Direitos do consumidor Titulo Consumidor
Bastaria a boa-fé nas relações de consumo
Idec
20/07/2017 | 07:27
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O marco do Direito do Consumidor no País se deu em 1990 com a publicação do CDC (Código de Defesa do Consumidor) – lei federal 8.078/1990 –, que trouxe normas de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e 48 das disposições transitórias. E foi a partir da sua vigência que os desafios para a aplicação das regras contidas na legislação consumerista começaram, pois era algo novo, que reequilibrava as relações contratuais e garantia maiores direitos aos cidadãos.

Passados mais de 28 anos de sua publicação, a legislação consumerista ainda passa por dificuldades, e sua aplicabilidade resta prejudicada em muitos casos. Diversas são as frentes de lutas para que haja uma proteção melhor e mais eficiente aos milhares de consumidores que são lesados por práticas abusivas e desleais de um sem fim de fornecedores, privados e públicos, sem contar com a escassez de regulamentação e falta de pulso de agências reguladoras ligadas à administração indireta. Notadamente, neste meio tempo, não se pode olvidar do trabalho das entidades de defesa do consumidor aliado aos órgãos do governo que tratam da matéria (procons, Ministério Público e Secretaria de Defesa do Consumidor vinculada ao Ministério da Justiça, dentre outros) e que ativamente vêm tentando fazer valer, nos diversos polos de atuação, a aplicação da legislação consumerista da melhor forma possível, malgrado certos entendimentos sobre assuntos de interesses difusos e coletivos que o Judiciário, Legislativo e algumas agências reguladoras vêm fundamentando ainda nos dias de hoje.

Mas essa luta incessante pela correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor seria tão acirrada se os princípios mais fáceis do direito consumerista fossem seguidos à risca por fornecedores, consumidores, Poder Público e órgãos reguladores? A resposta vem escrita na própria lei ao tratar da Política Nacional das Relações de Consumo. O artigo 4º do CDC trata não só de elencar parte dos direitos básicos dos consumidores, mas traz em seu bojo os princípios que regem as relações de consumo, dentre eles o da boa-fé objetiva, previsto no inciso III do artigo em comento. Referido dispositivo legal trata justamente da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e visa compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Diferentemente do conceito primitivo de boa-fé, que trata da ignorância de determinado indivíduo acerca de um fato modificativo ou impeditivo de seu direito, o princípio da boa-fé objetiva vai além da mera expectativa de um direito ou de sua possível perda pela ignorância de fatos, mas vai de encontro justamente à harmonização, cooperação, lealdade e probidade entre todos os participantes da relação de consumo, a fim de que haja nela equilíbrio suficiente a garantir proteção e paridade.

Tal princípio ultrapassa o direito contratual e visa a proteção da pessoa do consumidor. Como indivíduo vulnerável que é, depende de fornecedores, Poder Público e agências reguladoras que lhes proporcionem, além de liberdade contratual e desenvolvimento econômico e técnico, informações e meios protetivos eficazes a serem garantidos principalmente antes de se estabelecer a relação de consumo, coibindo eventuais vícios ocasionados por má-fé ou abusos de direitos por partes dos fornecedores. Houve também a preocupação do legislador pátrio em tipificar diversas hipóteses legais, que prescrevem deveres que se incluem no âmbito da boa-fé, de tal sorte que o próprio Código estabelece em outros dispositivos normas asseguradoras do princípio. Isso pode se verificar nos enunciados sobre a oferta (artigo 30), sobre o dever de informação (artigos 9º, 12, 14, 31 e 52), sobre os deveres de lealdade e de probidade na publicidade (artigos 36 e 37) e que são garantidos ainda em fase pré-contratual dado que o contrato em si inexiste, mas os deveres da boa-fé na relação de consumo sejam garantidos.

E no tocante a fase contratual, a boa-fé objetiva também é garantida pelo Código de Defesa do Consumidor, de forma a coibir, reprimir, e posteriormente, se necessário, oprimir eventuais abusos pela aplicabilidade da norma do artigo 51, IV, CDC em consonância com os demais artigos protetivos dos direitos consumeristas. Portanto, para que haja paridade e equidade na relação de consumo, a interpretação dos preceitos consumeristas de acordo com os deveres da boa-fé objetiva e dos demais princípios estabelecidos no CDC, faz-se estritamente necessária. Seja por meio de sua aplicabilidade pelos magistrados no Judiciário, em aprovação de novas leis regulamentares no Legislativo, de políticas públicas mais eficazes pelo governo, resoluções mais sólidas por parte das agências reguladoras e também pelos consumidores, de modo que não utilizem dos direitos previstos no Código de forma oblíqua. Forte nessas considerações, se atendidos os princípios previstos no CDC, demonstra-se a falta de necessidade de alterações da lei consumerista. É necessária a criação de leis específicas sobre os mais variados temas atinentes à defesa do consumidor, que regulamentem e atendam os princípios e normas gerais estabelecidas no CDC. 




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