Política Titulo 60 anos em entrevistas
‘O basquete perdeu suas referências’
Por Anderson Fattori
Do Diário do Grande ABC
24/04/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Seis meses foram precisos para Janeth trocar o vôlei pelo basquete. O tempo mostrou que a decisão foi acertada. Versátil, participou da melhor geração do Brasil e, com Hortência e Paula, ganhou o Mundial de 1994 e a prata em Atenas-1996. Sem as companheiras, foi bronze em Sydney-2000. Teve o nome eternizado no Hall da Fama do basquete depois de fazer história ao conquistar quatro vezes a WNBA (1997, 1998, 1999 e 2000).

Aposentou -se em 2007, mas, antes disso, em 2002, criou em Santo André, cidade que escolheu para jogar e viver, o Instituto Janeth Arcain, que dá oportunidade para os jovens conhecerem e se aprofundar no basquete.

Janeth Arcain e o Diário
Assim que chegou para jogar em Santo André, em 1995, já como campeã mundial, Janeth foi retratada nas páginas do Diário com grande destaque pelo que representava para o basquete feminino. Desde então, permanece como figura carimbada nas páginas do caderno de Esportes. Ela mesmo assume que guarda as mais diversas reportagens nas quais aparece como protagonista. “O Diário sempre foi muito importante para a minha carreira e para o basquete feminino, principalmente para o time de Santo André. Tenho vários recortes guardados e esse reconhecimento me deixa muito feliz”, comentou.

A senhora se destacou no basquete, mas o que pouca gente sabe é que seu início no esporte foi no vôlei. Como foi isso?
Morava no Bom Retiro (bairro de São Paulo), que era próximo ao Corinthians, não tinha encontrado escolinha de basquete e o técnico falou para eu jogar vôlei porque era alta. Tinha 13 anos. Em fevereiro iniciei na modalidade, mas em agosto, quando terminou o campeonato, avisei que queria ir para o basquete. Tinha visto Campeonato Mundial do Brasil (em 1983) pela televisão e minha professora de Educação Física me levou para Catanduva, onde morei e fui federada. Nesse mesmo ano tivemos as finais do Campeonato Paulista e fomos enfrentar Jundiaí. Ganhamos e fui eleita a melhor jogadora. Tudo no mesmo ano. Imagina, comecei no vôlei, em seis meses fui para o basquete e era a melhor jogadora mirim de 1983. O sonho começou a se realizar.

Em quem se espelhava?
Em várias jogadoras, mas principalmente na Hortência e na Paula. O Oscar (Schmidt) também foi uma das minhas principais referências.

Como foi o primeiro contato que teve com elas?
Em três anos de basquete eu já estava na Seleção Brasileira, com 16 anos. Foi muito interessante, pensava assim: ‘Estou aqui com elas, que via pela televisão’. Levei bolada na cara de ficar abobalhada admirando as jogadas e isso foi me empolgando. Depois vieram os títulos, mas aprendi muitas coisas com elas, em termos de liderança, de controle emocional, fui vendo e aprendendo.

Quando chegou à Seleção o Brasil se manteve em alto nível por mais de dez anos. O que se lembra desse período?
A conquista mais marcante foi a prata na Olimpíada de Atlanta-1996. Todo mundo fala do Mundial (1994), mas subir no pódio olímpico é sensação incrível, não dá para descrever a emoção, o tanto que chorei naquele dia, só não sei se de alegria ou tristeza por ter perdido a final (para os Estados Unidos, por 111 a 87), mas foi o momento mais marcante.

Quando chegou à Seleção, a Hortência e a Paula estavam no auge, mas após sua entrada o time se tornou vitorioso. Assim que avalia?
A Hortência fala em suas palestras que depois que apareci o Brasil conquistou títulos. Era a peça que faltava. Me sinto lisonjeada de ouvir isso dela, que para mim foi a melhor jogadora de todos os tempos.

