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Temer aciona Forças Armadas contra bloqueios em rodovias

Porém, caminhoneiros decidem manter paralisação até anúncio de corte no diesel

Flavia Kurotori
Especial para o Diário
26/05/2018 | 08:41
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André Henriques


O presidente Michel Temer (MDB) anunciou, no início da tarde de ontem, o acionamento das Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea) para o desbloqueio das estradas que contam com paralisação de caminhoneiros. A greve atinge todos os Estados do País e o Distrito Federal há cinco dias. Na região, desde quarta-feira a categoria ocupa duas faixas do Rodoanel em ambos sentidos.

O decreto, publicado em edição extraordinária do Diário Oficial da União, visa reforçar ações federais e estaduais para assegurar a distribuição de combustível nos pontos críticos, realizar a escolta de comboios e a proteção de infraestruturas críticas, além da desobstrução de vias e acessos às refinarias, bases de distribuição de combustíveis e áreas essenciais – com prioridade àquelas que ligam os aeroportos, informou o Ministério da Defesa, em nota.

A AGU (Advocacia-Geral da União) obteve ontem no STF (Supremo Tribunal Federal), liminar para desbloqueio imediato de todas rodovias federais e estaduais, inclusive acostamentos. A multa por descumprimento é de R$ 100 mil por hora às entidades responsáveis. Os manifestantes também podem ser responsabilizados solidariamente com multa no valor de R$ 10 mil.

A decisão do ministro Alexandre Morais atende ao pedido da AGU de suspender liminares contrárias aos pleitos movidos pela União para garantir a livre circulação nas rodovias e a adoção de “todas as providências cabíveis e necessárias”, inclusive com o uso da Polícia Rodoviária, das polícias militares e da Força Nacional de Segurança Pública – tropa que atua em situações de emergência e calamidade pública, cujo modelo é inspirado nas Forças de Paz da ONU (Organização das Nações Unidas).

O governador do Estado de São Paulo, Márcio França (PSB), determinou ao secretário de Segurança, Mágino Alves, que acione imediatamente a Polícia Rodoviária para aplicar multas em todos os veículos que estacionem em fila dupla nas estradas paulistas ou que promovam bloqueios, impedindo a livre circulação.

Para quem organiza bloqueios a legislação prevê multas de até R$ 17.608,20. Para os que interrompem a circulação nas vias, R$ 5.869,40. Em todos os casos as penalidades são gravíssimas e implicam remoção do veículo e processo de suspensão da habilitação por 12 meses.

Mesmo diante do cenário, os motoristas garantiram que irão manter a paralisação até que seja anunciada redução efetiva no preço do diesel. “Vamos nos manter firmes e fortes”, afirmou o caminhoneiro Leandro Pereira, 33 anos, que participa do protesto no Rodoanel, onde o número de veículos estacionados aumentou cerca de 40% desde o primeiro dia, para quase 900 veículos.

“Nós não queremos bater de frente com o governo, só queremos que um corte no preço do diesel seja suficiente para levarmos pão para casa”, completou o caminhoneiro Alexandre Moraes da Silva, 37, que faz parte de bloqueio no centro de distribuição de combustíveis Ipiranga, em Santo André. Do local saíram caminhões-tanque para abastecer viaturas policiais da região. “Abrimos exceção para abastecimento em casos de emergência, como veículos dos bombeiros, resgate, Polícia Civil e a GCM de Diadema”, relatou.

Na quinta-feira, o governo divulgou acordo com representantes do setor que determinava trégua de 15 dias na greve para negociação acerca dos cortes no preço do diesel. Entre os pontos, o principal é a redução de 10% no valor do combustível nas refinarias por 30 dias, sendo o custo da primeira quinzena de responsabilidade da Petrobras e o do período seguinte, da União. O ciclo seria repetido até dezembro. Entretanto, a minuta não é considerada eficiente pelo setor. “É migalha”, disse Pereira.

“Esse acordo não resolve porque não é suficiente cortar apenas 10% (o equivalente a R$ 0,20)”, assegurou Wagner de Souza, presidente do Regran (Sindicato do Comércio Varejista de Derivados Petróleo do ABCDMRR). “É preciso diminuir impostos federais (PIS/Cofins e Cide) e estadual (ICMS). Não é necessário zerá-los, mas reduzir suas alíquotas, além de alterar a política de preços da Petrobras, que é muito agressiva”, defendeu. 

