Setecidades Titulo No fio da Covid
Doença passa; mas as sequelas, não
Do Diário do Grande ABC
30/03/2021 | 09:38
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A pandemia não passou. Pelo contrário. Ela recrudesceu. É preciso intensificar ainda mais os cuidados. Cuidar das pessoas, de cada uma e de todas. A responsabilidade é geral. E nada como ouvir pessoas que já passaram por isso, que sabem que a doença até pode ser curada, mas as sequelas emocionais são difíceis de enfrentar; machucam muito.

Esse vírus invisível e caprichoso precisa ser levado a sério. Depois, não dá mais para se arrepender.

Tudo ia bem com a família Muchiutti até dezembro de 2020. Todos eles cumpriam corretamente os protocolos de saúde, as crianças se adaptaram com relativa facilidade às aulas on-line e tudo levava a crer que os tempos de pandemia seriam atravessados sem maiores sustos.

Poucos hábitos foram modificados, “para que a vida continuasse o mais normal possível”, como conta Fernanda Lins Aiello Muchiutti, designer de interiores. A família, que mora no Parque das Nações, em Santo André, passou a acompanhar com menos frequência os telejornais, numa tentativa de manter o clima da residência mais leve, especialmente “para que não afetasse psicologicamente as crianças”.

Mas chegou dezembro, o Natal ia se aproximando e a filha mais nova, Maria Isabel, de apenas 4 anos, apresentou sintomas leves de Covid. Dois dias depois, a própria Fernanda testou positivo. No dia seguinte, foi a vez do pai de Fernanda, Mauro Sérgio Aiello, e, em seguida, o marido, Tiago.

Em poucos dias, ninguém estava a salvo. Bernardo, o filho de 9 anos, a mãe de Fernanda e os sogros, todos foram contaminados. A vida virou de cabeça pra baixo. A casa parecia, de fato, um pronto-socorro.

“O Natal chegando e a gente triste porque não ia poder comemorar da maneira como gostamos, com muita alegria”. Ela lembra: “Foram os piores dias da minha vida. O pior Natal da minha família. Por mais que a gente queira esquecer, nunca vai conseguir. Vai ficar marcado para sempre na nossa memória”.

Fernanda passou a sentir muitas dores por todo o corpo, especialmente uma forte dor de cabeça e na garganta. Mas o pior ainda estava por vir. “A partir da confirmação da doença, parece que o nosso relógio para. O mundo para. De repente você não sabe dizer se a sensação de falta de ar é causada pela doença ou é uma reação psicológica; se é real ou é ansiedade, porque o tempo não passa.”

E ainda tinha mais por acontecer. O pai e os sogros precisaram ser internados. Parecia que o drama não tinha fim.

Em casa, Fernanda contava as horas, contava os dias para saber se a doença estava indo embora, se o pico já havia passado, se ela ou alguém da família ainda podia transmitir o vírus... “Nesse período, várias pessoas próximas foram testando positivo e a gente sem saber o que fazer.”

Dividida entre tantas preocupações, ainda precisava cuidar da mãe, que apresentava várias comorbidades; como o pai, já passava dos 60 anos, é obesa e hipertensa, com problemas respiratórios prévios. Mas o pior era a falta de notícias dos que estavam internados.

“Foi bem difícil ficar sem minha mãe em casa, fazendo a contagem regressiva, indo dormir sem saber sei ia ter de levá-la ao hospital quando acordasse. Este foi um dos piores sentimentos: será que é hoje que vou ter de levar minha mãe ao hospital? E o meu marido? Será que eles voltam para casa depois disso?”

Fernanda avalia que esta é a pior sequela que a Covid pode deixar: a insegurança psicológica. “Graças a Deus estamos todos bem fisicamente; mas não posso dizer isso do nosso emocional. Isso mexe de um jeito que não sei quando vai passar.”

“Quando vejo pessoas na rua, no bar da esquina sem máscara, penso ‘será que essa pessoa não ama ninguém?’ Porque você até pode não se cuidar, porque não gosta de si mesmo, mas será que não vai sentir a falta se perder alguém que ama muito? Depois é muito tarde para se arrepender. E vai se arrepender.”

Por isso, muito emocionada. Fernanda faz um apelo: “Sei o que é passar pelo horror dessa doença: se você tem a opção de ficar em casa, fique em casa. Saia somente para o que for muito necessário. Eu entendo que as pessoas tenham que sair para trabalhar. Nós somos donos do nosso próprio negócio, então meu marido não pode parar – é transporte, um serviço essencial. Se ele já tem que sair, eu não vou ao mercado, quem vai é ele, porque já está fora de casa. Mas quando volta, vai direto para a lavanderia, tira a roupa e corre para o banho. Não tem contato nenhum com a gente antes de fazer isso”.

Fernanda acredita que falta pouco para isso tudo acabar. “Mas enquanto falta pouco, ainda falta alguma coisa. E muitas vidas estão sendo ceifadas por desrespeito de outras pessoas. Não porque a pessoa se contaminou, mas porque alguém foi irresponsável, porque alguém saiu sem necessidade e trouxe o vírus pra casa. E se alguém da sua família se contamina por sua causa, é pior do que ter a doença você mesmo. É muito difícil se sentir culpado por outra pessoa estar doente. Ainda mais se algo pior acontece com essa pessoa por culpa sua. Felizmente não perdi meu pai, mas isso podia ter acontecido. Mas perdi outras pessoas queridas, o que machucou muito meu coração e as cicatrizes vão ficar pra sempre”. 




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