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Bullying, brincadeira que faz chorar
Por Renata Gonçalez
Do Diário do Grande ABC
06/03/2005 | 17:46
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Um tipo de exclusão social velada, capaz de oprimir, intimidar e machucar aos poucos, sem nunca ser declarada de fato. A origem pode estar num apelido de mau gosto, em ameaças de agressão ou simplesmente em atitudes de desprezo. Assim é o bullying, palavra de origem inglesa para teorizar um fenômeno percebido entre grupos de crianças e adolescentes, especialmente em idade escolar. Na prática, bullying são aquelas brincadeiras insistentes feitas para ridicularizar alguém do grupo. Encarada por várias gerações como ‘bobeira de criança’, hoje o fenômeno é uma das maiores preocupações para pedagogos e psicólogos.

A novidade está apenas no nome, criado há pouco mais de 10 anos. Quem nunca foi alvo de algum tipo de gozação na época de estudante? Ou ainda, atire a primeira pedra quem nunca engrossou o coro de vozes para chamar alguém de Quatro-Olhos, Dumbo, Cabeção, Rolha de Poço, Pintor de Rodapé, Olívia Palito, Chokito, entre tantos apelidos.

Derivado do verbo to bully (intimidar, em inglês) ou simplesmente da expressão bully (gíria que corresponde ao nosso valentão, machão), o conceito de bullying nasceu na Noruega, entre educadores que associaram uma série de homicídios praticados por estudantes que sofriam perseguições por parte dos colegas de escola.

Em seguida, foi a vez de países da Inglaterra, Espanha e Portugal importarem o conceito para combater a intimidação entre os jovens naqueles países. Agora, a preocupação chega às salas de aula do Brasil, país onde a violência urbana se tornou notória, mas que ainda carece de pesquisas sobre agressões dentro das escolas.

O único dado disponível é um estudo feito pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) em 2002, com estudantes de 14 a 19 anos de cinco capitais brasileiras (Brasília, Fortaleza, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo). A pesquisa apontou que 60% deles disseram ter sido vítimas de algum tipo de violência (física ou moral) dentro da escola.

Triângulo – O bullying é sustentado por três pilares: agressor, colaborador e vítima. "Trata-se de uma cadeia na qual o agressor, invariavelmente, já esteve na condição de vítima alguma vez na vida e foi humilhado pelos colegas de escola. E aí resolve fazer o mesmo com alguém", explica a psicopedagoga Kátia Kühn Chedid, que integra um grupo de estudos sobre o tema da PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Os colaboradores são os que repetem as humilhações ditadas pelo agressor, mesmo sem concordar, só para desviarem as atenções de si mesmos – evitando assim se tornarem as próximas vítimas.

Recém-matriculado no Colégio Jean Piaget, de São Bernardo, Angelo (*), 15 anos, foi perseguido por alunos dos ensinos fundamental e médio desde o começo do ano letivo. O garoto é alto, moreno e de olhos azuis, motivo pelo qual começou a ser chamado de ‘folgado’ pelos outros, fama que rapidamente se espalhou pela escola e que o impediu de fazer amizade com os estudantes do sexo masculino.

"Alguns diziam que eu era folgado porque encarava os meninos. Outros falavam que eu ‘me achava’, estava ‘causando’. O jeito foi me aproximar das meninas, que nunca estiveram contra mim", fala. E assim causou ciúme nos outros meninos.

O estudante diz jamais ter respondido às provocações. Por outro lado, nunca abaixou a cabeça perante os agressores. "Se me xingavam, eu respondia: ‘é, sou isso aí mesmo’". Embora tenha optado por não contar nada aos pais, o adolescente pretendia sair da escola caso a situação não se amenizasse.

Semana passada, um plano para atacar Angelo na saída chegou aos ouvidos da direção da escola, que pegou a turma no pulo. Eles foram convocados para uma reunião e entenderam que o que vivenciavam era bullying. Os alunos assistiram a um trecho do filme Bang Bang! Você Morreu (direção de Guy Ferland), que mostra até onde atitudes de intimidação podem chegar.

Embora não seja o mentor da perseguição sofrida por Angelo, Rodrigo (*), 15 anos, fazia o papel de colaborador no triângulo de bullying. Ele é amigo do garoto que deu início à rivalidade, e por isso estaria entre os que pegariam Angelo na saída. "Ouvi falar que ele traria membros da Independente (torcida organizada do São Paulo) para bater na gente. Depois entendi que não passava de boato. Coloquei-me no lugar dele e percebi que a gente não pode julgar as pessoas sem conhecê-las primeiro."

* (nomes fictícios)




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