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Suassuna: o adeus do
apaixonado pela vida

Aos 87 anos, escritor e dramaturgo morre
em hospital de Recife após sofrer um AVC

Por Evaldo Novelini
Do Diário do Grande ABC
24/07/2014 | 08:59
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Ricardo Trida/DGABC


Ariano Vilar Suassuna, escritor e dramaturgo paraibano que morreu ontem aos 87 anos, julgava-se incumbido da defesa da cultura e da arte brasileiras. “Criei a história de que foi o povo brasileiro que me deu a missão”, contou ele em aula-espetáculo no Teatro Municipal de Santo André, em 8 de junho de 2013.

Professor desde os 17 anos, era por meio dessas aulas que advogava em nome da produção cultural brasileira. Ministrou a última delas na sexta-feira, no Festival de Inverno de Garanhuns, três dias antes de sofrer o AVC (acidente vascular cerebral) que resultaria na sua morte, ocorrida na UTI do Hospital Real Português, no Recife, Pernambuco.

Autor de obras clássicas da literatura brasileira, como o Auto da Compadecida (1955) e O Santo e a Porca (1957), Suassuna criou o Movimento Armorial, cujo objetivo era desenvolver arte erudita a partir de elementos da cultura popular nordestina.

Para defender a legítima cultura brasileira, não se limitou à literatura. Em Pernambuco, onde morava, criou o Circo da Onça Malhada, espetáculo que levava arte popular para as cidades do Estado. No palco, Suassuna fazia as vezes de palhaço, arrancando gargalhadas da plateia com suas histórias.

Sua defesa dos valores nacionais estendia-se à própria roupa. Inspirado no líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), que deixou de vestir ternos ingleses e optou pelas peças feitas por artesãs que pertenciam às classes mais pobres da Índia, Suassuna fez o mesmo.

Eleito para a cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras em 3 de agosto de 1989, o paraibano dispensou os serviços do alfaiate exclusivo que confecciona os fardões dos imortais e compareceu à cerimônia de posse, seis dias depois, com uma imitação feita pela costureira recifense Edite Minervina. “Os bordados dourados eram do Cicy Ferreira, um carnavalesco”, lembrou o escritor, rindo muito, em sua passagem por Santo André.

Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, capital paraibana, em 16 de junho de 1927. Aos 3 anos, viveu a tragédia que o marcaria para sempre: o assassinato do pai, João Suassuna, em 1930, no calor da revolução que levaria o gaúcho Getúlio Vargas (1882-1954) à Presidência da República.

O trauma fez com que seus primeiros escritos fossem sombrios. A concepção e feitura de Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) iniciaram o efeito catártico, que, ele confessou em entrevista concedida à edição de setembro passado da revista dia-a-dia, do Diário, ainda não ter sido concluído.

“Acho que essa maturidade emocional nunca se atinge. Agora, melhorou um pouco. (A morte do pai) Era um assunto do qual não conseguia nem falar. Depois que escrevi A Pedra do Reino, parece-me que a obra me serviu de catarse. Eu purifiquei-me de alguns demônios e consegui falar mais. Estou a caminho ainda neste processo”, disse.

No processo de superação, a esposa Zélia de Andrade Lima teve papel fundamental. “Até conhecê-la, só escrevia tragédia”, revelou. Estavam casados desde 1957 e ainda se chamavam mutuamente de “amor”. Tiveram seis filhos – o mais velho, Joaquim, suicidou-se em 2010.

Católico fervoroso, era um apaixonado pela vida. Sempre divertia a plateia dizendo que não pretendia morrer. Infelizmente, para a cultura brasileira, a história o contradisse ontem. O velório está sendo realizado no Palácio do Campo das Princesas, sede do Executivo pernambucano. O enterro será hoje.

Legado está em todos os lugares

Marcela Munhoz

Para conhecer e viajar com as histórias de Ariano Suassuna não precisa, necessariamente, abrir as páginas de um livro, embora seja absolutamente prazeroso fazer isso. Suas obras e seus personagens emblemáticos estão espalhados por aí, nas peças de teatro, cinema e televisão.

Os engraçados e companheiros João Grilo e Chicó, de Auto da Compadecida (1955), ganharam até página no Facebook. Os seguidores compartilham incessantemente as frases da dupla, que ficou conhecida do grande público após a adaptação da obra para os palcos – cuja, primeira encenação foi em 1956, no Recife – TV e cinema. Nas telinhas, os personagens ganharam vida com as interpretações de Matheus Nachtergaele, como João Grilo, e Selton Mello, como Chicó.

TAMBÉM NA PONTA DOS PÉS

As histórias de Suassuna também já inspiraram os bailarinos da Cia de Danças de Diadema. O espetáculo Crendices... Quem Disse?, concebido por Ana Botosso em 2007, busca traduzir o apego às crenças populares no nosso cotidiano.

A diretora leu romances, especialmente Pedra do Reino, e destacou passagens em sua adaptação. “O que mais chamou minha atenção foi a diversidade de compreensão das coisas da vida; credos que cada um toma para si. A ideia de ter liberdade, de crer naquilo que se quer, me encantou”.

A coreógrafa também fez questão de elogiar Auto da Compadecida. “Trouxe a identidade do povo de maneira peculiar e com muita propriedade, sem ser caricato, sem ser chato.”  




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