Setecidades Titulo Transportes
Nem Cartão BOM
escapa de ambulantes

Adotado há pouco mais de três meses no corredor de
trólebus, o sistema de créditos já tem comércio ilegal

Cadu Proieti, Fábio Munhoz e Rafael Ribeiro
27/03/2012 | 07:00
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Pouco mais de três meses após a adoção do Cartão BOM (Bilhete de Ônibus Metropolitano) nos trólebus do Corredor ABD, ambulantes que revendem bilhetes da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) no Centro de Santo André já oferecem esquema de compra dos créditos eletrônicos do vale-transporte.

É a forma encontrada de compensar a queda na comercialização dos passes magnéticos após a adoção do cartão. A equipe do Diário esteve em todas as estações de trem e terminais de trólebus da região. Em São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não havia vendedores. No restante, o número de ambulantes desse tipo de negócio é baixo.

Pagando só metade do valor que o trabalhador ou estudante ganha de cota no cartão, os ambulantes atraem os clientes com quiosques montados ao redor do Terminal Oeste de Santo André. Lá, as pessoas são orientadas a seguir para uma sala comercial na Rua Catequese. É necessário deixar o cartão e fornecer dados como nome completo e CPF para que os revendedores possam ativar um cadastro no site do Cartão BOM e, dessa forma, acompanhar o saldo de créditos.

"Se quiser vender só de um mês, você volta aqui depois de 30 dias e pega o cartão. Senão, volta mensalmente para retirar os 50% de dinheiro a que tem direito", explicou um dos atendentes. A pessoa interessada paga até R$ 2,90, R$ 0,10 a menos que o preço da passagem, para usar o cartão alheio.

Uma lei trabalhista de 1985 proíbe o trabalhador de revender o vale-transporte. O desrespeito pode render demissão por justa causa. Quem revende é passível de autuação criminal. E o usuário que adquire também pode responder por falsidade ideológica. A Polícia Civil da região não tem registros de ocorrência do tipo. Mas a fiscalização da abordagem inicial, das barracas na rua, é de responsabilidade do poder municipal. A Prefeitura de Santo André disse estar ciente do problema e que intensificou a atuação de fiscais nos terminais.

Por sua vez, a EMTU informou que vem adotando medidas para coibir o uso irregular do cartão. Uma delas é o limite de dez viagens por dia. Outra é o tempo de 60 minutos de espera para passar novamente com o cartão na mesma catraca.

A empresa disse ainda que faz acompanhamento do uso de cartões de vale-transporte e que constatação de fraude, como o uso repetido do direito em um mesmo coletivo, pode acarretar em redução da quantidade de utilização e perda do direito de recarga diretamente na catraca, obrigando o usuário a ir em uma loja do BOM.
"Sei que é proibido, mas preciso do dinheiro. Como minha irmã não usa o cartão, achei por bem vender", disse um dos clientes da sala comercial que compra os créditos, que passava ali para retirar a cota mensal a que tem direito - R$ 75 -, referente às 50 passagens mensais que a irmã recebe no emprego.

Apesar de não revelar quantos mais topam deixar documentos na mão do grupo, o atendente disse que o esquema é novo e que ainda tem pequena cartela de clientes. "Por isso estamos pensando em até mesmo abaixar o preço para atrair mais pessoas. Todo mundo sai ganhando." (Colaboraram Cadu Proieti e Fábio Munhoz)

Fiscalização das prefeituras é falha e favorece comércio

As prefeituras dizem que fazem constantes fiscalizações para coibir o comércio ilegal ao lado de estações ou terminais. Mas é falha. Em todas há ambulantes, só que em Santo André a ousadia é maior. Principal estação de trem da Linha 10-Turquesa no Grande ABC, com a maioria dos 5,1 milhões de passagens em fevereiro, também é o ponto preferido de atuação dos ambulantes.

A procura é tanta por parte dos passageiros que não há necessidade sequer de diminuir os R$ 3 cobrados na bilheteria oficial. "Todo mundo prefere comprar bilhete aqui fora para fugir da fila. Não tenho tempo para ficar esperando", disse o vendedor Rafael Santos, 28 anos, que mora na Capital e trabalha em São Bernardo. Como ganha o vale-transporte apenas no Cartão BOM, não aceito no trem, todo dia ele paga um ambulante para escapar das filas, às 19h, e assim chegar em casa mais cedo.

"Nunca tive problema com bilhete falso. O pessoal sempre alerta para esse risco, mas a gente sabe exatamente de onde é a procedência: de trabalhador, como eu", completou.

Tamanha concorrência fez o vendedor de chicletes Maurício Costa, 39, desistir de vender bilhetes. Com um ponto fixo na frente da estação da CPTM, tinha lucro certo até o número de colegas aumentar. Com a adoção dos cartões Bom e Bilhete Único, da Capital, viu o movimento cair e disse estar arrependido.

"Não defendo a venda do passe. O transporte público só melhorou desde então, foi uma troca justa. O passe me ajudou em um momento difícil. Hoje, a bala consegue sustentar minha família."

Mercado paralelo de bilhetes tem queda

Cerca de 2,6 milhões de cartões BOM estão ativos. Desses, 50% são usados diariamente nas catracas da EMTU, incluindo o Corredor ABD de trólebus. O próximo passo, apesar de a CPTM não divulgar prazos, é a aceitação dessa forma de pagamento nas catracas do sistema ferroviário. No momento, é aceito apenas na Estação Palmeiras/Barra Funda, na Capital.

Pelo constante crescimento de usuários do BOM, o mercado paralelo de bilhetes magnéticos caiu consideravelmente. Mas não acabou. Nas três cidades em que o Diário não constatou a presença de revendedores, populares informaram que eles viraram figura rara. "Às vezes, você está no ponto ou no ônibus e o próprio trabalhador que quer repassar seu vale-transporte vem oferecer alguns bilhetes", disse passageira de São Caetano.

"Acabou. Hoje só tenho prejuízo", disse o ambulante Sebastião Torres, 63 anos, há 12 com uma barraca na região central de São Bernardo. "Hoje, se recebemos dez passes em um mês, é muito. E mesmo assim só vendo dois, três por semana", completou.

Ele explicou que a vantagem sempre foi pequena para os ambulantes. Trabalhadores que ganhavam cota de bilhetes eletrônicos acima do que precisam encontravam meio de lucrar. Cada passe era vendido por R$ 2. E revendido por R$ 2,80, R$ 0,10 a menos do preço da passagem na época.

"Tinha dia que você não ganhava nada. Mas o máximo que lucrava eram R$ 50, para encerrar o trabalho e ir ali no bar tomar um negocinho", brincou. Ciente de que o que fazia era errado, disse que nunca foi incomodado por fiscal da Prefeitura. "Nem paguei nada para eles."

Benedita Silva, 58, 11 deles como ambulante em Diadema, olha para a barraca de carteiras e carregadores de celular e suspira. "Muita gente perdeu o emprego. Meu filho, por exemplo. O passe acabou", disse. Com número fixo de clientes mensais - venda e compra -, já lucrou R$ 700 em um mês só com a revenda de bilhetes. "Agora, a maioria teve de voltar a vender doce ou bala. Os cartões acabaram com a mamata."




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