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Região abre os braços

Escolas públicas da região têm atualmente 268 alunos de outras nacionalidades, a maioria haitianos

Bia Moço
Especial para o Diário
16/10/2017 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


 “Merci. Au revoir!(do francês, obrigada. Até logo!)” Foi assim que Marie Nelda Elianci, 7 anos, se despediu da equipe do Diário na terça-feira. Educada, grata e amorosa, a pequena haitiana se sente parte do povo brasileiro, e deixa claro que não quer mais sair do País. E o que ela mais gostou? “De tudo mesmo.” Mas há duas coisas em especial: futebol e chocolate.
Marie Nelda está entre os 268 alunos estrangeiros que estudam em escolas públicas de cidades do Grande ABC, a maior parte haitianos. Mas há número significativo de bolivianos, venezuelanos, argentinos e uruguaios. Todas as unidades de ensino trabalham com políticas inclusivas e priorizam o acolhimento, também das famílias. Para os imigrantes que são inseridos na rede, a Secretaria da Educação do Estado oferece, por exemplo, a possibilidade da aplicação de uma avaliação de competências, que indica o ano/série que o aluno pode ser matriculado. É preciso apresentar, no ato da matrícula, o histórico escolar ou similar do país de origem para que seja feita uma análise e a inserção do estudante no nível adequado de ensino. O processo não é obrigatório, mas facilita a colocação do estrangeiro na rede. A Pasta também conta com o Núcleo de Inclusão Educacional, responsável por definir diretrizes para a recepção e adaptação destes alunos, o que acontece também com as escolas municipais no Grande ABC.
A história da família Elianci não difere de tantas outras de haitianos que estão no Brasil. Os pais de Marie Nelda vieram há cinco anos, dois após o terremoto que devastou o país da América Central, em 12 de janeiro de 2010, ter tirado dela e de sua família o pouco que tinham. Seu pai logo conquistou um trabalho por aqui e, em abril deste ano, já estruturado, decidiu que era o momento de trazer a filha para perto dele e da mãe.
Marie Nelda conta que, quando chegou ao Brasil, nem lembrava mais dos pais. “Deixei lá meus avós, tios e cinco irmãos. Eu era a menor, então vim para cá para ficar perto dos meus pais; os outros não dava para trazer. Mas já fazia tanto tempo que nem lembrava muito deles. Sinto muita saudade da família que ficou.”
A simpatia da haitiana conquista. Durante a visita da equipe do Diário à Emeb Edson Danilo Dotto, no Parque Selecta, em São Bernardo, isso ficou bem nítido. Por onde passava, ela fazia um coração com as mãos, para funcionários e alunos, e parecia até uma celebridade.
A diretora da unidade, Denise Teixeira Dias, lembra que a pequena haitiana demonstrou ser muito carinhosa com todos logo que chegou na escola. Daí, só poderia mesmo conquistar a todos. “Ela foi um presente para nós, além de nos ensinar muito. A Marie (como a chamam carinhosamente) é muito especial para todos aqui da escola e do bairro”, comenta.
Para integrar a menina, que não falava e não entendia nada em português, a diretora buscou em toda a rede municipal uma professora capacitada em francês para poder ajudá-la a aprender. “No começo ela rejeitou, pois dizia que queria aprender o português. Quando entendeu que a professora iria ajudar, inclusive a aprender, adorou.”
Mas o desafio de ensinar os haitianos e outros estrangeiros que vieram ao Brasil em busca de uma vida melhor mobiliza profissionais em outras cidades. Em Santo André, a EE Professor Adamastor de Carvalho, em Utinga, tem cinco alunos haitianos (veja abaixo). “Não é fácil, depende muito do envolvimento dos funcionários. Eles (haitianos) chegam receosos e depois vão se alinhando”, explicou a diretora.

Sentimento de ser um brasileiro

A tragédia que trouxe os haitianos ao Brasil deixou marcas profundas na memória. Cavelina Cheramy, 15 anos, chegou no início do ano passado. Ela conta que no Haiti há muita violência e miséria. Apesar de sentir muita falta da parte da família que ficou, e da mãe, que está na República Dominicana, a vida com o pai e a madrasta no Brasil fez muito bem a ela. “Meu pai veio dois anos antes, depois trouxe minha madrasta. Eu vim por último, mas meus irmãos ficaram no Haiti. Lá é tudo muito triste, ficou destruído. Quero fazer faculdade e trabalhar aqui, não volto mais para lá. Já me sinto brasileira, e quero ter a cidadania logo.”
O tímido Sadorry Blanc, 12, guarda na memória nuances da tragédia. “Eu era pequeno, não lembro muito quando aconteceu. Mas sabe, aquele terremoto destruiu minha casa, meu irmão mais novo era bebê e quase morreu. Nós perdemos tudo.”
Michael Sinder, 13, está no Brasil há apenas sete meses, e conta como a violência prevalece no país de origem. “Lá, se você tem um pouco mais de dinheiro, morre. Meu bairro não teve problema com terremoto, mas não temos como ganhar a vida lá.”
Já Wenderline Celicus, 12, falou sobre sua vida brasileira com animação. “Vim estudar e esperar meu pai se refazer. Tenho muita vontade de voltar para lá, mas tem uma comida que vai me segurar aqui, pois é muito mais gostosa: arroz e feijão.”
A psicopedagoga Marisa Domingos explica que o envolvimento dos profissionais é indispensável nesse momento, tanto para o aprendizado quanto para o psicológico dessas crianças, que naturalmente chegam abaladas. “Os profissionais têm se esforçado para receber os haitianos e realizar a integração e troca de cultura de forma educacional. Essa troca de saberes, o acolhimento e o envolvimento são os princípios para assegurar uma boa educação básica.”




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