Economia Titulo Previdência
Especialistas divergem sobre fórmula alternativa ao fator

Governo defende colocação do conceito 85/95; para entidade, o ideal seria forma mista

Por Caio Prates
Do Portal Previdência Total
02/03/2015 | 07:05
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A tão esperada reforma previdenciária está sendo realizada a conta-gotas. O governo federal iniciou este movimento no final do ano passado, após anunciar medidas provisórias que alteraram e restringiram benefícios previdenciários importantes como as pensões por morte e o auxílio-doença. E mais uma mudança importante poderá acontecer nos próximos meses. O ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, informou recentemente que o fator previdenciário pode ser abolido e substituído por uma fórmula que retarde as aposentadorias no Brasil.

De acordo com o ministro, “o fator previdenciário é ruim porque não cumpre o papel de retardar as aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que faça isso e defendo o conceito do 85/95 como base de partida. As centrais concordam com isso”. A fórmula 85/95, que soma a idade com o tempo de serviço – 85 para mulheres e 95 para homens –, proposta por Gabas, é uma questão controversa para os especialistas em direito previdenciário.

O IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) entende que a ideia é viável, desde que ainda seja possível a aposentadoria sem atingir a soma de 85 para mulheres e 95 para homens. Segundo Jane Berwanger, presidente do IBDP, no Brasil o mercado de trabalho para pessoas acima de 50 anos não é estável e oferece poucas oportunidades. “Nossa realidade obriga muita gente a se aposentar mais cedo”, explica.

Na visão de Jane, o melhor caminho seria ter uma forma mista: uma 85/95 e outra que mantém o fator previdenciário, para quem não atinge a soma. Por exemplo, como no caso de um homem que tem 55 anos de idade e 37 de contribuição. “Esperamos que a proposta do governo contemple a possibilidade de se aposentar antes de atingir a soma de 85/95, mesmo que nestes casos se aplique o fator”, sugere.

O vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social, Paulo César Regis de Souza, também considera a nova fórmula proposta pelo ministro positiva. “É a melhor, respeitando a situação brasileira. O Brasil continuará sendo um dos poucos países que não terá idade mínima, que é um fundamento universal de Previdência. No nosso caso, em que muitas pessoas começam cedo no mercado de trabalho, a fórmula 85/95 satisfaz e contribui para que seja extinto o fator previdenciário”, avalia.

CONTRAPONTO - O advogado Danilo Pieiri Pereira, do escritório Baraldi-Mélega Advogados, pontua que a vantagem buscada pelo governo é a tentativa de adiar a aposentadoria, aliviando o déficit da Previdência. “No entendimento do ministro, a expectativa de vida de quem está nascendo é de “quase cem anos”, o que justifica o adiamento do descanso e, consequentemente, o alívio das contas da Previdência. A desvantagem é que obriga o trabalhador a adiar a aposentadoria, provavelmente de forma ainda maior do que como ocorre com o fator previdenciário”, analisa.

Pereira ressalta que atualmente, o trabalhador pode requerer a aposentadoria sempre que atingir o tempo mínimo de contribuição (35 anos, para os homens e 30 anos, para as mulheres). Com a nova proposta, o trabalhador somente terá o benefício quando a soma desse tempo com a sua idade representar 95 anos, para os homens e 85 anos, para as mulheres.

Porém, para Noa Piatã Bassfeld Gnata, advogado, professor de Direito Previdenciário e mestre e pesquisador em direito do trabalho e da seguridade social pela USP, a nova fórmula é uma solução atuarial para extinguir a aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima. “Vende-se a solução política do reivindicado fim do fator previdenciário, mas na verdade extinguem-se com ele todos os benefícios sobre o qual hoje ele incide. O impacto seria a realização da política pública de inibição de benefícios precoces: se hoje, com fator previdenciário há 30% de economia em relação a esses benefícios, com essa fórmula haverá 100% de economia. Quem hoje teria o desconto, amanhã não teria o benefício. Vantagem para as contas da Previdência, desvantagem para os trabalhadores que terão a obrigação de contribuir e trabalhar por mais tempo para poder alcançar a aposentadoria”, alerta.

REDUTOR - O fator previdenciário, criado em 1999 para manter sob controle as contas da Previdência Social, inseriu um método de cálculo das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição pagas pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) que, na prática, funciona como um redutor dos benefícios. Hoje, a maior reivindicação das centrais sindicais e entidades de aposentados é o fim desse fator.

Segundo o professor e autor de obras de direito previdenciário Marco Aurélio Serau Jr., a lei que estabelece o fator previdenciário (Lei 9.876, de 1999) é uma norma jurídica aberta, isto é, se refere e depende de outras situações, no caso a tabela de mortalidade produzida pelo IBGE. “É uma situação em que o valor do benefício previdenciário de uma pessoa é alterado por conta de um dado sobre o qual ele não possui nenhum controle, uma variável externa”, explica.

O professor considera essa medida arbitrária. “O fator previdenciário utiliza em sua base de cálculo uma variável bastante arbitrária, pois a expectativa de vida produzida pelo IBGE é tão somente um dado médio, que não reflete a totalidade das situações vividas pelos brasileiros. Há pessoas que vivem mais, outras que vivem menos comparando com a linha média. Além disso, é necessário refletir sobre como será a empregabilidade dos brasileiros durante sua vida adulta, especialmente quando adentrar à terceira idade”, pontua.

O fator previdenciário é utilizado somente no cálculo do valor da aposentadoria por tempo de contribuição. Na aposentadoria por invalidez não há utilização do fator, e, na aposentadoria por idade, a fórmula é utilizada opcionalmente, apenas quando aumentar o valor do benefício.

Pelas regras da aposentadoria por tempo de contribuição, se o fator for menor do que 1, haverá redução do valor do benefício. Se o fator previdenciário for maior que 1, há acréscimo no valor e, se o fator for igual a 1, não há alteração. A utilização da expectativa de sobrevida estimada pelo IBGE no cálculo do fator previdenciário foi determinada pela lei que criou o mecanismo.

O advogado Noa Piatã Bassfeld Gnata estima que o impacto do fator previdenciário no valor dos benefícios pode chegar a 50%, para pessoas mais jovens. Ele exemplifica: um homem que obtenha média de contribuições históricas de R$ 3.000: se tiver 50 anos de idade e 35 de contribuição, o fator previdenciário reduz em 40% o benefício, com renda inicial de cerca de R$ 1.800,00.

“Em menos de dez anos, se continuar a política pública de valorização do salário mínimo, que cresce acima da inflação (os benefícios da Previdência apenas a repõem), esse mesmo segurado estará recebendo um salário mínimo”, diz Gnata.

EXPECTATIVA - A expectativa de vida do brasileiro ao nascer subiu para 74,9 anos em 2013, segundo o IBGE. Os dados estão na Tábua Completa da Mortalidade e são usados pelo Ministério da Previdência Social como um dos parâmetros para determinar o fator, no cálculo das aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social.

O aumento da esperança de vida afeta o bolso dos brasileiros. Quando a expectativa de vida aumenta, maior é o desconto do fator previdenciário nas aposentadorias, ou seja, menor é o valor do benefício.  




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