Política Titulo Especial
‘O trabalho social deve ser um facilitador’, afirma Vera Monari
Kelly Zucatelli
Do Diário do Grande ABC
01/04/2018 | 07:48
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Denis Maciel/DGABC


Há pelo menos 60 anos, a presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer do Estado de São Paulo e vice-presidente da Rede de São Caetano, Vera Lúcia Fedato Monari, 70 anos, se dedica às causas sociais, principalmente nas ações de combate e conscientização sobre a doença.

Mas o histórico de peregrinação e de luta para ajudar ao próximo marca a vida da administradora desde a infância, com atuações em várias entidades do Grande ABC. Vera Monari também atua em âmbito nacional para tentar incentivar parcerias público-privadas a facilitar o acesso a tratamentos de excelência.

Quando a senhora iniciou sua participação em trabalhos sociais?
Iniciei aos 9 anos, com minha mãe e várias amigas dela, na construção do orfanato e escola Instituto Nossa Senhora da Glória, local onde hoje funciona a Faenac (Faculdade Editora Nacional). A ideia era a captação de recursos por meio da realização de matinês dançantes no Edifício Baraldi. Lembro que, como não havia elevador, levávamos as caixas de refrigerante e várias outras coisas pela escada. Mas não podia participar do evento, pois não tinha 15 anos. Na Apami (Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e Infância) fazíamos um trabalho de arrecadação de cestas básicas à noite, pesando quilo a quilo os sacos de cereais que eram comprados na Rua Santa Rosa, no bairro Santa Paula, em São Caetano. O primeiro grande evento foi quando trouxemos os cantores Elis Regina e Jair Rodrigues, no auge de suas carreiras, no Cine Vitória, com a participação das professoras de violão Elodi Barontini e Wilma de Assis.

Participava também de ações em favelas?
Sim. Visitava as favelas e cortiços da Vila Gerty e do bairro Santa Maria para dar noções de higiene e pré-natal. Depois de algum tempo visitando essas populações carentes, consegui a participação de uma assistente social para ajudar. Recordo que durante um ano, uma vez por semana, levava as fezes recolhidas destas visitas para análise no Instituto Adolf Lutz, junto com uma amiga, também estudante. Depois buscávamos os resultados e trazíamos remédios para aqueles que precisavam.

Como é conciliar a vida dedicada ao próximo e a atenção à família?
É ter vontade de ajudar e superar barreiras que possam colaborar com o meu País. Dei aulas de reforço para alunos carentes em minha casa, pois assim também podia ficar perto dos meus filhos. Sempre tive a iniciativa para que novas pessoas fizessem parte do trabalho voluntário, pois sabemos que as instituições formam círculos fechados, tendo em vista mais a posição social do que essas poderiam oferecer. Na década de 1970, participei de um dos primeiros movimentos de reciclagem, recolhendo nas casas e prédios garrafas plásticas e vidros que eram entregues na AMA (Associação do Amigo do Autista) todas as sextas-feiras, para que pudessem ser vendidos, na Rua Amazonas, em São Caetano.

Como iniciou a empreitada contra o câncer de mama?
Nossa empreitada é para todos os tipos de câncer. Hoje se dá muita ênfase para o câncer de mama, pela grande incidência comprovada.

Que momentos marcaram sua vida ao longo desses quase 40 anos dedicados ao combate da doença?
Foram vários momentos, pois em nossa família temos uma genética predisposta para a doença, e no trabalho voluntário aprendemos muito com nossos atendidos. Eles nos ensinam como sermos humanos e pacientes.

Como foi seu ingresso na Rede Feminina de Combate ao Câncer?
Meu trabalho na Rede Feminina se iniciou por meio da minha mãe e da minha irmã, que são fundadoras. Tive a honra de ser convidada tanto pela presidência da Rede quanto pela presidente da Apami (Associação Proteção à Maternidade Infantil), Santina Moretti, pela Olga Meira e Zilda Villas Boas. Aceitei um cargo para diretoria em 1994, como vice-presidente, com o apoio das demais voluntárias.

O que trouxe de diferente no comando da Rede?
Inseri profundas mudanças, pois como sócia e frequentadora da Business Profissional Woman, observei que o perfil das instituições beneficentes estava mudando rapidamente, tornando as dinâmicas semelhantes às das empresas. Passada essa primeira experiência à frente da instituição, tive a honra de ser responsável pela Fundação das redes femininas de Mauá e Diadema, respectivamente, depois de insistentes quatro anos, pois tinha absoluta certeza do potencial de ambas presidentes e cidades. Hoje estou feliz em ser presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer do Estado de São Paulo e conselheira fiscal da Rede Nacional de Combate ao Câncer e vice-presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer de São Caetano.

A senhora se lembra quando foi seu primeiro contato com o Diário e de que forma refletiu no seu trabalho na Rede Feminina de Combate ao Câncer?
A mídia do Grande ABC é uma colabora contumaz da causa. O primeiro contato com o Diário foi através da jornalista Angélica Nicoletti. A divulgação do pré e pós-evento foi muito importante, uma vez que na época não tínhamos acesso às redes sociais para apresentar as atividades desenvolvidas, tanto na captação de recursos quanto no atendimento dos pacientes.

