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Barítono Rodrigo Esteves é destaque de 'Otelo', em Belém
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22/09/2014 | 11:49
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Aos 66 anos, Verdi já era o grande nome da ópera italiana quando o libretista Arrigo Boito lhe sugeriu que escrevessem juntos uma ópera baseada no Otelo de Shakespeare. A realização do projeto, no entanto, foi complicada. Apesar de sua admiração pela obra do dramaturgo, o compositor recusou-se o quanto pode a aceitar formalmente o convite.

Primeiro, porque Rossini, algum tempo antes, já havia adaptado a peça, em uma versão que, se hoje ficou esquecida, foi bastante popular durante o século 19; e, segundo, porque Verdi, cansado das idiossincrasias do mundo teatral italiano, hesitava em voltar a escrever uma ópera depois de quase dez anos.

À primeira questão, Boito tentou encontrar uma solução ao sugerir que a obra fosse batizada de Iago, ao que Verdi respondeu de forma veemente: "Seria hipocrisia não chamar a ópera de Otelo. É ele que age, que ama, tem ciúmes, mata, mata a si mesmo. Eu prefiro que digam 'Ele tentou lutar contra o gigante (Rossini) e foi derrotado do que Ele tentou se esconder atrás do nome Iago." O compositor deixava claro assim que não gostara da sugestão - mas, na defesa apaixonada do personagem principal, deixava transparecer também um envolvimento incontornável com a história, que acabaria levando após quase uma década de trabalhos.

A montagem estreada no sábado no Festival do Theatro da Paz, em Belém, no entanto, serviria de bom argumento àqueles que veem em Iago e suas maquinações o foco principal da trama de Shakespeare. E isso se deve à atuação do barítono brasileiro Rodrigo Esteves - que cantará o papel também em São Paulo, no Teatro Municipal, na temporada do ano que vem.

Ele constrói o personagem de maneira hábil por meio de uma voz que, amadurecida, lhe oferece uma palheta ampla de coloridos, das regiões mais agudas às mais graves, como ficou evidente no Credo.

Na interpretação de Esteves fica clara também a compreensão de um novo modo de cantar que Verdi elabora por completo em Otelo. Entre o canto e a declamação, a voz se relaciona de uma outra forma com o tecido orquestral, em favor de um novo tipo de drama, mais coeso. A mesma percepção, no entanto, faltou ao tenor italiano Walter Fraccaro, intérprete de Otelo. A voz, na verdade, parece leve para o papel - e, fora de seu ambiente, ele força demais seu instrumento, incapaz de recriar a complexidade com a qual Verdi caracteriza musicalmente o personagem. Por sua vez, a soprano Gabriela Rossi revelou um timbre privilegiado como Desdêmona, mesmo que, em sua caracterização da personagem, ainda falte um pouco de personalidade.

A recriação de Shakespeare feita por Verdi e Boito, ainda hoje estudada como símbolo do que o drama musical italiano tem de melhor, aposta em um jogo de projeções e contrastes entre os três personagens principais. Por conta disso, o desnível entre os intérpretes impede que a montagem de Mauro Wrona estabeleça um discurso fluente dramaticamente, o que trai o princípio básico com o qual compositor e libretista trabalharam. Como Cassio e Rodrigo, os tenores Antônio Wilson Azevedo e Andrew Lima também tiveram desempenho errático; mas é preciso destacar positivamente a Emilia de Ana Victoria Pitts e o Lodovico de Savio Sperandio.

A Sinfônica do Theatro da Paz teve muito bom desempenho, comandada pelo maestro Sílvio Viegas, em que pese um ou outro desencontro entre o que acontecia no palco e no fosso: problemas pontuais, a serem corrigidos facilmente em outras récitas, e que não mudam o fato de que, ao lado da atuação de Esteves, o ponto alto do Otelo de Belém foi sua realização musical.




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