Os estudos cênicos da Cia Lona de Retalhos têm levado nos últimos anos a revisitar alguns clássicos do teatro. Já passaram por suas mãos obras de nomes como Bertolt Brecht e Samuel Beckett, que ganharam releituras com estilo próprio. Desde maio, o grupo do Grande ABC tem viajado por Otelo, o Mouro de Veneza, de William Shakespeare. “É nosso terceiro projeto nessa linha de pegarmos esses contos conhecidos e apresentarmos eles de maneira completamente diferente ao público. São textos que resistiram ao tempo devido à sua qualidade e damos nossa visão sobre tudo. Com o Shakespeare, aproveitamos para cair na rua, pois bolamos algo bem urbano”, diz Carina Prestupa, atriz e uma das diretoras artísticas da companhia.

As ideias que tratam a peça de maneira mais crítica e com olhar um tanto quanto cômico estão em Otelo e a Loira de Veneza, que encerra sua turnê neste ano nas instalações do Sesi Mauá. As apresentações estão agendadas para amanhã e domingo, às 16h, com entrada franca para todo o público que retirar os ingressos com uma hora de antecedência na bilheteria do local.

Recheada de elementos como inveja, traição e rivalidade, o trabalho original acompanha o militar Otelo, que vive paixão vista com estranheza por seu alferes Iago, de olho em vingança por não ter ganho uma promoção no quartel. A versão local tem música e um pouco de malandragem – inclusive com a dinâmica de tudo ser apresentado por ambulantes e camelôs, que aproveitam certos momentos para vender seus produtos. Como sugere o título, a loira arrebatadora de corações é Desdêmona, uma das principais figuras do romance.

O ponto mais importante a ser tratado na peça é a questão do preconceito em cima do protagonista negro. “Quando o autor coloca o termo ‘mouro’ (nome dado a habitantes de determinada região da África) no título, ele já chama a atenção para certo ponto. Trabalhamos o preconceito no viés da comédia, que é muito potente e tem sempre uma crítica por trás”, analisa Carina Prestupa. “Misturamos a linguagem do palhaço, capaz de se comunicar com qualquer um. Revelamos uma comédia que acaba gerando um sorriso amarelo, sabendo que foi gerado por assuntos bons para a reflexão.”

No palco, a andreense divide a cena com Jorge Pezzolo, Icaro Rodrigues, Milena Bochi e Thaís Póvoa, está última também responsável pela direção artística da Cia Lona de Retalhos. Entre estudos poéticos que tentam trazer à tona série de discussões, Otelo e a Loira de Veneza encontra espaço para contextualizar a posição do personagem principal com a ajuda de um famoso caso brasileiro. “Há um rápido link com a história do Wilson Simonal (cantor de sucessos nos anos 1960 e 1970 que esteve envolvido em histórias de que seria delator durante a ditadura militar). Para nós, eles têm trajetória parecida e traçamos esse paralelo, com o ápice e a queda de ambos. É algo bem sutil, servindo como uma pitada brasileira nessa história inglesa”, afirma Carina.

Otelo e a Loira de Veneza – Teatro. Amanhã e domingo, às 16h. No Sesi Mauá – Av. Presidente Castelo Branco, 237. Tel.: 4542-8977. Grátis.