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Isto o papel não conta

Há muitos e muitos anos, o grupo de parlamentares especializados em malfeitos da Assembleia paulista era conhecido como ‘turma da pesada'.

Carlos Brickmann
21/03/2012 | 00:00
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Há muitos e muitos anos, o grupo de parlamentares especializados em malfeitos da Assembleia paulista era conhecido como ‘turma da pesada'. Seu líder, um simpático deputado do Interior, certa vez apresentou um projeto contrário aos interesses do governo. O governo apresentou seus argumentos. Na hora de votar, o deputado votou contra. E explicou a quem perguntava por que votara contra seu próprio projeto: "Eu assinei, mas não falei. E comigo o que vale é a palavra". As histórias, como as ondas do mar, vão e vêm. O professor Vicente Rao contava que as anedotas sobre a inteligência do presidente Costa e Silva tinham sido usadas também na época do presidente Hermes da Fonseca, mais de meio século antes. E José Serra traz de novo a história do valor da assinatura: ele assinou um documento dizendo que, se eleito em 2006, não renunciaria à Prefeitura paulistana. Foi eleito e renunciou em 2008. Candidato de novo, diz que não assinou nenhum documento em cartório. Apenas assinou um papel que não valia nada.

Pois é: um ‘papelzinho' com sua assinatura não vale nada - a não ser, talvez, que seja registrado em cartório, com firma reconhecida, autenticação, três vias, selos e carimbos em profusão. E renunciar nem seria pecado mortal: a política assim o exigiu e o eleitorado aprovou sua decisão, elegendo-o governador. Mas desfazer de um papel que assinou é, isso sim, pecado grave.

Houve tempo em que a palavra era suficiente. Os antigos citavam o fio de bigode. Serra não usa bigode, não tem cabelos nem na cabeça, mas não é mudo.

THOR...

Thor é filho de Eike Batista, um homem extremamente rico; dirigia um carro exclusivo, de altíssimo preço, uma Mercedes McLaren; chocou-se com uma bicicleta e, no acidente, morreu o ciclista, rapaz pobre da Baixada Fluminense. Isso foi suficiente para desencadear uma pesada campanha que visava, antes de qualquer investigação, transformar o rico em culpado (e, se acabar sendo inocentado, será porque rico nunca é punido e tem bons advogados). Está errado: neste estágio das investigações, não se sabe quem é o culpado. E Thor vem se comportando corretamente: hoje, por exemplo, promete dar entrevista após seu depoimento.

 ...E SEU MARTELO

Mas há algumas coisas erradas nessa história. Com a quantidade de multas por excesso de velocidade que colecionou, Thor Batista não deveria sequer ter recebido a carta definitiva de motorista. Recebeu. Pelos pontos acumulados, deveria ter tido a carta suspensa. Não teve. Jovem, com dois anos de experiência como motorista, não deveria usar um carro ultrapotente, capaz de atingir mais de 300 km/h - e esses carros aceleram com tal suavidade e rapidez que muitas vezes enganam motoristas experientes. Dirigir um carro cujas características exigem habilidade superior à prevista em lei não é crime, mas é imprudência. E, citando o colunista Cláudio Humberto (www.claudiohumberto.com.br), sempre agudo, ‘pelo estrago no carro de Thor Batista, que atropelou e matou o ciclista, um dos dois estava em alta velocidade'.

O PROMOTOR E SEU AMIGO

O senador Demóstenes Torres, do DEM goiano, não soube escolher seus amigos quando era promotor (ou, o que seria muito pior, soube). Promotor não deve ser amigo de contraventor, e Demóstenes é amigo de Carlinhos Cachoeira, contraventor e pivô multipartidário do início do Mensalão. Torres tinha o telefone secreto de Cachoeira, que o auxiliou na campanha e que, em seu casamento, deu-lhe uma cozinha made in USA - dizem que igual à que existe na Casa Branca. O Senado acolheu muito bem a defesa de Demóstenes Torres, mas não se sabe quanto deste apoio ficará de pé quando for revelado pela PF o conteúdo do computador de Cachoeira.

TEMPOS E COSTUMES

Polícia é polícia, bandido é bandido, dizia com precisão o bandido Lúcio Flávio Villar Lírio. Quem trabalha com Justiça deve saber quem são seus amigos. Este colunista é do tempo em que ser amigo de um juiz ou promotor era atestado de boa conduta. Não aceitavam nem carona. O tempo passa, o tempo voa.




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