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Matrículas na EJA têm
queda de 80,7% na década

Especialistas dizem que cabe aos governos a
tarefa de ampliar vagas e atrair os estudantes

Por Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
21/04/2014 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


O número de matrículas na EJA (Educação de Jovens e Adultos) no Grande ABC teve queda de 80,77% na última década. Dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que enquanto em 2003 havia 135,7 mil pessoas matriculadas, em 2013 o número passou para 26,1 mil. Mesmo assim, em média 30% da população ainda não têm Ensino Fundamental completo (1º ao 9º ano) – cerca de 805,9 mil pessoas nas sete cidades.

Embora os índices de analfabetismo da região estejam abaixo da média nacional – 0,38% da população (66 mil pessoas), enquanto no País são 9,8% –, ainda é preciso avançar na escolarização de jovens e adultos, segundo especialistas ouvidos pelo Diário. Além de ser direito do cidadão, a Educação é tida como principal instrumento de inclusão. Segundo eles, cabe aos governos, seja estadual ou municipal, a tarefa de ampliar a oferta de vagas e desenvolver estratégias para atingir a população sem acesso à escola.

A rede com maior número de matriculados na EJA é a de São Bernardo, com 7.600 matrículas em 2013. Há dez anos, entretanto, havia 41 mil pessoas inscritas nesta etapa do conhecimento. Em contrapartida, em Rio Grande da Serra havia apenas 197 alunos na EJA no ano passado, número 87,9% menor que o registrado em 2003.

A queda nas matrículas pode ser explicada pela tendência de que os jovens passem a aderir ao ensino regular, ou ainda à falta de flexibilidade de horários para atendimento do público da EJA, destaca a professora de Educação da FSA (Fundação Santo André) Marilena Nakano. “Antigamente havia atendimento da população em turnos para beneficiar os trabalhadores. É preciso pensar em outras estruturas para garantir esse direito da população”, considera.

Na visão da professora do curso de Pedagogia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Mariângela Graciano, a EJA é necessária para que as pessoas tenham acesso a outros direitos. Por isso, cabe aos gestores públicos pensar um currículo específico para o ensino, fazer levantamento da demanda e chamamento público para atingir as pessoas que estão longe dos bancos escolares.

“Não sabemos se todos que procuram a EJA são atendidos porque não temos o registro da demanda. Além disso, é preciso considerar que estas pessoas não podem receber a mesma aula que é dada a uma criança porque isso pode desmotivar”, afirma Mariângela. Segundo a especialista, a formação específica de docentes para atuar nesta etapa de ensino é outra necessidade. “Levantamento realizado em 2005 pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) mostra que apenas 1,6% dos cursos de Pedagogia do País tem habilitação específica para a EJA”, comenta.

A responsável pela etapa na Secretaria Estadual da Educação, Mertila Larcher de Moraes, considera que a queda no número de matrículas na EJA pode ser resultado do atendimento dos jovens no ensino regular e opção dos estudantes por outras modalidades, como os supletivos, o Enceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), exame do Inep para aferição de competências e certificação do Ensino Fundamental ou Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que certifica a conclusão da última etapa de ensino.

POBREZA

Marilena chama atenção para os bolsões de pobreza escondidos dentro de índices considerados aceitos, como é o caso de Santo André. Estudo feito pela especialista mostra que a cidade que detém o 14º IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do País tem apenas 4% de analfabetos, no entanto, há núcleos que concentram 16% dos moradores sem saber ler nem escrever em regiões como Sítio dos Vianas, Jardim Irene e Cata Preta, por exemplo. “Não podemos tratar apenas como números. Isso sem falar do analfabetismo funcional, que também é um problema grave.”

Retorno aos estudos traz vida nova

A expectativa de melhoria de vida, em especial da posição no mercado de trabalho, foi um dos principais motivadores para que o comerciante Joberto Ramos Dias, 55 anos, retomasse os estudos após 40 anos. O aluno do 8º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Vicente Bastos, em São Caetano, precisou abandonar a sala de aula aos 12 anos, quando cursava o 5º ano, para trabalhar.

