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Bairro Prosperidade abriga marcenaria e habitantes solidários

Shoshima, de 60 anos, mantém o espaço, onde o pai criou os 12 filhos, fazendo móveis

Por Yara Ferraz
do Diário do Grande ABC
19/07/2014 | 07:07
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Nario Barbosa/DGABC


Tradicional bairro de São Caetano, Prosperidade pertenceu a Santo André até 1967, quando um plebiscito definiu que a localidade fosse anexada município.

Apesar de abrigar empresas importantes para a cidade, como a General Motors e a Gerdau, e de pequenos galpões, o bairro é predominantemente residencial. Foi lá que os 12 filhos da família Shoshima foram criados.

O patriarca da família japonesa, Yoshio Shoshima, chegou ao Brasil em 1926 e casou-se com Haruko Obo sete anos depois. Após morarem um tempo no município de Paraguaçu Paulista, foram para Prosperidade em 1956.

Lá eles abriram a ‘Lavanderia Prosperidade’, de onde o pai tirava o sustento da família. Ele morreu em 1988, e os filhos mantiveram o estabelecimento ativo até 2004.

Hoje o espaço ainda está conservado e é administrado pelo filho que tem o mesmo nome do pai, Yoshikane Shoshima, 60 anos. O professor mantém uma marcenaria, porém não comercializa nenhum dos móveis.

“Faço por hobby mesmo. As pessoas me dão a madeira e como eu tenho as ferramentas desenho os móveis e faço. Essa cozinha que estou fazendo, por exemplo, é para um sobrinho que vai casar”, contou.

SOB MEDIDA - Mesmo sendo uma atividade para passar o tempo, Shoshima – que é engenheiro aposentado e atualmente professor de sistemas automotivos no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) do bairro Ipiranga –, faz móveis planejados que são medidos rigorosamente de acordo com o espaço. Ele conta com a ajuda da mulher Geralda Shoshima, 61 anos.

“Antes ele fazia isso lá em casa, mas a bagunça e a poeira eram enormes. Aí eu falei para ele despachar a bagunça e ele veio fazer aqui. E eu venho também para ajudar”, disse.

Além de já ter presenteado quatro sobrinhos, quem passa por alguma necessidade no bairro também é ajudado por Shoshima. “Se alguém chega e me fala que está precisando de uma cadeira, eu venho até aqui e faço. Já fiz mesa, cama, armário e cômodas porque me pediram.”

Porém ele não quer nem ouvir falar em pagamento. “É só um hobby, eu não faço isso para me manter, é uma distração mesmo. Não é nada profissional”, garante.

Atualmente o imóvel pertence a quatro irmãos, já que foi uma opção dos 12 deixar para quem tinha mais necessidade. Porém, quem mantém é Yoshikane, que também paga água e luz do patrimônio. “Nossos pais deixaram aquilo de herança. Lá é o patrimônio da nossa família.”


Amor pelo local é declarado por todos

A maioria dos moradores da Prosperidade não pensa em sair de lá. A aposentada Elza Aparecida Faria Majores, 65 anos, mora no bairro desde 1966 e já passou por duas enchentes. Mesmo assim declara seu amor pelo local.
“Eu perdi tudo na casa antiga que eu morava, até as fotos. E passei por essa situação duas vezes. Na década de 1980 sofríamos muito com isso por aqui, mas o bairro todo se conhecia, nós éramos muito solidários. Isso nunca me desmotivou. Foi aqui que eu criei a minha família e só pretendo sair daqui para o cemitério”, disse.

O mesmo pensamento tem o aposentado Alcides Beraldo, 73 anos. A família dele chegou no bairro em 1930 para morar numa chácara, porque criavam gado. Atualmente, a mãe de Alcides, Isaura Beraldo, é a moradora mais idosa da Prosperidade, com 96 anos.

“Toda a minha família sempre teve muito amor pelo bairro. Inclusive o meu avó trouxe de Portugal uma imagem de Nossa Senhora de Fátima para presentear a igreja”, contou.

Foi na mesma igreja que Beraldo casou com a mulher, que era sua vizinha, Emília do Nascimento Beraldo, 66 anos. “Não pensamos em sair daqui. Temos nossa casa com quintal e não gostamos de apartamento. O bairro já não é mais o mesmo, com esses galpões e caminhões circulando, mas é aqui que vamos ficar até partirmos para o outro lado”, garantiu Beraldo.


Zé da Rifa recicla lixo e leva alegria

Passando pelas ruas da Prosperidade não é difícil encontrar o Zé da Rifa dirigindo sua bicicleta e pegando papelão e latinhas nas ruas. O morador José Sebastião Castilho Nobre, 68 anos, é conhecido e querido por todas as famílias.

O apelido vem das rifas que ele vendia nos bares da cidade. “Ele passava de um lugar para outro, vendendo e gastando o dinheiro. Acompanhando aquilo, eu e alguns amigos nos sensibilizamos e resolvemos comprar uma bicicleta para ele e mais duas pessoas em situação parecida. Hoje, cinco anos depois, o Zé é o único que segue firme no trabalho de reciclagem”, contou o empresário e ator Ronny Guimarães, 47 anos.

Zé não esconde a felicidade com a ocupação. “Por dia eu pego uns 60 kilos de papelão, latinhas e garrafas pet. Tiro R$ 30. Mas nada paga o que eu sinto todos os dias: ser útil para o meu bairro e o planeta.”

Um ‘concorrente’ do Zé da Rifa é o aposentado Carlos Alberto de José Polaco, conhecido como Carlão. Ele está sempre atrás de latinhas por causa dos anéis de lata. A sua meta é chegar a 100 mil. “Por enquanto eu tenho 60 mil, mas quero atingir esse objetivo para trocar por uma cadeira de rodas que vou dar para quem precisa”, disse, sem saber se de fato é real a história de que é possível realizar a troca.


Igreja de Nossa Senhora foi construída pela população

A igreja que homenageia Nossa Senhora da Prosperidade é o cartão postal do bairro. Toda a construção da estrutura da igreja foi feita pelos moradores.

A imagem principal do templo foi levada por dois moradores e benta pelo Papa Pio XII, em 1951. Os moradores começaram a levá-la de casa em casa para rezar o terço, até levantar fundos para a construção do templo, no ano seguinte.

O aposentado José Getúlio dos Santos Filho, 73 anos, mora no bairro e frequenta a igreja desde 1964. “Quando eu cheguei a igreja já estava pronta, mas eu achei que faltava um espaço para o velório. E assim nós construímos com a ajuda de todos.”

O aposentado Alcides Dal Col, 71 anos, também tem o espaço como principal local de atividade no bairro. “Comecei a participar das missas e hoje sou responsável pela parte litúrgica.”  




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