode ensinar a um filho aquele que nunca aprendeu, que jamais experimentou as delícias da descoberta? Desanima, inclusive, imaginar que alguém assim, destituído de um fiapo de leitura, coloque no mundo outro alguém que crescerá carente de sabedoria simplesmente por não ter sido apresentado a ela no seio familiar. Há de lhe soar hostil, até, o modo educado do semelhante que se desenvolveu em outro ambiente, qualquer coisa mais intelectualizado. Contando ainda com a inconveniente possibilidade de se ver essa antipatia estendida até a carteira escolar e além, se desta não tirar proveito o aluno.

Entretanto, mesmo em face da tragédia em que se traduz a ignorância generalizada e ultrajante deste país, há ainda as forças que emergem, em hordas, dos porões do obscurantismo, empenhadas em sufocar a pequena parcela da população que valoriza a formação contínua do pensamento, o que a torna imune à doença da mentira crônica que leva o cidadão a trilhar caminhos que certamente não escolheria, caso pensasse por si só, caso não se deixasse conduzir como gado.

E segue firme, o vil poder, na sua proposta de manter debaixo da bota o livre pensar e o livre expressar. Por isso, não mede esforços para tirar da educação o pouco que lhe resta de fôlego que, há muito, dá sinais de exaustão e agonia. Fala-se até em ensino domiciliar, cujo intuito é deitar por terra o crescimento da criança por meio da sociabilização e do seu aprendizado sempre trabalhado com dedicação e entusiasmo por gente especializada, com formação e muita capacitação para o ofício. Mas claro! Essa categoria de profissional fala demais e pode tirar do aluno a oportunidade única de seguir de cabeça baixa, sem questionar e, muito menos, contestar, por não ter ser apropriado do conhecimento, que faz enxergar com clareza as armadilhas pelo caminho. Um adolescente míope para as questões do seu país e do mundo, por certo que se tornará um adulto útil aos propósitos nefastos de quem teme a cultura e o produto dela.

Cria-se, então, a partir dessa conjuntura assombrosa, gerações de seres incapazes de ler e compreender as linhas e, o que dirá, as entrelinhas de um texto, de um comentário, de um gesto, de uma imagem... Pessoas que aceitam com naturalidade tudo aquilo que lhes é empurrado goela abaixo, sem perceber o engodo, a intenção por detrás das coisas.

Claro! É preciso admitir que são felizes mergulhadas no ostracismo. E, por mais que incomode, essa é a cara deste imenso rincão. O que há de se fazer? Afinal, bois não devem questionar nem contestar a necessidade que tem o ser humano de se alimentar de carne, não é mesmo?




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