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Síndrome de xerife
Creso Peixoto
02/09/2017 | 07:00
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Motoristas julgam motoristas. Uma ultrapassagem forçada, entrando logo na frente do carro, a conhecida ‘cortada’, é suficiente para que o motorista ultrapassado reaja. São reações contidas e compreensíveis quando se pisa no freio e se balança a cabeça. Se a janela se abrir e gestos que mães não ensinam ocorrerem, litígio à vista. Cabeça janela afora e palavrões agravam o quadro de desequilíbrio.

Aceleram para se manterem próximos, aguardando sua reação. Afinal, o outro o ofenderá de forma inadmissível.

Em pesquisa na fase inicial, de excesso de velocidade e respeitabilidade de faixas duplas nas rodovias do Sudeste, desenvolvida pela FEI neste julho, faróis piscam nervosamente quando o carro de pesquisa está na velocidade limite de 40 km/h ou 60 km/h. Alguns motoristas cortam a frente do carro. Teve motorista que abriu janela do lado esquerdo para que ouvíssemos gritos e gestos. Comprovam indisciplina e julgamento sob cartilha do atraso. Piloto e recenseador preparados para não reagir, apenas conduzir. Comportamento adequado e protocolo de pesquisa que nem precisaria ser escrito. Considerável parte das ultrapassagens ocorrera sob cruzamento de faixa dupla.

Monteiro e Günther (2006) avaliaram a agressividade no trânsito, a partir de 900 entrevistas com motoristas de Brasília, Distrito Federal. Mais de 98% foram classificados sob ‘direção agressiva’ e 67% destes afirmaram ter praticado violações agressivas pessoais. Tentaram ou partiram para briga. Esta cidade marca o trânsito brasileiro como dos melhores. Alto nível de respeito a faixas de pedestres e pontos de ônibus com estantes de livros, em ambiente de elevado nível educacional e alta renda per capita.

Há ainda o padrão de condução com arma no porta-luvas, indicativos de baixa capacidade de antever resultados. Os que agem assim estão perto de arrependimento por toda a vida. Não são raros os que sacam arma e que, horas depois, estão detidos, enquanto alguém que diziam proteger está sendo velado. Conceituo este comportamento como de ‘síndrome de xerife’. Síndrome, porque são vários aspectos de comportamento que os caracterizam. Xerifes, porque querem justiça com próprias mãos, ato da Idade Média. Palavra de origem árabe que quer dizer nobre, xerife é, no imaginário brasileiro, pessoa de baixo nível cultural, a partir de imagem repassada nos filmes norte-americanos. Um carro de polícia ao lado de uma rodovia nos sertões norte-americanos, parando carros na rodovia ao mínimo comportamento estranho a seus olhos. São eleitos e nem precisam ser profissionais de segurança.

Motoristas que sofram da ‘síndrome de xerife’ guiam sob aparente estresse contínuo, concentrando atenção nos que eles acham que guiam mal. Os que viajam ao seu lado sofrem com interminável verborragia, a convencer que determinado motorista é péssimo. Não raro, praticam infrações piores, para não se afastarem dos que, se pudessem, prenderiam e até agrediriam. Ajudam a vender horas de jornais televisivos vespertinos, a repercutir algo que nunca deveria ocorrer em sociedade civilizada.

Tratamento? Segundo Fernandez (2013), não há diagnóstico específico para o motorista que sofra desta disfunção. Há de se observar seu comportamento para detectar a possível desordem mental.

Amigos e parentes podem fazer a diferença. Ao viajar com motoristas sob a ‘síndrome de xerife’ deve-se ter máximo cuidado. Quando são criticados, não aceitam. Passam até a guiar pior. Olhos fixos no inimigo que eles criaram, ato de animal de caça sem propósito de se alimentar. Pedir para descer pode ser uma solução. Talvez o acompanhante possa fazer parecer que está mais descontrolado e o acorde. Abrir a porta e sair do carro em semáforo? Talvez, com tempo ainda de tirar a chave. Bem, parece novamente cenário de filme do Tio Sam. Melhor tentar conversar em casa.




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