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Exorcista: filme traz origem desordenada
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
29/10/2004 | 10:01
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A idéia por trás de Exorcista: O Início é retroceder às origens do duelo de O Exorcista original (1973, de William Friedkin), entre o padre Merrin e a força demoníaca que possuía - e desfigurava, coitada! - a garotinha Linda Blair. O filme de Renny Harlin, que chega nesta sexta a cinco salas da região, sugere inclusive uma descida simbólica ao solar do cramulhão para colocar as questões em ordem. Melhor seria dizer desordem, diante do que Harlin, talvez mais célebre por ser ex-marido da atriz Geena Davis que por filmes como Alta Velocidade (2001), apresenta como mercadoria.

Lancaster Merrin, personagem interpretado em 1973 pelo bergmaniano Max von Sydow, instalou-se na memória do cinéfilo como o padre de fisionomia carrancuda e beca de coveiro chamado para exorcizar uma adolescente que, possuída pelo demônio, regurgitava sopa de ervilha e exibia um pescoço "rosqueável". O que pretendia o cineasta Friedkin, inspirado no romance de William Peter Blatty, era opor um mal exposto por completo, cuja expressão física no corpo da menina Regan era sua vulnerabilidade, e um bem misterioso, cuja confiança em forças superiores (e desconhecidas) era seu trunfo. Um auto-de-fé disfarçado de filme de terror.

Exorcista: O Início se apropria dessa base ficcional do jeito que o diabo gosta. Harlin tem a delicadeza de um ogro para cuidar de seu embrião. O ponto de partida é a negação da fé pelo mesmo Lancaster Merrin, 25 anos antes dos eventos do primeiro filme. O ano é 1949, tempos depois de o padre (agora interpretado por Stellan Skarsgard) abandonar o sacerdócio, traumatizado após cumpliciar, pressionado pelos nazistas, uma chacina que custou dez vidas.

Batina no cabide, Merrin, agora, é arqueólogo. E com essa incumbência o contratam para resgatar um ídolo que estaria escondido em templo cristão erigido no Quênia, no século V, e soterrado tão logo fora concluída sua construção. Debatem sobre a impossibilidade de um edifício dessa natureza ter sido erguido em tal região da África no período relatado. Por intuição, descobrem então que se trata de uma espécie de caixa de Pandora, estruturada para guardar em seu interior os males do pedaço após uma guerra fratricida e que legou um único sobrevivente, não por acaso um padre. Seria ali o local exato da queda de Lúcifer após sua expulsão do paraíso.

Tanta informação, tanta negligência. Harlin organiza um filme em que o épico é uma tendência, jamais um termo. Não por tese, mas por insuficiência. O filme de 1973 é um drama entre quatro paredes - um huis clos, como diriam os franceses - e encerra a batalha da virtude e do vício extremos nos aposentos da possuída.

Ao ramificar o mal, Exorcista: O Início perde a intensidade da ameaça. Não que toda obra deva produzir sua tensão a partir do minúsculo, mas Harlin enfraquece as manifestações diabólicas, finalidade principal da obra, quando as delega a hienas ensandecidas, a nativos africanos e a oficiais da Inglaterra colonialista em pé de guerra, a um guia tarado, a um garoto travesso e a uma médica que atende à expedição responsável pelas escavações da igreja.

Todo o gênero humano está absolvido de seus pecados e descontroles. A culpa é do cramulhão, que já era pai do rock e, agora, padrasto dos guerreiros, dos meninos peraltas e até dos nazistas, influenciados pelo cheiro de enxofre e desassociados do mal intrínseco ao progresso e à humanidade.

Essa espécie de cristianismo medieval de Exorcista: O Início entranha-se de forma incoerente na redescoberta da fé por parte do padre Merrin. Essa linha dramática baseada em um retorno, no qual o ex-crédulo tem de meditar sobre o seu credo ora ameaçado, pode lembrar a trajetória do protagonista vivido por Mel Gibson em Sinais (2002, de M. Night Shyamalan). Porém, aqui não tem Shyamalan. Tampouco as interpenetrações de drama e digressões éticas peculiares a seu cinema. O tal pároco Merrin reencontra sua crença no que parece um átimo de tempo, conforme a edição dispersa e incapaz de ilustrar que a existência do mal (o diabo no corpo) é um instrumento de reiteração do bem (a fé recuperada).

O fim justifica o meio, afinal Harlin foi o terceiro diretor na preferência da produtora. Um de seus antecessores, Paul Schrader (A Marca da Pantera), chegou até a finalizar uma versão para a história, recusada pelo estúdio por ter psicologia demais e ação de menos. Diante da estréia desta sexta, a obra de Schrader (que ainda pode ser lançada em DVD) já parece alguma coisa. Ademais, dizem que saiu pela metade do preço deste Exorcista (estimado em US$ 50 milhões).




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