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Anos dourados
Por Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
09/01/2011 | 07:03
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Nas grandes cidades, já é o tempo em que as pessoas se cruzam e não se veem. As mudanças, principalmente as mais sutis, dificilmente são notadas e o horizonte já não pode mais ser contemplado sem uma fileira de prédios à frente.

Qualquer memória dos tempos em que coisas simples - e pessoas - eram levadas em consideração, é bem-vinda. Se é ficcional, ainda, como "Manhã de Carnaval" (Editora Iglu, 312 pág., preço médio R$ 58), do andreense Edgard Rodrigues, revela-se com um peso a mais, o de colorir, personificar e emocionar os fragmentos destas reminiscências, tornando-as ainda mais duradouras.

O livro - que pode ser comprado pelo site www.iglueditora.com.br - é o primeiro do designer que nasceu na região e floresceu profissionalmente na Capital, em agências das cosmopolitas Avenida Paulista e Rebouças.

A obra não poupa referências políticas, sociais e sentimentais da vida que era comum às crianças, jovens e adultos nascidos a partir dos anos 1950. Todos retratados - fragmentados no cotidiano - a partir do olhar que o protagonista, o poeta - e também designer - Mário Alfieri lança por meio de sua história e de seu contato com o mundo.

Na Capital, o boom que inflava a intelectualidade, o gosto pela política, por artes e as paixões de Alfieri. No Grande ABC, o afago do berço, e a troca de intimidade e ingenuidade nos relacionamentos.

"A separação de São Paulo com o Grande ABC, na minha infância e juventude, era mais larga. Enquanto lá era um grande centro, aqui todos tinham um papel muito próprio, que era refletido no trabalho nas fábricas e das residências. E havia ardor e paixão na levada desta rotina", conta Rodrigues, que há dez anos mora em Americana.

A DESCOBERTA DO AMOR

O romance é nitidamente autobiográfico, principalmente no que concerne à visão e ao contexto social de Alfieri. Mas não é apenas um trabalho de memórias, há fábula também.

"Ele não é rigorosamente biográfico. Embora se apoie na minha memória, faz a construção de uma fábula. Trago situações imaginárias, um meio de colorir a narrativa. O autor de ficção tem duas opções, na minha opinião: ou escreve sobre a própria experiência ou se apodera da vivência de outras pessoas. Trabalhei nesses dois sentidos."

A fábula se delineia principalmente no amor. Desde o momento em que a sexualidade de Alfieri, ainda em construção, esbarra na timidez e nas convenções da sua juventude até o momento que alcança o ápice, muito com a ajuda da argentina Felisa e da sensual Elenita, protagonistas femininas da trama.

Foram cinco anos para escrever o livro. Um e meio trabalhando no material bruto e o restante, mais artesanalmente, para versá-lo em fluida prosa. Agora, o trabalho é de divulgação. Há promessa de que logo mais haja festa de lançamento na região.

Uma outra promessa, mas de caráter particular, é o desejo de retorno de Edgard a Santo André, reinserido à paisagem de sua infância, embora modificada, ainda seu lar. Não há mais melindres entre o que foi e o que está agora. "Tenho a sensação de dever cumprido, e o desejo de retribuir para a sociedade uma experiência que no fim das contas foi boa", acredita Edgard.

Como diz a última estrofe da música que empresta o nome ao título do livro - "canta o meu coração / alegria voltou / tão feliz na manhã deste amor" -, a voz que desejava tornar matéria e carimbar o valor desta feliz experiência já se pronunciou. "Há um tom melancólico, de uma vida já passada, de um Brasil e de pessoas que não existem mais, mas hoje eu consigo enxergar o lado de beleza dessa melancolia, que de maneira alguma é amargura."




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