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Morte de Mário Covas completa uma década
Beto Silva
Do Diário do Grande ABC
13/03/2011 | 07:21
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Idolatrado pelos correligionários tucanos e respeitado pelos adversários políticos, principalmente petistas. Assim era Mário Covas, fundador do PSDB em 1988, secretário municipal de Obras (em Santos) e estadual de Transportes (em São Paulo), três vezes deputado federal, duas senador e governador por dois mandatos. Após dez anos de sua morte, em 6 de março de 2001, aos 70 anos, decorrente de câncer de bexiga e intestino, sua ideologia política é pouco cultivada e o partido que ajudou a criar passa por turbulências após sucessivas derrotas em eleições presidenciais.

Covas conquistou o que poucos profissionais conseguiram, nas mais diferentes áreas de atuação: deferência e autoridade de aliados e rivais, amigos e inimigos. A imposição era pelo conjunto de ideias, valores, crenças e ações. Os adeptos de sua filosofia política não o seguiam por falar alto, por executar gestos bruscos ou pela sinceridade genuína. Tampouco pelo mau-humor peculiar, que o atrapalhava vez por outra. O jeito bonachão, com uso corriqueiro de trajes populares - terno e gravata eram raros e os suspensórios, quase marca registrada -, atraíam quadros.

Nas frases de repercussão de sua morte são estampados esses sentimentos. Há dez anos, dos sete municípios locais, cinco eram comandados por prefeitos do PT. Não houve uma afirmação de desabono. Pelo contrário. Foram unanimidade elogios ao governador nascido em Santos no dia 21 de abril de 1930, formado em Química Industrial e Engenharia.

Sua postura persuasiva o levou a tomar atitude inimaginável no panorama político atual. Um tucano levantar as mãos de um petista, em apoio à candidatura ao Palácio do Planalto. A cena é histórica. No pleito presidencial de 1989, Mário Covas ficou em quarto lugar no primeiro turno. E aderiu à campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, que disputava com Fernando Collor de Melo (PRN).

Pouco mais de quatro anos depois estava no palanque do parceiro Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que concorria ao posto máximo da Nação. Uma troca de apoio, pois disputava o governo de São Paulo. Ambos venceram e iniciaram seus mandatos dia 1º de janeiro de 1995. Ambos foram reeleitos em 1998. FHC concluiu a segunda gestão. Covas completou apenas o biênio inicial - licenciou-se do cargo em decorrência da doença.

"Era afinado com a proposta de alinhar desenvolvimento econômico com o social. Assim como outras referências, amadureceu muito na luta contra a ditadura (1964 a 1985). No seu governo, rompeu com a visão populista, aquela política de ganhar no grito", analisa o cientista político Rui Tavares Maluf.

O especialista considera que o PSDB deu continuidade a essa metodologia, pois se manteve até hoje no Palácio dos Bandeirantes, com aval da população. "O partido o seguiu de alguma maneira. Mas não significa que não houve erros."

Se os seis anos de administração foram marcantes para o Estado, as marcas do tucano no Grande ABC também foram assinaladas. Dentre as principais ações na região destacam-se as construções dos dois hospitais regionais, conjuntos habitacionais, reformas de escolas e combate às enchentes (veja arte abaixo). Além da dedicação à concretização do Rodoanel.

Mas nem tudo foram flores na carreira política de Mário Covas. Algumas polêmicas também marcaram a vida pública do tucano. Foi criticado pelas privatizações feitas em estatais paulistas como o Banespa, Eletropaulo e algumas estradas.

Seu ímpeto de enfrentar manifestantes, principalmente professores que protestavam por melhores salários, também lhe rendeu protagonismo de cenas inóspitas, como a que levou uma ovada, ou outra em que tomou bandeirada.

 

TUCANATO ATUAL

Atualmente, as confusões dos tucanos que seguem os passos de Covas são outras. As trapalhadas são internas. A disputa pela liderança do PSDB e a consequente indicação para candidaturas a presidente é tão notória quanto prejudicial.

