Política Titulo 60 anos do Diário
'Região tem campo de oportunidades’
Por Vanessa de Oliveira
Diário do Grande ABC
16/04/2018 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Nascido em Damasco, na Síria, Jihad Hassan Hammadeh, 52 anos, chegou ao Brasil em 1973, se estabelecendo em São Bernardo, onde a família buscou mais qualidade de vida.

Clérigo formado pela Universidade Islâmica de Medina, na Arábia Saudita (formação que lhe confere o título de ‘sheik’), é porta-voz da Comunidade Islâmica no Brasil, presidente do Calcee (Centro Árabe Latino de Cultura e Estudos Estratégicos) e vice-presidente da UNI (União Nacional das Entidades Islâmicas). Um dos pontos de sua atuação é o combate à desinformação sobre a cultura islâmica, que leva ao preconceito enfrentado por muitos imigrantes.

Jihad Hassan Hammadeh e o Diário
As reportagens publicadas pelo Diário serviram muitas vezes de fonte de pesquisa para Jihad Hassan Hammadeh, para a realização de trabalhos escolares e também para o aprimoramento da Língua Portuguesa. “Tentava lê-lo para melhorar o meu vocabulário português”, recorda.

Ao tornar-se porta-voz da comunidade islâmica no Brasil, a relação passou a ser como entrevistado, em várias ocasiões. “O que ficou bastante marcado foi a minha foto grande na capa, em entrevista que falava sobre a consultoria que daria para a TV Globo, na novela O Clone.”

Onde o senhor nasceu e em qual data? Em que ano chegou ao Grande ABC e o que lhe trouxe aqui?
Nasci em Damasco, Síria, em 5 de junho de 1965. Cheguei ao Brasil em 1973 e vim morar diretamente em São Bernardo, no Jardim do Mar, com minha mãe e mais duas irmãs e um irmão, todos mais novos do que eu. Meu pai já tinha chegado ao Brasil, já que estava buscando uma qualidade de vida melhor para a família. O quinto irmão nasceu aqui no Brasil.

Com a fixação da família em São Bernardo, como se deu a vida nesse território?
Meu pai trabalhava de mascate, vendendo roupa de cama, mesa e banho de casa em casa, até que conseguiu juntar um pé de meia e abrir uma loja na Capital. Moramos na Rua Mediterrâneo, no Jardim do Mar, e estudamos no colégio estadual Maria Adelaide. Fomos muito bem recebidos, bem tratados, certamente que existiam as brincadeiras porque falávamos o árabe e não entendíamos direito o que estava acontecendo, mas por sermos crianças – eu tinha 7 anos –, foi fácil a adaptação e também a aprender a língua.

Como foi a adaptação e as dificuldades enfrentadas em um local novo?
Os professores e os alunos foram muito solidários e gentis conosco, típico do povo brasileiro. Inclusive, muitos professores vinham nos ajudar na lição de casa para que a gente pudesse melhorar e ir bem nas aulas. Minhas irmãs estudavam junto comigo e usavam o véu, então era algo chamativo, diferente do que as pessoas estavam acostumadas a ver. Então, havia muitas perguntas sobre como era o nosso país, como era a religião, aguçou bastante a curiosidade das pessoas. Mas acredito que as dificuldades maiores eram a questão da língua, o clima, a diferença na comida e também os costumes, mas que, depois, a gente conseguiu assimilar, entender e conviver da melhor forma possível.

São Bernardo tem grande concentração de famílias muçulmanas, principalmente na Vila Euclides, O senhor sabe quantas vivem por lá atualmente? E o que atraiu essas famílias ao bairro, na sua visão?
O número de famílias muçulmanas está em torno de 750, por conta da chegada de refugiados, como também por conta do colégio islâmico na região. Mas também houve êxodo de algumas famílias que buscaram outras oportunidades em outras regiões. Não podemos deixar de citar a presença da Mesquita Abu Bakr, que está localizada no Jardim das Américas, além da proximidade do comércio.

Como sente que o Grande ABC acolheu essas famílias? Por quê?
As famílias sempre foram acolhidas da melhor forma, foram acolhidas pelo povo da região de forma muito boa, como também encontraram várias oportunidades de crescimento. Certamente, pela população da região ser, na sua maioria, descendente de imigrantes, isso facilitou a integração na sociedade brasileira de maneira mais fácil.

Quais são os preceitos da religião islâmica?
A base da religião islâmica está constituída em seis pilares da fé, que são: crer em Deus único; na existência dos anjos, nos livros sagrados; nos profetas; na predestinação; na ressurreição e no juízo final. E os cinco pilares da prática, que são o ‘testemunho’; ‘praticar a oração cinco vezes ao dia’; ‘pagar o Zakat (parecido com o dízimo cristão)’; ‘jejuar o mês de Ramadan’; ‘peregrinar uma vez na vida à Makkah (cidade da Arábia Saudita considerada a mais sagrada no mundo para os muçulmanos)’, se tiver condições físicas e financeiras.

Como o senhor sente que as pessoas veem a religião e tradições islâmicas?
Percebo que há muita desinformação sobre ela. Passam-se muitas informações sobre ela que não são verdadeiras, tanto por uma parte da mídia quanto por pessoas que têm intenção de deturpar a realidade dela, provocando, assim, uma onda de preconceito e um sentimento de medo. Porém, quando a pessoa tem contato com a religião, através de um muçulmano, livro ou instituição islâmica, ela descobre que o Islam fala de Jesus, Maria, Deus, paz, felicidade, respeito, e tantos outros valores comuns a todas as pessoas.