Acha que o Diário é uma maneira, um canal, para ajudar na luta de combate e de expansão das redes de auxílio às pacientes? De que forma?
Significativo, porque as pessoas que não estão familiarizadas com o tema não assimilam as informações postadas no jornal de imediato. A divulgação constante faz com que desperte o interesse não só dos doentes, mas também dos colaboradores. A forma, por meio da informação que é apresentada, causa mobilização da população, incentivando movimentos que se desdobram, engajando mais instituições que estão envolvidas com o objetivo, como também outras que não são da área e que começam a participar.

O que evoluiu e o que continua a passos lentos nas políticas públicas de Saúde voltadas para os tratamentos?
As políticas públicas têm sido eficientes quando se trata de elaborar projetos e colocá-los em forma de lei. Mas quando se refere à execução das mesmas é lenta e ineficaz. Podemos citar como exemplo a acessibilidade ao tratamento que, por lei, após 60 dias do diagnóstico o doente deve ser atendido. Tarefa impossível de realizar. Agora tramita no Congresso a redução do atendimento para 30 dias. Todos nós sabemos o quão é importante essa definição, pois como colocá-la em prática se não há modelo de gestão?

Quais dificuldades a senhora acha que existem para que as pacientes tenham no Brasil um tratamento à altura da complexidade da doença?
No Brasil temos dois momentos para o tratamento de câncer. Em uma ponta, melhores recursos humanos, tecnológicos e medicamentos considerados em nível mundial como excelentes. Em outra, a maioria dos pacientes não tem acesso. Ficamos numa situação emocional conflitante, pois nos atualizamos em cursos para estarmos a par do que existe de melhor no que concerne ao tratamento, mas não podemos disponibilizar para os pacientes carentes.

Ainda falta muito para a conscientização da importância da realização dos exames preventivos?
Essa é outra situação que nos causa preocupação. A cada campanha de prevenção é uma batalha, pois as pessoas respondem rapidamente ao apelo para realizar os exames. Mas, e depois do diagnóstico positivo, onde levaremos esses pacientes? Mais uma vez o conflito acontece. Agora a pessoa sabe que existe o tratamento, mas onde fazer? Nas campanhas deveriam indicar locais disponíveis para os procedimentos.

Já pensou em assumir algum cargo público?
Já fui convidada para assumir um cargo tanto na região quanto em São Paulo, mas não quis porque tinha empresa e acho que, como sou direta, não daria certo em alguns aspectos que iria expor e nem sempre podem ser expostos. No poder público as decisões são muito lentas e dependem de uma conjuntura para tomar decisões. Prefiro colaborar para decisões e medidas mais ágeis.

Quais são os planos de melhoria do atendimento nas redes femininas?
Tivemos reunião nacional na qual ficaram definidas as redes que seriam representantes como depositárias fieis da Rede Nacional, e a nossa unidade é uma delas. As redes de São Caetano, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul estão encarregadas de criar grupos de trabalho para desenvolver projetos e estratégias.

Quais projetos são esses?
A Rede Feminina de São Caetano, junto com a do Mato Grosso, está desenvolvendo o plano de alimentação pré e pós-procedimento hospitalar, que consiste na elaboração de um cardápio padrão para todas as unidades, com baixo custo e alto valor nutricional. Teremos uma doutora em Nutrição e uma nutricionista para elaborar um cardápio de acordo com as necessidades do paciente oncológico. Outro trabalho a que estamos nos dedicando é a criação de um site que concentrará todas as informações de resultados nacionais de atendimentos. Além disso, um desafio ainda maior que estamos debruçadas é o de aproximar o procedimento das empresas privadas (hospitais e clínicas) com o SUS (Sistema Único de Saúde). O calendário das campanhas não é unificado no País. Também estamos trabalhando para ter apenas um calendário para todas as redes, a fim de fortalecer as datas e atingir os propósitos de cuidados e prevenção do câncer.

O que o poder público deixa a desejar no trabalho da Assistência Social?
Sentimos um vácuo entre a atuação do poder público e a realidade em que vivemos, porque as pessoas que estão envolvidas nos atendimentos públicos muitas vezes têm uma visão distorcida do próprio trabalho e não sabem orientar o assistido de modo que facilite suas vidas. Acho que deve existir mais comunicação entre o poder público e esses profissionais, para que trabalhem de maneira mais correta. Essa desinformação atrapalha a vida do paciente, das pessoas que precisam do apoio. O trabalho social deve ser um ato facilitador entre o paciente e a parte médica, por exemplo. E nem sempre as pessoas têm a orientação certa para repassar. Precisa haver mais entrosamento.

Como Vera Monari ainda pode contribuir para o trabalho social no Grande ABC?
Não só eu, como também todo cidadão deve pensar na importância de colaborar com um amigo, um vizinho, um parente, passando conhecimentos e acompanhando nos procedimentos ou ainda colaborando com os itens necessários no auxílio e conforto dos todos. 




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