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Exposição em SP mostra imagens da violência
Everaldo Fioravante
Do Diário do Grande ABC
03/03/2005 | 12:19
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Quem entrar até o próximo dia 24 na galeria Casa Triângulo, em São Paulo, dará de cara com uma fotografia em grande formato (1,9 m x 4,49 m) que retrata uma bela paisagem, uma sinuosa estrada de terra em meio a densa vegetação. Parte da exposição Sobre a Terra do Sol, individual do artista plástico paulistano Pazé, a imagem bucólica captada em Juquitiba (SP) tem ainda um outro significado. Local de desova de vítimas da violência urbana, foi ali que encontraram em janeiro de 2002 o corpo de Celso Daniel, então prefeito de Santo André assassinado a tiros. Um crime até hoje não esclarecido.

Intitulada Estrada da Cachoeira ou Floresta Sem Fim, a foto forma um conjunto com duas outras composições. Uma delas, Pelotão de Fuzilamento ou Relógio de Tiros, fica na outra extremidade do espaço expositivo do térreo da galeria. São nove soldadinhos de brinquedo dispostos lado a lado e que, em sincronia e seqüencialmente, avançam e erguem os braços apontando o dedo, simulando uma arma de fogo.

A outra obra, Tabuleiro, foi instalada no chão. É um piso com motivo enxadrezado em preto-e-branco. As peças deste “jogo” são redondas e móveis – podem ser manipuladas pelos espectadores.

O conceito do conjunto de obras é bem claro: o que está em jogo é a vida. “A minha idéia foi tratar da sistematização da violência. Utilizei a imagem de onde foi encontrado o corpo de Celso Daniel por que esse caso é um exemplo disso. Ele foi morto por uma ação do crime organizado”, diz Pazé. “Você entra na galeria, olha a paisagem e leva tiros pelas costas”.

Na mostra – composta por obras feitas especialmente para o evento e na qual Pazé trabalhou por cerca de dois anos – há outros cinco trabalhos, exibidos no primeiro andar da galeria.

São ampliações de cartas de baralho com desenhos sobrepostos, motivos dos índios kadiwéu recolhidos em 1949 por Darcy Ribeiro. Os desenhos dos índios são similares aos dos naipes.

“Esses índios do Pantanal Mato-grossense sistematizavam bem a morte. Cometiam, por exemplo, infanticídio: das crianças tidas por uma mulher, só sobrevivia a mais nova”, afirma Pazé.

No texto da crítica de arte Angélica de Moraes para o folder da exposição, ela diz que os kadiwéu tinham o costume de jogar bola com cabeças decepadas dos inimigos.

Pazé conta que, ao longo do século passado, esses índios sofreram um processo de aculturação. Não são mais infanticidas, não jogam mais bola com cabeça de gente.

Os motivos dos índios utilizados por Pazé são de pinturas corporais, de vestimentas e de cestaria. O padrão abstrato registrado pelo artista no tabuleiro também bebe na fonte do povo kadiwéu.

“Pensei nesse contexto da exposição lendo o livro Tristes Trópicos, de Lévi-Strauss, que trata da sistematização da violência”, diz Pazé.

A Casa Triângulo também representa, entre outros artistas, a andreense Sandra Cinto.

Sobre a Terra do Sol – Exposição individual de Pazé. Na Casa Triângulo – rua Paes de Araújo, 77, São Paulo. Tel.: 3167-5621. De terça a sábado, das 11h às 19h. Entrada franca. Até o dia 24.



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