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Família de vítima ainda espera por indenização
Yara Ferraz
do Diário do Grande ABC
30/03/2017 | 13:00
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A rotina de Efigênia Guilhermina Josino, 78 anos, mãe de dez filhos e avó de 22 netos, nunca foi fácil. Entre os sofrimentos da mulher, natural de Volta Redonda, em Minas Gerais, está a convivência diária com a perda do filho mais novo, Mário José Josino, vítima dos dois disparos na favela Naval, em Diadema, em março de 1997.

Mesmo sendo vencedora de ação contra o Estado de São Paulo, ela ainda espera receber o montante, na época fixado em R$ 150 mil. Hoje o valor gira em torno de R$ 3 milhões. O pagamento está na fila dos precatórios, sendo o número 2.703 – ou seja, existem 2.702 pessoas para receber algum dinheiro na frente dela – o que obriga a idosa a vender rifas de jogos de cama, mesa e banho para ajudar no orçamento. “Já cheguei a pensar: ‘meu Deus, já que estou esperando tanto para receber esse dinheiro, por que não traz meu filho de volta?’ ”, afirmou.

A família chegou na região em 1954, e se estabeleceu nos fundos de uma casa. Em 1993, José Josino, marido de Efigênia e pai de Mário, morreu de infarto. Foi quando ela achou que a vida ia desmoronar, mas encontrou forças na religião.

“Foi um período muito difícil para mim. Trabalhava lavando roupa para casas de família e foi graças a esse dinheiro que consegui comprar o meu terreno. Fiquei com muita raiva de tudo, foi quando me tornei budista”, contou.

A companhia constante é o neto e filho de Mário, Kleiton Ribeiro Josino, 29, que mora com ela, e tinha apenas 9 anos à época da morte do pai – mas, ainda assim, ele afirma se lembrar de tudo. A mãe e mulher de Mário, Josélia Josino, que também tinha parte na ação, morreu há nove anos, em decorrência de câncer.

O menino já tentou ser jogador de futebol, o que não deu certo, e atualmente faz bicos de entregador. O principal problema para encontrar um emprego é que ele parou de estudar e não iniciou o Ensino Médio. “E o meu pai sempre pegava muito no meu pé para que eu fizesse a lição de casa e não faltasse. Cursei até a 8ª série. Tenho uma filha de 10 anos e preciso pagar pensão, então, vou me virando e sempre ajudo a minha avó com o que posso”, contou.

Dona Efigênia recebe uma pensão, pouco maior que um salário mínimo, e com as rifas e a ajuda do neto consegue pagar a prestação de um apartamento modesto, no bairro Jordanópolis, em São Bernardo, comprado há pouco tempo, no valor de R$ 1.500. Devido às lembranças e demais questões familiares, ela resolveu vender o terreno antigo, na Naval. “Ele era o filho mais apegado a mim. A principal lembrança que tenho dele é que sempre se preocupava com a minha roupa, dizia que eu tinha de estar bonita e elegante. O que será que ele me diria ao me ver desse jeito?”, questiona.

Em relação ao algoz de seu filho, ela sabe que o mesmo já cumpriu a pena e agora está em liberdade, porém, nunca voltou a reencontrá-lo desde o julgamento. “Conheci a família dele, todo mundo é gente boa. Só ele que é daquele jeito. Para mim, que sempre fui honesta e criei meu filho, que nunca se meteu em confusão, ver um filho morto com tiro nas costas é uma tristeza imensa”, disse, emocionada.

A Procuradoria-Geral do Estado informou que a ação da Família de Mário – também diz respeito aos nove irmãos – teve dois precatórios distintos, expedidos posteriormente a 2008, mas ainda pendentes de pagamento. Conforme o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) tem direito a pagamento prioritário quem possui mais de 60 anos, é portador de doença grave ou deficiência. <EM>Ainda segundo o tribunal, nos termos da emenda constitucional número 94/2016, promulgada em 15/12/2016, a Fazenda do Estado de São Paulo está inserida no regime especial de precatórios, o que lhe confere prazo até o ano de 2020 para quitar o estoque de sua dívida com precatórios.