O retorno de Dias aos bancos escolares se deu também como forma de incentivar o filho mais novo a estudar, confessa o vencedor em 2013 da categoria EJA do Desafio de Redação, concurso literário promovido pelo Diário e que premia textos de estudantes da região. “Meu filho acabou abandonando os estudos e tomei gosto pelas letras”, destaca. Tanto que os planos do morador de São Caetano não param após a conclusão do Ensino Médio. “Estou até pensando em cursar Jornalismo”, revela.

A história de Dias é comum na EJA, garante a coordenadora da modalidade de ensino em São Caetano, Mara Aparecida Covas Lage. “Em geral, nossos alunos são pessoas que abandonaram os estudos para trabalhar, por isso, precisam ser muito incentivados para não desistir em virtude do emprego, cansaço ou problemas familiares”, comenta.

Segundo Mara, que já lecionou para turmas de EJA por 14 anos e está há oito à frente da coordenação, a volta para a escola pode representar retomada de projetos de vida que foram deixados de lado. “Ler e escrever é o mínimo para que as pessoas se sintam inseridas na sociedade.”

Para o autônomo Marcelo Luiz Alves, 44, sua vida poderia estar melhor caso tivesse concluído os estudos. “Acabei perdendo oportunidades de emprego por ter parado de estudar no 5º ano do Ensino Fundamental”, explica. Assim como muitos companheiros de sala, a família não tinha condições de mantê-lo na escola.

Desde o segundo semestre de 2013 ele voltou a frequentar as aulas na EJA e hoje cursa o 7º ano. “Demorei quase um ano para voltar de vez porque antes não conseguia conciliar com o trabalho, mas agora estou animado para terminar e até fazer faculdade”, diz.

Para gestores, é difícil alcançar público

Localizar e realizar trabalho de convencimento junto ao público que precisa concluir os estudos por meio da EJA (Educação de Jovens e Adultos) ainda é um desafio para gestores públicos. Em geral, as prefeituras e o governo do Estado trabalham com campanhas de divulgação para ampliar o serviço.

O secretário de Educação de Santo André, Gilmar Silvério, destaca que a cidade vem investindo em campanhas para ampliar os números na EJA desde 2013. “Ainda temos 15 mil analfabetos no município e um grande desafio, porque é uma população resistente. Mas conseguimos avançar e quase triplicamos o número de matrículas na rede municipal no último ano.”

Em Mauá, a administração considera que a existência de censo regional seria instrumento importante para localizar o público alvo. Além disso, a Prefeitura informou apostar nas ações intersecretarias para divulgação das vagas na EJA. Além de transmissão por carro de som, são feitos contatos com instituições religiosas e assistenciais, no CPTR (Centro Público de Trabalho e Renda) e na rede de Educação.

Já Diadema destaca que a principal dificuldade não é chegar até o aluno, mas sim o trabalho de convencimento da população, especialmente em relação às pessoas com faixa etária acima de 28 anos. Isso porque esse público geralmente alega ter menos tempo para os estudos por conta das tarefas do dia a dia.

A responsável pela EJA na Secretaria Estadual da Educação, Mertila Larcher de Moraes, comenta que apesar de atualmente ser observada juvenilização da modalidade de ensino, 50% da população que retorna aos bancos escolares permaneceu média de oito a 11 anos fora da escola. “Esse público geralmente tem tempo reduzido porque enfrenta tripla jornada”, enfatiza.

POPULAÇÃO CARCERÁRIA

De acordo com a professora do curso de Pedagogia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Mariângela Graciano, 60% dos presos do Estado não concluíram o Ensino Fundamental. Com isso, fica clara a necessidade de se pensar naqueles que perderam a liberdade, segundo ela. Em 2013, 42 presos dos CDPs (Centros de Detenção Provisória) de Mauá e Diadema concluíram a EJA, de acordo com a Secretaria Estadual da Educação. 




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