SOLIDÁRIO
Em solidariedade à greve dos caminhoneiros, 144 vans escolares realizaram carreata em Santo André na manhã de ontem. “Muitos profissionais só teriam combustível até hoje, outros, até segunda-feira. Resolvemos protestar antes que ficássemos sem diesel, para mostrar que somos a favor dessa luta tanto quanto os caminhoneiros”, disse Lucas Andrade da Silva, um dos líderes do ato. “Estamos pagando para trabalhar e o aumento deve ser repassado aos pais dos alunos.”

Especialista vê abuso em medida para coibir ato pacífico

A utilização das Forças Armadas para encerrar o protesto é legal quando comprovado fim dos recursos da Segurança Pública, explica David de Siena, professor da escola de Direito e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano). “Ou seja, quando as polícias não possuem mais condições de lidar com a situação, neste caso, a manifestação, sendo um recurso emergencial.”

Siena observa que a legislação permite livre manifestação pacífica, assim, usar as Forças Armadas para coibir este direito não é permitido. “Mesmo no caso das liminares (que proíbem bloqueio de vias federais)</CF>, cabe aos tribunais determinar se é necessário o uso de força para que a decisão seja cumprida”, diz. “Este pode ser um ato com viés político e não de real necessidade.”

Caso a situação esteja fora do controle, o professor ressalta que saída é reunir todas as forças policiais com a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) antes de convocar as Forças Armadas. Em contrapartida, o Ministério da Defesa assegura que tais ações têm objetivo de “evitar prejuízos à sociedade de forma rápida, enérgica e integrada”.


Serviços das prefeituras são afetados; batata dispara 180%

A greve continua impactando serviços municipais. Em Santo André, a frota de ônibus segue reduzida em 65% até amanhã e a coleta de lixo será encurtada. Em São Bernardo, a Balsa João Basso, no Riacho Grande, só sairá com capacidade completa, o que ocasionará aumento no tempo na travessia. Em Ribeirão Pires, todos os setores já estão comprometidos, e serão priorizados atendimentos essenciais, como os da Guarda Civil Municipal. Na Saúde, apenas remoções de extrema urgência estão sendo realizadas. Em São Caetano, as remoções sociais, que levam munícipes para fazer exames médicos, estarão suspensas neste fim de semana, e a coleta ambulatorial de sangue estará suspensa a partir de segunda-feira. Em Mauá, o transporte público opera de modo reduzido.

Quanto ao abastecimento de alimentos, na Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André) quase a metade das entregas está atrasada, já não há mais uva nem maçã, e os preços dos produtos estão até 40% maiores.

Os reflexos, por sua vez, têm sido sentidos nos supermercados. O preço do quilo da batata disparou 180% em três dias, ao passar de R$ 2,49 a R$ 6,98 no supermercado Nagumo, em Santo André. A cebola, em 24 horas subiu 33,4%, de R$ 5,98 a R$ 7,98. “Vim até o mercado com a intenção de abastecer a geladeira. Estava pensando em levar batata e cebola, mas não tem condição”, disse a vendedora Amanda Domingues, 32 anos.

Apesar da alta nos preços, o encarregado geral do Nagumo da Vila Alzira, Edilson dos Reis Silva, garantiu que há estoque para 15 dias. “Nossa rede conta com centro de distribuição grande e, caso a paralisação persista, podemos acioná-lo para repor o que for urgente.”

COMBUSTÍVEIS
Em um dos únicos postos que ainda mantinham estoque de gasolina e etanol na região, na Avenida Prestes Maia, em Santo André, a fila era grande. Segundo o gerente Edilson Vasconcelos, o estabelecimento só teria combustível até as 20h de ontem. Motoristas aguardavam até duas horas na fila para desembolsar R$ 4,29 no litro da gasolina ou R$ 2,69 o litro do etanol.

“Desde ontem (quinta-feira) procurava lugar para abastecer em São Caetano e não encontrava”, disse a autônoma Valéria Rocha, 50, que iria desembolsar R$ 200 para encher o tanque do carro. 
 

(Colaboraram André Henriques, Daniel Tossato, Kelly Zucatelli e Soraia Abreu Pedrozo)





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