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CDPs têm 23% de presos condenados

Legislação determina que detento com sentença transitada em julgado deve ir para penitenciária

Fabio Munhoz
do Diário do Grande ABC
24/08/2014 | 07:07
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Arquivo/DGABC


Os quatro CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Grande ABC, localizados em Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá, têm 1.710 detentos já condenados pelo Poder Judiciário, o que equivale a 23,1% do total da população carcerária da região, hoje de 7.390 homens. A situação desrespeita a Lei de Execução Penal, que determina que “preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.” Os dados foram fornecidos pela SAP (Secretaria de Administração Penitenciária), a pedido do Diário.

Por serem espaços onde, teoricamente, os prisioneiros deveriam ficar por pouco tempo, apenas até que fossem julgados, os CDPs não dispõem da mesma infraestrutura das penitenciárias, onde há espaço para trabalho, estudos e prática desportiva. Nas penitenciárias, o interno tem remissão de um dia de pena para cada três trabalhados.

Para conseguir suprir apenas a demanda dos detentos que estão com situação processual definida, seria necessário construir três presídios com capacidade igual aos CDPs de Santo André, Diadema e Mauá, que, juntos, somam 1.771 vagas. Do total de encarcerados irregularmente nos CDPs, 236 estão em Santo André, 631 em São Bernardo, 415 em Diadema e 428 em Mauá.

A situação é subnotificada, na opinião do defensor público Marcelo Carneiro Novaes, que acredita que o número de encarcerados condenados é maior que o divulgado pela SAP. “Eles informaram o número de presos com situação definida, ou seja, aqueles cujos processos já transitaram em julgado, não cabendo mais recursos. Existem muitos casos de condenados com situação não definida, que ainda podem recorrer a instâncias superiores, os quais possuem todos os direitos conferidos aos condenados e já deveriam estar nos estabelecimentos adequados”, comenta.

Novaes salienta que quase 10% da população carcerária é formada por apenados condenados no regime semiaberto. “Eles tinham de estar trabalhando e estudando nas colônias (penais).” O defensor afirma ainda que cerca de 10% dos internos estão sem o número do processo de execução da pena. “Ou seja, não aparecem nas listas de condenados e de provisórios. Estão no limbo jurídico. Isso acontece porque são condenados na Vara Criminal e a Guia de Recolhimento, que é o documento que inicia o processo de execução, não é encaminhada para a VEC (Vara de Execuções Criminais) e para o presídio. Tem gente que cumpre a pena nessa situação, sem usufruir de qualquer direito previsto na Lei de Execução Penal”, denuncia.

O Diário procurou o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para comentar as denúncias do defensor público, mas informou que o pedido foi encaminhado à Corregedoria Geral da Justiça. Não houve retorno até o fechamento desta edição. O Ministério Público informou que periodicamente faz mutirões para verificação da situação dos presídios paulistas.

FALTA DE VAGAS - Para o advogado Humberto Fabretti, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a mistura entre presos provisórios e condenados é reflexo da falta de vagas no sistema penitenciário. Na visão do especialista, todos os agentes envolvidos têm responsabilidade pela situação, mas cabe ao Poder Executivo definir o destino dos presos. “A SAP tem como responsabilidade organizar, administrar e gerir os presídios e fazer a divisão. O Judiciário não define para onde o detido vai, decide apenas se ficará preso ou solto.”

A SAP afirmou que, para agilizar as transferências para outros regimes, “o governo de São Paulo solicitou ao Poder Judiciário maior celeridade no julgamento dos respectivos benefícios.” Informou também que “as remoções de presos condenados, que se encontram recolhidos em CDPs, para Penitenciárias ocorrem com frequência.”

Especialistas alertam para possibilidade de rebeliões

As falhas no cumprimento da Lei de Execução Penal e a superlotação nos CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Grande ABC aumentam o risco de rebeliões. O advogado Ariel de Castro Alves, integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do grupo Tortura Nunca Mais, considera que as unidades da região “são barris de pólvora prestes a explodir.”