Como o senhor vê a questão das intolerâncias religiosa e racial que muitas vezes ainda são sentidas por imigrantes? O que é preciso fazer para combater esse mal?
As intolerâncias religiosa e racial são fruto do desconhecimento, portanto, muitas pessoas julgam sem terem ideia do que seja a crença do outro, ou quem seja o outro. Certamente que todos temos o direito de discordar um do outro, de não gostar de uma pessoa, porém, não é direito de ninguém desrespeitar o outro, por conta de sua crença, cor, origem etc. Sabemos que a sociedade brasileira é formada, basicamente, por imigrantes de vários lugares do mundo, todos ajudaram a construir o Brasil, portanto, todos devem se respeitar e não jogar a culpa de crises ou fracassos da sociedade nos imigrantes, como se fossem os causadores das nossas dificuldades, mas enxergá-los como uma oportunidade de crescimento para o nosso País.

O que é preciso fazer, então?
É necessário conscientizar as pessoas sobre quanto benefício a nossa sociedade terá ao conviver com harmonia com o outro e trabalharmos juntos. Essa conscientização deve ser feita em casa, na escola, no trabalho, nos meios de comunicação, nos templos religiosos, pois são lugares de convivência social.

Como acha que a imprensa pode auxiliar no combate a essa questão?
A imprensa tem um papel essencial de conscientização, mas é preciso que os profissionais tenham um mínimo de conhecimento sobre as diversas crenças. Sabemos que é difícil isso, já que eles sempre estão cheios de trabalho e sobra pouco tempo para pesquisar sobre temas diversos. Mas é um investimento que o profissional e o canal de comunicação têm que fazer para ajudarem a nossa sociedade a crescer em todos os sentidos. A imprensa, ao meu ver, pode divulgar mais as diversas culturas trazidas pelos imigrantes, como as suas contribuições para o País. Ela tem credibilidade, portanto, é um meio muito forte de combate à xenofobia e ao preconceito, assim como um meio de conscientização e informação da sociedade.

Como vê os conflitos no Oriente Médio? Por que ainda persistem e quais suas perspectivas quanto ao fim disso?
Infelizmente, o Oriente Médio sofre há décadas com conflitos que ceifaram milhões de vidas inocentes, tudo por causa do interesse de muitos países nas riquezas minerais dessa região. Por conta disso, muitos países árabes foram divididos, ocupados, colonizados e destruídos por meio de bombardeios e guerras civis, como ocorre agora na Síria, além da ocupação israelense na Palestina, que continuará sendo um pano de fundo dos conflitos na região. Sabe-se que o Oriente Médio é uma região estratégica, portanto, dificilmente haverá tranquilidade enquanto os interesses nela existirem. Além disso, é preciso que a vontade popular seja respeitada, sem ingerência das grandes potências.

Na sua opinião, o que o Diário poder fazer para fortalecer a cultura islâmica?
Acredito que o Diário é um meio de comunicação de extrema importância para a conscientização da população da região, assim como já faz há muito tempo. (O jornal) Foi muito importante quando ocorreram os atentados de 11 de setembro de 2001, ajudou a diminuir o preconceito contra os muçulmanos, pois havia uma onda crescente no mundo contra os islâmicos. Porém, isso não teve grande repercussão aqui, pela atitude positiva e equilibrada deste meio de comunicação, que imediatamente fez várias matérias abordando o Islam e os assuntos ligados aos muçulmanos, com informações tiradas da fonte, além de mostrar a contribuição dos muçulmanos para a região, o que trouxe tranquilidade para as pessoas. Portanto, o Diário pode abordar mais assuntos ligados às culturas árabe e islâmica, às contribuições dos muçulmanos, às convergências entre o Islam e às demais religiões, especialmente o cristianismo.

Quais os maiores desafios que o senhor acredita que imigrantes que chegam aqui têm de enfrentar para retomarem suas vidas?
O maior desafio é a língua, é um desafio muito grande.Se não tem o idioma, acaba tendo dificuldade para arrumar emprego que possa sustentar essa pessoa, então, ela acaba trabalhando, muitas vezes, de forma precária. Temos também o preconceito, que hoje é maior do que era antes, a visão que o imigrante vem para roubar o emprego das pessoas, que vem para criar problemas e isso não é verdade. Entre os refugiados existem pessoas problemáticas, mas não são a maioria, são pessoas que perderam seus lares, seus entes queridos. Não queriam sair do seu país, mas foram obrigadas a fazer por causa da guerra, dos bombardeios. Os lados emocional e psicológico também entram no contexto dos desafios, porque ela acaba se desmotivando, não podendo se comunicar, se entrosar, expressar-se e, aí, vem o preconceito, que seria como dar uma rocha para quem está se afogando.

Se pudesse realizar qualquer feito no Grande ABC, qual seria?
Acredito que há um campo de oportunidades muito grande na região, por isso, tenho vontade de trazer vários empresários de países árabes e muçulmanos para fazerem negócios e beneficiar aqui. Isso já ocorre, porém, de forma tímida, por conta da diferença na língua, distância e pouco conhecimento sobre o outro. Acredito que poderíamos irmanar as cidades da região com cidades árabes e islâmicas, como Istambul, Jeddah etc, fazendo um intercâmbio cultural, econômico e social. Gostaria de retribuir ao Grande ABC e ao Brasil o carinho, a acolhida e o respeito com os quais eu e todos os imigrantes fomos recebidos e tratados. Por isso, tenho várias ideias e projetos culturais e sociais que gostaria de realizar aqui.

Que futuro espera para o Grande ABC?
Espero um futuro de sucesso, pois é uma região de extrema importância para o Brasil e para os brasileiros. Ainda há muitos desafios que precisam ser superados, como melhorar a Segurança pública, diminuir a desigualdade social e melhorar o nível de Educação. Peço a Deus que abençoe o Grande ABC e o Brasil.
 




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