Após a era FHC, em 2002, o tucanato amargou três derrotas seguidas (duas para Lula e a última, no ano passado, para Dilma Rousseff) na corrida pelo Palácio do Planalto. A legenda sempre foi rachada para os embates. No ano que vem, a tensão é mais uma vez iminente. José Serra, batido em 2002 e em 2010, não desiste de chegar à Presidência. Mas o senador mineiro Aécio Neves, em franca ascensão, também está de olho no comando da União.

Se Covas estivesse vivo, as divergências existiriam? Talvez sim, mas em menor intensidade, analisa Rui Tavares Maluf. "Covas teria 80 anos, como Fernando Henrique. Não daria para ter o gás de antes. Mas seria preciso alguém da estatura dele para ajudar na maturação programática do partido."

 

‘O principal é como ele fez, não o que fez', diz Bruno

 

O único familiar que segue os passos deixados por Mário Covas na política é o neto do tucano, Bruno Covas. "Mas todo mundo é filiado e na hora da campanha vai para a rua." Eleito para seu segundo mandato de deputado estadual em 2010 (o mais bem votado do Estado), foi convidado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) a comandar a Secretaria de Meio Ambiente. Na carreira política, leva duas lições do avô: o trato com a coisa pública e a orientação para estudar.

Sobre o primeiro aspecto, Bruno destaca a maneira de fazer política de Covas. "Não são só as obras físicas, que poderíamos listar inúmeras, como 120 moradias populares, o Rodoanel, os hospitais... O principal é como ele fez, não o que fez. Fez com valores, com princípios."

Acerca do segundo ponto, o secretário também segue à risca: é advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), economista pela PUC-SP e mestrando em Administração Pública e Governo, com foco em Finanças, pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Isso aos 30 anos.

Bruno também fala da convivência com o avô. Em 1995, deixou a cidade de Santos, onde nasceu, para estudar em São Paulo. Foram seis anos de experiência efetiva, residindo no Palácio dos Bandeirantes. "Ele não era bravo com a gente. Talvez por sentimento de culpa por ter de estar sempre longe da família, dos filhos, dos netos", ressalta o presidente nacional da Juventude do PSDB.

"Política era tema na mesa de jantar. A gente perguntava sobre as movimentações que poderiam ocorrer, mas ele não dizia muita coisa. Gostava de esporte na televisão e jogar xadrez", completa.

Indagado sobre a responsabilidade de ser parente do governador famoso, avisa: "Isso chama a atenção. Porém, é como filho de cantor: pode até lançar o primeiro CD, mas para levar o povo junto tem de saber cantar."

 

Militou enquanto pôde', afirma o médico particular

 

Médico particular de Mário Covas, David Uip era mais do que um profissional da Saúde que acompanhava cada passo do governador. Era amigo, conselheiro e confidente. Ele obteve a confiança do tucano 1998, quando o político passou por cirurgia para retirar tumores. Três anos mais tarde, Uip assinava o óbito de Covas.

Um dos mais renomados infectologistas do Brasil conta hoje que a dedicação do governador à política, mesmo em estágio avançado da doença, não atrapalhou o tratamento. "Militou enquanto pôde. Ele foi até o limite", confidencia Uip, atualmente diretor do Hospital Emílio Ribas.

Formado pela Faculdade de Medicina do ABC, o profissional relata que o avanço da medicina, de uma década para cá, não seria suficiente para dar sobrevida a Covas, se o caso fosse revelado hoje. "É claro que a medicina avançou, as técnicas equipamentos... Mas usamos o que tinha de mais avançado na época, mais moderno, e com os melhores profissionais", observa um dos homens que passaram mais tempo ao lado do político no fim da atuação.

Nos últimos dias de vida, Covas, já debilitado, pediu para passar o fim de semana de Carnaval de 2001 em Bertioga, onde tinha casa. "Ele queria ver o mar, a praia pela última vez", relata o médico, que acompanhou o governador no helicóptero que o conduzia do litoral paulista para o hospital, na Capital.

"Perdi mais do que um paciente próximo, perdi um amigo. E o Brasil perdeu uma grande figura. Senti muito, foi diferente", afirma David Uip, que assistia a jogos do Santos com Mário Covas, jantava com o governador e dava palpites na gestão da área da Saúde, além de ter sido o porta-voz do estado clínico do tucano durante os dois anos de luta contra o câncer.




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