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Sustento que vem do fundo da Represa Billings

Pescadores artesanais que integram colônia retiraram sete toneladas de peixes por dia em 2016; até 28 de fevereiro só é permitido o uso de varas

Wilson Moço
21/01/2018 | 07:06
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Nario Barbosa


Sete é conta de mentiroso é dito popular que teria origem na tradição hebraica (mas com outra redação) e que se ouve em todos os cantos do Brasil. Também faz parte da cultura tupiniquim tachar de histórias de pescador relatos para os quais não se dá muito crédito. É bem provável que você, assim como eu, pensará exatamente isso ao tomar conhecimento de que os 530 pescadores artesanais cadastrados na Colônia Orlando Feliciano retiram em torno de sete toneladas de peixe por dia da Represa Billings, entre tilápias, carpas, traíras, lambaris, bagres e carás. 

O espanto com o número não pode ser condenado, sobretudo quando se sabe o histórico de degradação do reservatório, que se estende por 127 quilômetros quadrados na região, sabidamente castigado por toda sorte de poluição, de esgoto a plásticos e materiais químicos. Mas, com certeza, o número foi bem maior, pois na conta da entidade não entra, obviamente, a quantidade de peixes retirados da represa por centenas de pessoas que diariamente se postam às suas margens com varas e molinetes.

As sete toneladas contabilizadas pela colônia, criada e presidida desde 2008 por Vanderléia Rochumback Dias, a Léa, não podem ser classificadas como ‘conta de mentiroso’ ou ‘história de pescador’ por um motivo simples e ao mesmo tempo de suma importância para quem vive da pesca na Billings. Afinal, todo ano, no mês de aniversário, cada um dos associados precisa informar à entidade a quantidade de peixes que retirou da represa no ano anterior. 

Afinal, sem esse aparente detalhe não conseguirá garantir a renovação do RGP (Registro Geral de Pesca), documento que lhe assegura o direito de trabalhar sem ferir a legislação. Portanto, o número apresentado pela dirigente se refere a 2016, mas, a se julgar pelo seu entusiasmo, o resultado de 2017 será melhor.

“De quatro anos para cá a pesca melhorou muito, porque a represa voltou aos níveis normais. Com isso, passou a ter mais capim, um dos principais alimentos da tilápia, espécie que tinha diminuído bastante e que voltou a aparecer em grande quantidade, muitas com peso entre 700 e 800 gramas, coisa antes rara. Por causa disso, 2017 foi um ano ótimo para nós. Acredito que quando fecharmos os números vamos superar as sete toneladas por dia registradas em 2016”, aposta Léa. 

Mas ela não esconde a frustração quando o repórter pergunta como era a pesca há aproximadamente 20 anos. “Ah, naquela época cada pescador pegava em torno de 200 quilos por dia, enquanto agora está entre 40 e 50 quilos”. Mas esclarece que nem todos os associados, que pagam taxa de R$ 120 por ano à entidade, colocam os barcos na água todos os dias para armar suas redes. 

DEFESO

Aliás, até o mês que vem só podem fazer o que mais gostam se for com vara, porque até o dia 28 de fevereiro ocorre o defeso (período de procriação dos peixes), iniciado em 1º de novembro. Enquanto não voltam a ter autorização para colocar os barcos na água e armar suas redes, recebem um salário mínimo por mês, hoje R$ 954, um pouco menos da média mensal que alcançam com a pesca, de R$ 1.500, segundo a presidente da Colônia. 

Isso os obriga a buscar alternativas para reforçar a renda, alguns optam por trabalhar com horta, outros usam os barcos para levar turistas para conhecer recantos da Billings, como a própria Léa. “Temos de nos virar porque, fora o salário mínimo que recebemos durante o defeso, não temos nenhuma ajuda do poder público.”

Não por acaso, ela está às voltas para colocar em prática o Billings Tour, iniciativa em parceria com a Prefeitura e Ministério do Trabalho e Emprego destinado a levar grupos em passeio pela represa. Mas a ideia é que seja mais do que um passeio comum, porque, além do piloto do barco, a viagem por boa parte dos 127 quilômetros quadrados do reservatório terá um monitor de ecoturismo (três fizeram o curso), incumbido de explicar a origem da Billings, a importância da preservação ambiental, espécies de peixes e fauna e flora existentes nas dezenas de ilhas da represa e do entorno.

