Política Titulo 60 anos em entrevistas
'É preciso mudar. E só se muda com Educação'
Por Caroline Garcia
Do Diário do Grande ABC
20/03/2018 | 07:22
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Nario Barbosa/DGABC


Prestes a completar 84 anos, Terezinha Sardano tem a história de vida enraizada no Grande ABC. Natural de São Caetano, mãe de dois filhos e avó de quatro netos, Educação sempre foi sua paixão e também sua formação profissional. Há mais de 30 anos fundou com grupo de amigos a Instituição Assistencial e Educacional Amélia Rodrigues, que fornece atividades socioeducativas para 255 crianças entre 3 meses e 10 anos e seus familiares, vindos de comunidades carentes de Santo André. Com a certeza de que só a Educação pode mudar o País, ela diz ter o sentimento de dever cumprido e a vontade de trabalhar “até o último minuto”.

Terezinha Sardano e o Diário

No auge dos 24 anos, Terezinha Sardano viu o Diário nascer, ainda como News Seller, em 1958. A parceria, portanto, já dura a idade do jornal: 60 anos. Para a moradora de Santo André, o jornal cumpre seu papel de ser fonte de informação do Grande ABC e ainda contribui com a responsabilidade social, já que participa do Projeto Investidor Social e apoia crianças e famílias atendidas por projetos assistenciais. Em sua trajetória ao longo dos anos, Terezinha figura em diversas aparições nas páginas do Diário por conta de seu trabalho educacional na região. 

A Instituição Amélia Rodrigues é uma das entidades assistenciais e socioeducativas mais antigas de Santo André, com 32 anos. De onde partiu a vontade de ajudar o próximo?

 A instituição foi criada por um grupo de amigos que compartilhavam de um mesmo ideal. Nós somos espíritas e aprendemos na doutrina espírita que o homem consciente não pode ficar fechado, tem que divulgar os ensinamentos por meio de ações. E as ações são justamente essas: levar a criatura a uma situação melhor do que aquela que ela se encontra de um modo geral. No caso do nosso trabalho é a situação material e educacional. E passar também para essas pessoas formas de vidas, a fim de que elas possam realmente se tornar seres humanos participativos. 

“Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. Educação é a única solução”. A frase foi dita por Malala Yousafzai, ativista paquistanesa que ganhou o Nobel da Paz em 2014. A senhora também acredita e aposta nisso?

 Acredito 100%. Não é nem 99%, é 100%. O País enfrenta uma situação na qual falta educação nos lares, nas escolas, nos homens de comando e, principalmente, nos homens de governo. É preciso mudar essa realidade e só se muda com Educação.

A senhora acredita que é possível alcançar essa mudança no Brasil?

Eu acredito na mudança. Se eu não acreditasse não estaria aqui. Mas, obviamente, vai depender de muita Educação e de muita vigilância na atual situação em que se encontra o nosso País com os homens de comando. É preciso que tenhamos gente honesta. A partir daí, devagar, nós vamos mudar o Brasil. Eu não vou ver, estou mais para lá do que para cá. Ainda não sei se meus filhos conseguirão ver também. Mas meu netos talvez já comecem a vislumbrar uma mudança neste País, que é tão lindo e o melhor do mundo no meu conceito. 

 

Dois anos atrás, a instituição comemorou 30 anos. A entidade começou atendendo dez crianças e hoje são 255. Quais são as principais conquistas nessas três décadas?

 São muitas as conquistas. Primeiramente a conquista interior do dever cumprido. O segundo é ver que os nossos primeiros meninos já são casados, com lares bem constituídos, a grande parte já terminou a faculdade e está empregada. As famílias estão vivendo o normal de toda família. A maioria não esqueceu da gente. É essa a finalidade do nosso trabalho. E o retorno é justamente esse. O abraço de uma criança de manhã cedo nos alimenta para o dia que chega. 

Então há histórias de ex-alunos que já são adultos casados e com famílias constituídas que voltam para, digamos, ‘rever suas raízes’?

Tem muitas. Esses dias mesmo encontrei um no shopping. O problema é que a gente não lembra de todos e tem que fazer uma forcinha na memória! Ele está com trabalho muito bom na televisão. Dá um orgulho muito grande. Esse é um caso, mas temos muitos. Alguns dos funcionários que temos hoje, inclusive, já foram nossos meninos. E assim vai. 

Existe algum objetivo que a instituição deseja ainda alcançar?

Eu diria que seria o ideal para as instituições bem constituídas e com objetivos claros que pudesse o governo dar mais atenção em todos os sentidos e, principalmente, considerá-las como parceiras. A dificuldade é muito grande. A gente tem ajuda da Prefeitura (de Santo André), que é ajuda federal, mas é um recurso que dá, mais ou menos, para cobrir cerca de 40% dos nossos gastos. O resto da arrecadação para que as contas fechem é com sócios, com noite da pizza, com doações, bazar beneficente. Tirando leite de pedra mesmo.

Em algum momento a instituição passou por dificuldade financeira que fez com que pensassem que não conseguiriam mais seguir em frente?

Dificuldade financeira tem sempre. Mas uma coisa eu vou dizer: a gente fica um mês no vermelho e aí, de repente, no outro mês, não sei como acontece, chegamos no azul. O importante para manter uma instituição também está na gestão. Temos uma equipe muito boa, ninguém faz nada sozinho. Saber programar é outro ponto muito importante. Só fazer aquilo que tem condições de realizar. Não pode dar um passo maior que a perna. Mas se bem que, para entidades, se você for dar só o passo da perna não se faz nada! É preciso arriscar um pouquinho, mas com cautela.

Quantas pessoas trabalham na instituição?