“Conforme os depósitos vão sendo efetuados pela entidade, o Tribunal de Justiça, por intermédio da Depre (Diretoria de Execução de Precatórios), disponibiliza os pagamentos seguindo a ordem cronológica dos precatórios”, informou o TJ, em nota.

‘Se pudesse voltar, consertaria erros’

Autor dos disparos que vitimaram fatalmente Mário José Josino, o ex-policial militar Otávio Lourenço Gambra, 59 anos, conhecido como Rambo, cumpriu oito anos de prisão em regime fechado (foi condenado a 65 anos). Atualmente, ele mantém empresa de monitoramento e vive na região central da Capital.

Após diversas negativas, Gambra aceitou falar com a equipe do Diário sobre o caso, rapidamente, por telefone. Ele afirmou estar relutante por causa de comentários negativos devido a entrevista que concedeu recentemente a rádio da Capital, e também chegou a mencionar a saúde da mãe. A intenção era não falar mais acerca do assunto.

Sobre o caso, ele afirma ter tirado lição. “Destes anos todos que se passaram, foi sempre continuar a caminhar. Aprendi a viver, e não adianta passar por cima. É assumir o que fiz para melhorar e seguir olhando para frente”, afirmou.

Ao ser questionado em relação aos disparos efetuados em direção ao VW Gol preto, onde estavam Mário José Josino e os amigos Jefferson Caputi e Antonio Carlos Dias, ele afirmou que não teve a intenção de matar ninguém.

A mãe da vítima disse em depoimento que o filho estava relutante em sair de casa, mas aceitou convite de amigos para tomar cerveja. Antes de sair, Mário conversou com ela e cobrou os pedreiros sobre a reforma da casa. Foi a última vez que ela o viu. O filho cruzou com a blitz da PM (Polícia Militar), e Gambra atirou em direção ao veículo. Um dos projéteis atingiu as costas de Mário.

“Jamais tive a intenção. O que a gente queria era trabalhar e fazer o melhor. Por isso estávamos de madrugada naquela situação. Mesmo para o Ministério Público, que quis provar ao contrário, estávamos lá trabalhando. Tudo devidamente autorizado”, afirmou Rambo, dizendo que se tratava de operação para o combate ao tráfico de drogas na região. “Se pudesse voltar, sem dúvida consertaria os meus erros”, finalizou.

REPERCUSSÃO
As imagens feitas por cinegrafista freelancer durante os dias 3, 5 e 7 de março de 1997 foram ao ar no Jornal Nacional em 31 de março. A repercussão nacional foi imediata. À época, o comandante da PM na região, coronel Paulo Miranda de Castro, foi afastado imediatamente da função. O então governador Mário Covas (PSDB) chegou a pedir a extinção da corporação no Congresso Nacional.

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Estado informou que o Batalhão chegou a instaurar processo administrativo para investigar a ação dos policiais envolvidos no caso. O que resultou na demissão de Reginaldo José dos Santos, Paulo Rogério Garcia Barreto, Ricardo Luiz Buzeto e Demontier Carolino de Figueiredo.

“Já os policiais Maurício Gomes Louzada, Otávio Lourenço Gambra e Nelson Soares da Silva Junior foram expulsos da corporação, perdendo o direito de participarem de novos concursos. O policial Adriano Lima de Oliveira foi punido administrativamente por não ter comunicado as ilegalidades que presenciou quando questionado, omitindo-se em transmitir as informações sobre os fatos. Por fim, após concessão da Justiça, o policial Ricardo Luiz Buzeto foi reintegrado à Polícia Militar”, disse em nota.

Conforme a Pasta, todos os casos de mortes decorrentes de oposição à intervenção policial são investigados para apurar se a atuação do policial foi realmente legítima. Em 2015, foi implementada resolução que determina comparecimento das corregedorias e dos comandantes da região, além de equipe específica do IML e IC, para melhor preservação do local. A resolução também prevê imediata comunicação ao Ministério Público. 




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