Nesta mesma época desembarcou em Santo André. De quem foi o convite?
Estava em Sorocaba e a Laís (Elena, ex-treinadora) me chamou para vir. Santo André conquistou vários títulos, lotávamos o Dell’Antonia. Lembro que em 1997, quando fui para a WNBA (liga norte-americana) fizemos jogo de despedida contra time da Hortência com o ginásio lotado. Foi bacana.

Como surgiu esse convite para jogar a WNBA?
Foi depois de Atlanta-1996. Fui muito bem na Olimpíada e eles me chamaram. Não queria nem saber a cidade que iria, o time, quanto iria ganhar ou deixar de ganhar, queria estar lá realizando esse sonho.

Caiu no Houston Comets, que veio a se tornar tetracampeão da WNBA. Foi mais do que um sonho?
Lá foi onde me realizei por completo como atleta. Tive reconhecimento internacional, fui tetracampeã, superei os obstáculos tanto da língua como da cultura, consegui equilibrar o lado emocional do brasileiro com o racional do norte-americano, tive o desafio de jogar de armadora – sempre fui ala e pivô no início da carreira.

Qual foi o melhor momento?
O nível técnico era imenso, era como se todo jogo fosse uma final de Mundial. Senti na pele o ditado de matar um leão por dia. Era desafio, principalmente em 2000, quando atuei como armadora, posição nova, de comando, nos Estados Unidos. Tinha a Sheryl Swoopes de um lado, a Cynthia Cooper do outro, de pivô a Tina Thompson, e eu comandando esse time. Foi uma credibilidade que o técnico me passou e por isso digo que 2000 foi o melhor ano de todos.

Sua adaptação ao basquete norte-americano foi tranquila ou sofreu preconceito?
Tive sim preconceito por ser sul-americana, mas o respeito que fui adquirindo em cada treino me fez conquistar o norte-americano, tanto que em 2001 fui a segunda jogadora mais votada para disputar o All-Star Game. Isso demonstrou o respeito. Se me chamaram é porque eu tinha condições e não abaixei a cabeça.

Em algum momento pensou em desistir?
Sim. Teve hora que pensava se era para estar lá. Quando fui estava preparada para os desafios de estar fora de casa, do meu País, onde ninguém falava minha língua, então sabia que teria de matar um leão por dia. Tinha jogos que elas não me passavam a bola e eu também não devolvia. Assim que fui adquirindo respeito. Sempre gostei muito de treinar. Sempre dei 100%. Nunca fui para a quadra para dar migué.

Em 2000, já sem Hortência e Paula, recaiu sobre seus ombros a responsabilidade de conduzir a Seleção na Olimpíada de Sydney. Como foi esse momento?
Foi um desafio que consegui dividir com a equipe. A cobrança era muito grande para cima de mim, parecia que eu fazia esporte individual. Conversamos muito, todos os dias, foi um modo de dividir a responsabilidade para que cada uma fizesse o melhor. Com isso conquistamos o bronze e tirei peso enorme das costas.

Depois dessa Olimpíada faltou renovação. Por que o Brasil não conseguiu gerar outras jogadoras como Hortência, Paula e Janeth?
Faltou trabalho de base. Faltaram campeonatos nacionais fortes e participar de sul-americanos. Isso gerou essa lacuna. Perdemos as referências, mesmo tendo outras meninas que vieram depois, não teve continuidade. Até hoje estamos procurando essa referência para que o Brasil volte a ter alguém que consiga decidir, liderar e comandar a Seleção Brasileira, mas isso é a longo prazo.

Em pouco mais de dez anos o Brasil deixou de ser uma potência para ficar fora do campeonato mundial. Isso te chateia?
Sim, porque foi a modalidade que me projetou. Uma das ideias de eu ter montado o instituto foi justamente de revelar atletas como temos a Damiris. Acho que estamos com outro pensamento. A Liga está se reestruturando, com alicerce muito forte. Quero engrandecer isso com o trabalho que tenho feito, mas demora, não é resultado que se consegue em um ciclo olímpico de quatro anos. É como se tivesse começando o basquete no Brasil.

