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Morador de rua cuida de cachorros e divide refeições

Na Vila Curuçá, em Santo André, Simão Pinheiro da Costa, 43, é catador de material reciclável e virou ‘pai’ de três cães vira-latas

Yara Ferraz
15/03/2015 | 10:59
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Denis Maciel/DGABC


 Na esquina entre as avenidas Itamarati e Antônio Cardoso, na Vila Curuçá, em Santo André, está localizada uma grande doceria. Durante o dia, a movimentação de clientes em busca das delícias vendidas ali é intensa. Mas, durante a noite, quem é visto no lugar é o catador de recicláveis Simão Pinheiro da Costa, 43 anos, acompanhado de seus três cachorros vira-latas Neguita, Negão e Marrom. A inusitada ‘família’ dorme ali, sob a cobertura do estabelecimento comercial.

Simão ‘mora’ no local há três anos. O catador de material reciclável é natural de Buriti Bravo, cidade do Maranhão, e veio trabalhar na região central de São Paulo em 1989. “Não conheci a minha mãe. Ela fugiu assim que nasci. Meu pai encontrou outra mulher e também sumiu, de modo que fui criado pelos meus avós. Sempre trabalhei na lavoura. Plantava feijão e arroz, mas todo mundo que leva essa vida tem o sonho de vir trabalhar para cá”, contou.

Quando chegou, Costa conseguiu emprego em uma loja de discos de um primo na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, na Capital. Porém, após dois anos, o local foi fechado e ele precisou se virar para garantir o ganha-pão. Começou, então, a trabalhar como ajudante de pedreiro com a família da namorada na Cidade Tiradentes.

O VÍCIO
Foi nesse meio-tempo que Costa conheceu o crack. Por causa da dependência da droga, chegou a ser preso duas vezes por furto e roubo. “Paguei o que eu devia para Justiça. A prisão é o lugar mais triste no qual eu já estive. Aquilo lá não recupera ninguém.”

Foi em 1994 que ele chegou a Santo André, com esperanças de encontrar um trabalho melhor. “Comecei a olhar casas que estavam à venda para uma imobiliária, como bico. Curioso é que desde então nunca mais tive um teto, ficava migrando de um lugar para o outro até ir para as ruas de vez, dez anos depois”, afirmou.

A RUA
Simão saiu do emprego e se juntou aos diversos usuários de drogas do município, que transitam entre a Vila Guiomar e o viaduto da Tamarutaca. Segundo ele, essa foi uma das épocas mais tristes de sua vida. “O pior para mim era ver as crianças que já nascem nas ruas e em contato com as drogas. Foi por isso que nunca quis ter filhos, é difícil vê-los sofrer e não ter nenhuma culpa por isso.”

Após 17 anos viciado em crack, Costa decidiu sozinho que era o momento de parar. Começou a frequentar o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua e decidiu se internar voluntariamente em uma clínica. “Tive que me afastar de todas as pessoas que conhecia porque não conseguiria vencer o vício se não fizesse isso. Hoje, graças a Deus, estou há quatro anos limpo e cada dia sem usar a droga, para mim, é uma vitória”, garantiu.

OS ANIMAIS
Para abandonar de vez a dependência, Costa contou com a ajuda dos três cachorros, que começou a cuidar como se fossem seus filhos. Todos eles têm mais de 10 anos, sendo que cada um tem a sua cama e seu pote de ração. O catador garante que a companhia dos vira-latas o ajudou a superar o vício.

Sensibilizados com a bondade do morador de rua, os vizinhos começaram a ajudá-lo. O dono do comércio de doces deixa a chave do estacionamento para que Costa guarde todo o material reciclável que recolhe nas ruas. Uma senhora castrou os três cães e, mensalmente, os leva para tomar banho, além de fornecer ração. Ele também ganha uma marmita todas as noites.

Trabalhando três dias por semana (segunda, quarta e sexta-feira, dias em que o lixeiro passa), ele ganha R$ 90 semanais. Tudo é gasto com comida, que é levada no seu carrinho até o viaduto onde antes ele viveu. Lá, Costa divide os alimentos com aqueles que ainda não superaram o vício como ele.

A CIDADE
Questionado se quer voltar para casa, o catador descarta a possibilidade. “Sou mais andreense do que maranhense. Gosto demais dessa cidade, dos parques Celso Daniel e Central, das ruas e do povo. Meu sonho é comprar uma casa para mim e para os meus cachorros aqui, mas na rua não dá para juntar dinheiro. Já tive cinco radinhos roubados.”

Ele estudou até o 5º ano do Ensino Fundamental no Maranhão e é um leitor convicto. Gosta de Machado de Assis e o último livro que leu foi O Cortiço, de Aluísio de Azevedo. Sobre voltar a estudar, disse que não tem vontade porque esse sonho ficou para trás.

Mesmo assim, faz questão de votar em todas as eleições, mantendo os comprovantes junto com os documentos. “É nosso dever de cidadão, então, preciso cumpri-lo. Nunca perdi uma eleição”, disse.

Ao ser questionado sobre outros sonhos, Costa afirmou não ter nenhum. Ele só quer continuar na cidade, com os seus cachorros, garantindo o sustento e ajudando mais pessoas com o pouco que ganha. “A minha vida é maravilhosa. Olha só, estamos aqui conversando, tive a oportunidade de conhecer essa equipe de reportagem. A minha única preocupação é com as crianças de rua. Gostaria que cuidassem delas, porque eu, sozinho, não consigo.”




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