“A situação atual é comparável ao período em que as delegacias mantinham cadeias públicas, o que ocorreu até 2005. Na prática, foram criados os CDPs, mas nada mudou, a superlotação e as condições desumanas são as mesmas. São verdadeiras faculdades de criminalidade, já que os detentos ficam o dia todo ociosos, sem estarem inseridos em qualquer programa de reeducação e reabilitação”, denuncia.

O especialista cita ainda o desrespeito ao artigo 88 da Lei de Execução Penal, que determina que “o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”, com área mínima de seis metros quadrados. “A legislação também dispõe que presos primários fiquem separados dos reincidentes. Todas essas determinações legais estão sendo violadas.”

Alves cobra das autoridades competentes o acompanhamento da situação processual dos detentos. “O Ministério Público e as Varas de Execuções Penas deveriam atuar urgentemente para evitar a superlotação e determinar as transferências imediatas dos presos já condenados para penitenciárias adequadas. Além disso, devem realizar visitas periódicas de correição, conforme determinam as resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do Conselho Nacional do Ministério Público.”

O advogado Humberto Fabretti, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a configuração atual das unidades prisionais prejudica a ressocialização do preso. “ A lógica do sistema é muito cruel. Como posso querer ressocializar alguém excluindo essa pessoa da sociedade? Além disso, você diz ao preso que ele deve respeitar o Direito. Mas os dele não são respeitados”, critica.

O professor relata que a falta de convívio é tão prejudicial para o condenado que, em alguns casos, após longos períodos de prisão, o egresso do sistema penitenciário não consegue sequer se alimentar utilizando talheres. “Isso porque ele se acostuma a comer a quentinha (marmita) em um canto da cela.”

Para comparação da eficiência na aplicação da pena, ele cita presídios considerados como modelos, em que a Lei de Execução Penal é cumprida integralmente. “Nesses locais, o índice de reincidência é inferior a 10%. Já entre os que não respeitam, os reincidentes giram entre 70% e 80%”, diz Fabretti.

Unidades estão com triplo da capacidade

A superlotação é problema comum dos quatro CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Grande ABC. Em média, as unidades da região estão com o triplo de presos em relação a capacidade. São 7.390 detentos para 2.615 vagas, relação de 2,8 pessoas por espaço. Para comportar o excedente, seria necessário construir nove unidades semelhantes à de Santo André, com capacidade para 534 internos. A taxa de ocupação do Grande ABC é maior que a estadual, que é de 2,31 presos por vaga.

Ao todo, são 41 CDPs espalhados pelo Estado. Dois centros da região, de São Bernardo e Santo André, estão entre os dez que apresentam maior concentração. Apenas cinco unidades têm índice de superlotação superior ao de São Bernardo: Piracicaba, Guarulhos 1 e 2, São José dos Campos e Pinheiros 4, na Capital. Nenhum dos CDPs tem média igual ou inferior a um por vaga.

Em junho do ano passado, a Defensoria Pública do Estado ajuizou ACP (Ação Civil Pública) contra o governo do Estado com objetivo de combater a superlotação no CDP de Santo André. Além do excesso de gente, o documento cita outras irregularidades, como problemas hidráulicos e elétricos e condições inadequadas de higiene. É relatada ainda a falta de mantimentos básicos para os internos, como papel higiênico e sabonete. Em março, os dois CDPs de Osasco foram interditados, também depois de uma ACP.

Com o bloqueio das unidades de Osasco, a SAP afirma que os presos que seriam destinados a essa cidade passaram a ser enviados para São Bernardo. A Pasta diz, entretanto, que a medida é emergencial e temporária.

Para aliviar o deficit de vagas, a SAP afirma que estão sendo construídas dez unidades penais no Interior. Ainda de acordo com a Pasta, “estão em andamento os trâmites para a realização de licitações visando a construção de 12 CDPs” em todo o Estado.

A Secretaria reforça que, para melhorar a assistência judiciária aos presos provisórios, “há muito tempo vem solicitando à Defensoria Pública a designação de defensores para atuarem nessas unidades. O ideal seria que em cada CDP, por onde os presos entram no sistema penitenciário, houvesse um defensor público, para acompanhamento da situação processual do preso, a partir da data da prisão, e não somente depois de condenado”, detalha.  




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