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Nelson Leirner abre mostra paródica com ícones, de Da Vinci a Duchamp
01/09/2015 | 08:00
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Platão não gostava de imitação, mas seu discípulo Aristóteles gostava. O processo mimético, para a filosofia platônica, era falso, a imitação da imitação. Já o pensamento aristotélico admitia essa e outras possibilidades, talvez antevendo a estética paródica do pintor paulista Nelson Leirner, que, aos 83 anos, não se cansa de fazer rir com sua arte, cujo alvo é sempre o cânone visual ocidental, de Leonardo Da Vinci a Duchamp.

Essas são apenas duas de suas vítimas preferenciais na exposição Traduções: Nelson Leirner, Leitor dos Outros e de Si Mesmo, que será aberta nesta terça-feira, 1º, às 20 horas, na Galeria Vermelho, com curadoria da historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. As outras vítimas atendem pelos nomes de Joseph Beuys, Damien Hirst, William Kentridge, Matisse, Mondrian e Velázquez.

Para cada um deles Leirner reservou uma sala, não como um tributo aos artistas, mas como uma tradução particular de suas obras universais. Citando o velho ditado italiano que equipara o tradutor a um traidor ("traduttore traditore"), a curadora adianta que essa tradução visual é livre e pode até trair o original, o que acontece de fato.

Leirner é um legítimo 'trouble maker', na linha do dadaísta Duchamp: já empalhou um porco e mandou o animal para um salão de arte, em Brasília, em plena ditadura (1967). O júri (do qual fazia parte o respeitado crítico Mario Pedrosa) aceitou o trabalho. Leirner ficou indignado e interpelou o júri. Como, então, aceitam um porco numa exposição de arte? Bem, o urinol de Duchamp não foi legitimado como obra de arte? Por que não um porco?

Na atual exposição, pela ordem de entrada em cena na história da arte, Da Vinci ganha releituras de duas de suas mais famosas pinturas: a Mona Lisa (que usa óculos escuros ou serve de fundo para um relógio de parede) e a Santa Ceia (também em várias versões, entre elas a de um jantar em que o prato principal é hambúrguer). As Meninas do espanhol Velázquez são acossadas por um enxame de moscas.

Prosseguindo: os recortes de Matisse são usados como estampas em travesseiros. A ordem ortogonal do holandês Mondrian serve para construir um gaveteiro. A roda de bicicleta de Duchamp é suporte para uma colagem de emoticons. Os rasgos do argentino Lucio Fontana na tela se transformam em zíperes. O alemão Beuys some de cena, restando apenas o chapéu e as roupas de feltro. Os tubarões embalsamados do inglês Damien Hirt ganham uma versão de brinquedo. As animações de Kentridge servem para decorar pratos. Finalmente, a japonesa Kusama, obcecada por bolinhas, também é atacada pelo vírus da cultura de massa: um muppet sobe ao topo de seu ícone, a abóbora. Curtiu, como perguntam nas redes sociais?

Ainda tem mais: a curadora resgatou para a mostra uma obra rara, um vestido para o carnaval de 1968 desenhado por Leirner especialmente para o extinto Suplemento Feminino do Estado, que, a exemplo das peças (em madeira e plotter) com zíper, repetem o histórico gesto de Fontana que, ao fazer incisões na tela, nos anos 1950, criou uma nova espacialidade.

"Leirner tira a sacralidade da obra de arte, a aura de peça única", diz a curadora Lilia Schwarcz. "Piadas, como disse (o historiador americano) Robert Darnton, podem ser pontos de partida para estudos históricos, como prova a leitura de O Grande Massacre de Gatos", conclui. O livro de Darnton em questão, baseado em fatos aparentemente sem importância da história francesa, acaba revelando mais sobre ela que exaustivos estudos acadêmicos. De modo similar, acentua Lilia, o humor corrosivo de Leirner é uma janela para enxergar a arte de outra perspectiva. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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