Sua parte é visitar as escolas das cidades envolvidas na disputa da Liga. Como tem sido a aceitação das crianças?
Todo mundo nasce com um dom, com um talento, e quando você batalha por isso faz acontecer. Isso que a gente leva para as crianças nessas visitas às escolas. Eles têm a mim como última referência de ídolo, apesar de não terem me visto jogar, mas deveriam ter as meninas da cidade, que podem servir de exemplo e chegar mais longe do que cheguei.

Em 2015 a senhora entrou no Hall da Fama do basquete. Como recebeu essa notícia?
Chegou carta dizendo que era uma das indicadas. Quando saiu fiquei mais do que feliz, foi um grande reconhecimento. Foi mais uma realização. Tive os sonhos de ser uma jogadora, de atuar em uma liga profissional nos Estados Unidos e depois fazer parte do Hall da Fama. Acho que o que eu podia conquistar como atleta e ex-atleta eu consegui. Me senti totalmente realizada.

Depois, em 2016, recebeu a indicação para ser a prefeita da Vila Olímpica do Rio e teve muito trabalho...
Quando fui nomeada tiveram todos aqueles problemas e deixei bem claro que não era nada político. Tinha um gerente-geral na Vila. Fui chamada para fazer as cerimônias de boas-vindas aos atletas e às delegações, não para resolver problema de estrutura, que não tem nada a ver com minha parte de ex-atleta. Depois separamos as coisas e funcionou.

Em algum momento se interessou pela política?
Nunca. Já tive convite até para ser vice-prefeita, mas é algo que não me atrai. Acho que tenho outro modo de ajudar, que é por meio do instituto. Política é para quem entende.

Nasceu em Carapicuíba e mora em Santo André desde 1995. Adotou o município?
Vim jogar e gostei muito da cidade. É uma pequena metrópole, gostei, tem tudo, é perto, e decidi ficar aqui. Finquei minha bandeira, montei meu instituto, moro aqui, sou uma cidadã andreense.

A impressão é a de que no Exterior tem mais reconhecimento do que no Brasil. A senhora também vê assim?
Sempre tive esse reconhecimento maior lá fora. Me sinto tranquila quanto a isso. As pessoas que me viram jogar e a intensidade com que defendi a camisa do Brasil me deixam lisonjeada. Reconhecimento, quanto mais, melhor, mas sei que tem pessoas que reconhecem isso. Não acho que precisa ter algo no papel.

Como andreense a senhora acompanhou a evolução do Diário e o espaço que o jornal sempre deu ao basquete. Como avalia a importância dessa parceria?
A partir do momento em que o basquete estava na mídia – e, na minha época, tínhamos muito valor por estarmos na mídia impressa – as pessoas procuravam, liam, viam o que estava acontecendo e marcavam presença no ginásio. O Diário é o maior jornal do nosso Grande ABC e naquela época era ainda mais, sempre foi muito reconhecido. Diria que foi fundamental para o basquete, para que as pessoas se engajassem com a modalidade. Saía muita coisa, tenho reportagens guardadas de quando era destaque no jornal. O Diário foi fundamental para que as pessoas conhecessem mais as jogadoras que estivessem aqui. Quando fundei o instituto, publicamos no jornal, colocamos panfletos, e o Diário apoiou quando colocamos outdoors na cidade para divulgar o projeto, enfim, essa parceria é muito bacana e nesse ponto o jornal foi fundamental.

Como acha que o Diário pode ajudar nesse renascimento do basquete?
Como hoje está tudo muito digital, acho que é importante ter algo no papel para que as pessoas saibam que existe basquete na cidade. Santo André tem um trabalho que conquista títulos. Importante sair no jornal para que as pessoas saibam do trabalho que é feito na cidade.

A senhora tem enorme acervo no instituto. Quem cuida da memória da sua carreira?
Tenho muitos recortes do Diário que guardei de recordação. No instituto tenho meus troféus, ainda não coloquei as medalhas porque não achei um espaço bom para elas, mas a maioria está tudo aqui (no instituto).

Os alunos têm acesso a isso?
Sim, sempre quando eles vêm no instituto fazer a matrícula ou rematrícula eles entram na sala de recordações, olham e depois quando vou ao treino eles me têm como referência. 




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