Funcionários temos por volta de 60. Já os voluntários são mais de 100, inclusive profissionais como médicos, psicólogos, pedagogos, costureiras. Tem muita gente que ajuda e é de forma espontânea. O voluntário, no entanto, tem que entrar no esquema de trabalho da instituição. Não pode aparecer quando quiser, tem que ter compromisso porque a gente conta com ele no dia a dia.

Além das crianças, as famílias também são atendidas pela instituição. Como acontece esse atendimento?

Nós temos, por exemplo, o curso de gestante, trabalhos odontológicos e médicos. E todos esses atendimentos também se estendem à comunidade. Já as famílias participam de reuniões mensais sobre Educação e formação para que elas se tornem realmente responsáveis ou mais responsáveis do que já são. Que percebam que a instituição não seja pura e simplesmente um lugar que esteja cuidando só do filho. O melhor lugar da criança é junto da mãe, e a responsável por ela é a mãe. Então a gente procura dar a elas, conforme o caso, condições para as mães verem diferente a situação nas quais elas estão. Temos, por exemplo, situação de criança com câncer, de criança que já extraiu um rim. Temos casos de pais drogados. E estamos acompanhando tudo. É um mundo menorzinho com todos os problemas do mundo maior.

Há filas de espera para a creche?

Para este ano, abrimos 40 vagas devido à demanda e não conseguimos atender todo mundo. As inscrições para o ano seguinte são sempre feitas em outubro e em 2017 tivemos 200 inscritos. Ampliamos pela necessidade, mas as demais estão na fila porque não temos como abrir mais (vagas). Se é para fazer depósito de criança, eu estou fora. Hoje estamos atendendo desde os 3 meses até os 5 anos. Para o ano que vem, nós já sabemos que, por questões legais, em um projeto juntamente com a Prefeitura, com verba, nós só teremos de 3 meses a 3 anos. Porque a Educação formal vai caber ao poder público. Nós não somos escola nem queremos ser. Fazemos acompanhamento escolar e damos recreação às crianças. 

Há também algum tipo de projeto na entidade para os adolescentes?

Temos uma equipe de música formada por adolescentes que foram nossos meninos e continuam conosco porque não querem nos largar. Temos também trabalhos de dança e canto para dar um pouco de lazer para os jovens e para que eles possam sentir uma retaguarda. Já tivemos alguns casos de orientação de problemas do dia a dia porque também não é fácil a vida que eles levam. Hoje em dia, o adolescente é um herói. Aquele que se comporta com respeito a ele e à família é um herói porque os convites para as coisas ruins não faltam. É lamentável, mas é a realidade. A família precisa ser segura e firme. E hoje em dia, de um modo geral, a criança não sabe ouvir ‘não’. Isso é uma coisa que os pais deviam saber. Se o pai e a mãe resolvem todos os problemas da criança, ela se torna um adulto frustrado. Educar não é fácil, é um caminho longo e trabalhoso, mas, com certeza, te traz um retorno muito bom e a consciência tranquila. 

 Prestes a completar 84 anos, a senhora pretende reduzir o ritmo de trabalho?

 Se eu for ouvida por Deus, quero trabalhar até o ultimo minuto. Se possível, ‘acordar morta’. Esse seria meu ideal.

 A senhora acredita que o jornalismo pode ajudar a fomentar essa necessidade de melhorar a Educação no País?

 A mídia, em todos os sentidos, não pode simplesmente ajudar. Ela é a responsável por aquilo que está acontecendo no País hoje. O jornalista tem que ter cuidado com o que escreve. A criatura que acreditar naquilo que o profissional escreve e exercer aquilo segundo a orientação do jornalista faz ele ter participação no lucro e também no prejuízo.

 Falando um pouco da manutenção financeira da instituição. Como funciona o Projeto Investidor Social?

 Foi um projeto criado em 2002 que congrega empresários e profissionais liberais que querem mostrar para seus clientes e comunidade a responsabilidade social que eles exercem, mas que não podem fazer por conta própria. Do outro lado, temos também um compromisso com os investidores de fazer dois seminários por ano com técnicos e um evento todo mês de novembro no Teatro Municipal para darmos um prêmio às empresas.

  

 Existe esse interesse nas empresas de fazer parte?

 Não. É preciso correr atrás, bater nas portas e pedir bastante. Eu e minha equipe pensamos dessa forma: quando você vai pedir, já vai com o ‘não’, se sair com o ‘sim’, sai no lucro. Se eu não pedir, de graça não vem. Do céu só cai chuva. Tem que batalhar, e muito. 

 O Diário é um dos participantes mais antigos do Investidor Social e integra o projeto desde 2003. Como começou o contato da senhora com o jornal?

 O jornal sempre foi parceiro nosso. Aliás, eu vi fundar o Diário. Sessenta anos atrás eu estava ai para ver o jornal começando com o News Seller, desde a família Dotto. Sempre parceiro, atendendo às nossas necessidades dentro das possibilidades do jornal. 

  

 O que o Diário pode fazer para fortalecer a Educação na região?

 O Diário já tem o Diarinho, que é um caderno que realmente tem colaborado nesse aspecto educacional de alguma forma. Mas poderia promover, juntamente a empresas e entidades, trabalhos de conscientização para os seres humanos em diversas áreas. Porque, enquanto a pessoa não se conscientiza, ela não faz nada. 

 O que a senhora espera para o futuro do Grande ABC?

 Confiança. Porque eu acredito que o mundo tem que melhorar. Estamos no caminho certo. Temos visto – pelo menos até o momento e espero que isso continue – que a vontade do nosso prefeito (Paulo Serra, PSDB) é fazer as coisas direito, procurar corrigir os erros. Estamos vendo a boa vontade e o esforço para poder colocar a máquina nos trilhos. Torcemos para que isso possa acontecer.




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