Nascida e criada às margens da Billings, a fundadora e presidente da Colônia de Pescadores, batizada Orlando Feliciano em homenagem ao ex-marido, morto há cinco anos, fala que às vezes tem vontade de deixar o comando da entidade, “porque pescar é muito melhor”. Pelo jeito, fala da boca para fora, porque em seguida revela outro sonho: criar o museu da Billings. 

E algumas peças que pretende expor já estão espalhadas na acanhada sede da associação, como uma carpa gigante, bagre africano, tilápia e cerâmicas produzidas em um curso iniciado em novembro, entre outras. Além do que, a entidade, criada em 2008, tinha como escritório o quarto do filho – a cama era usada como cadeira – e depois passou para a sala, onde ficou até ganhar espaço próprio.

Carpa é até hoje o maior peixe fisgado no reservatório

Você acreditaria se um amigo que gosta de pescar contasse que retirou da Represa Billings peixe de cerca de 50 quilos e 1,45 metro de comprimento? Bem provável que não, assim como eu, que não hesitaria em dizer que era história de pescador. Mas é a mais pura verdade e a carpa, com idade superior a 40 anos (segundo especialista, a espécie engorda de dois a quatro quilos por ano), está lá, empalhada, na sede da Colônia de Pescadores para quem quiser ver e, quem sabe um dia, ser exposta em museu dedicado à represa, outro sonho da presidente e fundadora da entidade, Vanderléia Rochumback Dias, a Léa.

Foi ela quem, ao ser questionada se sabia qual o maior peixe retirado da Billings, levou a equipe de reportagem para o escritório da entidade e mostrou a carpa gigante. “Vejam vocês mesmos, senão vão duvidar. Sempre duvidam quando falo dessa carpa”, disse, olhando para repórter e fotógrafo. “Por aqui ninguém sabe de peixe maior do que esse que tenha sido pescado. E olha que a maioria dos pescadores daqui nasceu e vive no entorno da represa”, comentou Léa, 50 anos, ela mesma a vida toda no entorno ou percorrendo boa parte dos 127 quilômetros da Billings em busca dos melhores lugares para colocar suas redes de pesca.

O responsável pelo feito histórico é Marlinaldo José da Silva, o Naldinho, que deixou os amigos de “boca aberta” quando chegou da pescaria no dia 29 de setembro de 2011 com aquela carpa enorme. O peixe virou o centro das atenções, lembra Léa, e todos que estavam ali no momento concordaram com a ideia de empalhar e preservar o “maior peixe que tinha sido retirado da represa”. Passados seis anos, ninguém pescou nada parecido.

Pela idade do exemplar, carpas fazem companhia a tilápias, carás e lambaris na Billings há muito tempo, mas a população ribeirinha sabe que a quantidade aumentou a partir da construção do Trecho Sul do Rodonael, inaugurado em 2014. Não se sabe ao certo, mas acreditam pescadores que a empresa responsável pela obra tenha povoado a represa com carpas para tentar ajudar quem vive da pesca, pois à época os peixes praticamente tinham sumido por causa da movimentação no fundo do reservatório para instalação de colunas de sustentação de pontes. 

Assim como não era comum encontrar carpas na represa, onde prevaleciam tilápias, carás e lambaris, menos comum ainda, para não dizer quase impossível, era retirar da represa bagres africanos e cascudos, espécies que hoje já existem por ali, mas ainda em pontos por ora conhecidos pelos pescadores que fazem da Billings seu ganha-pão. Até aí nada demais. Mas o que certamente pode dar arrepios é saber que alguns locais daquelas águas abrigam uma espécie conhecida pela agressividade, e que ninguém sabe como chegou: as piranhas.

Presidente de entidade comemora o Pró-Billings

Vanderléia Rochumback Dias, a Léa, comemora a notícia de que o governo do Estado iniciou no dia 8 obras do Programa Pró-Billings no Grande Alvarenga. As obras, que serão realizadas em duas etapas, vão coletar e tratar o esgoto de uma população de 250 mil pessoas. Na assinatura da ordem de serviço, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que “as intervenções vão torná-la grande centro de entretenimento e lazer”.

“Tudo que é para melhorar a represa é motivo de alegria. A Billings já é espaço de lazer, e dela muitos pescadores tiram o sustento da família. Com certeza teremos muito mais peixes quando as obras estiverem prontas, o que para nós será uma maravilha”, avalia. 




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