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Bebida alcoólica é droga legal, mas provoca mortes
Por Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
25/09/2011 | 07:30
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A face sombria do álcool cada vez mais é exibida para a sociedade. Seja em acidentes de trânsito, famílias desestruturadas, jovens dependentes e, principalmente, em mortes. Essas são algumas das sequelas deixadas pelas bebidas alcoólicas ao longo do caminho.

Pesquisa do departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo mostra que 17% dos dependentes de álcool morreram após cinco anos de consumo.

Essa é pequena amostra do poder de destruição da bebida. Outro número relevante divulgado semana passada mostrou que o Grande ABC tem a maior presença de álcool entre as cidades do Estado. O índice regional foi de 86%, contra 49% da média estadual. O levantamento foi realizado por meio de enquete enviada às administrações municipais - as sete cidades da região responderam - pela Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa.

"O problema do álcool no Grande ABC é preocupante. Está muito alto e precisamos tomar medidas", disse o coordenador da Frente, o deputado estadual Donisete Braga (PT-Mauá).

Não é apenas o parlamentar que tem essa opinião. Todos os especialistas ouvidos pelo Diário estão em sintonia em relação a esse assunto. Para eles, o álcool precisa parar de ser visto como droga inofensiva.

"O alcoolismo age de forma mais lenta do que o crack, mas o seu poder de destruição é preocupante. Em nossas clínicas, a maioria dos pacientes é dependente de álcool", disse Cibele Neder, coordenadora do Programa de Saúde Mental de Diadema.

A pesquisa da Unifesp acompanhou, durante cinco anos, 232 pessoas. No total, 41 dependentes de álcool morreram, sendo 66% devido a doenças provocadas pelo alcoolismo e 34% por acidentes de carro ou homicídios. 

ULTRAPASSADO
"O álcool é uma droga socialmente aceitável. Ele está associado ao poder, festa, imagens positivas. Essa visão precisa ser alterada", disse Marcelo Iampolsky, professor de Hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC.

Outro fator preocupante são os acidentes de trânsito. Cada vez mais a combinação bebida e volante se torna explosiva. De janeiro a julho, no Grande ABC, 85 pessoas perderam a vida em acidentes de trânsito, seja em colisões e atropelamentos, e outras 3.540 sofreram lesões corporais, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública.

 

Entidade trabalha para afastar pessoas do vício 

Nas salas de reuniões da Associação dos Alcoólicos Anônimos a vergonha e a discriminação são deixadas de lado. O problema de homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, é um só: o álcool. Essas pessoas buscam ajuda em 18 grupos no Grande ABC. Apenas Rio Grande da Serra não conta com unidade da entidade.

A garantia do anonimato está em placas espalhadas pelos locais. Uma mensagem informa a seriedade do sigilo em um grupo de Mauá, com a seguinte frase: "Quem você viu aqui. O que você ouviu aqui. Quando sair daqui, deixe que fique aqui".

As salas abrem diariamente, e os encontros duram cerca de duas horas, com intervalo para o café. Os participantes precisam seguir a doutrina dos 12 passos. "Na filosofia, é a mudança do comportamento. Visamos apenas o bem das pessoas e não forçamos ninguém a nada", conta Divino, 67 anos, um dos coordenadores.

As reuniões ocorrem com os relatos dos presentes. Cada um que se sentir à vontade, se levanta e caminha até a frente e tem direito a falar por dez minutos. Muitos estouram o tempo e são lembrados pela campainha. Os relatos são trágicos, são homens e mulheres que chegaram ao fundo do poço devido ao uso abusivo do álcool. Alguns relatam que bebiam até três litros de cachaça ou conhaque por dia.

"Fácil é parar de beber, difícil é ficar sem beber." Essa é a frase mais ouvida. Todos sabem há quantos anos, meses e dias estão sem beber. "Precisamos lembrar diariamente o que a bebida fazia. Isso é importante para ter em mente as tragédias que ela (bebida) causava", diz o aposentado Vander, 64, que está há nove anos e quatro dias abstêmio.

A seriedade do trabalho desenvolvido pela AAA é reconhecida por médicos e psiquiatras de expressão. Na quarta-feira, a partir das 9h, ocorrerá o seminário Alcoolismo: existe uma saída, na Câmara de Mauá, com palestras de profissionais reconhecidos, como o psiquiatra Ronaldo Laranjeira. A inscrição, gratuita, pode ser feita pelo telefone 3315-9333 ou e-mail aa.escritoriosede@aaspsp.org.br.

 

De volta à vida, após 15 anos no ‘poço' 

Quinze anos de bebedeiras memoráveis. Esse foi o tempo que o sindicalista Claudinei Maceió, 46 anos, viveu pela cachaça, como ele próprio diz. O resultado dessa vida desregrada foi uma pancreatite crônica, diabetes, problemas no casamento, distanciamento dos filhos, dificuldades nos relacionamentos profissionais e um ultimato dos médicos: tinha apenas mais um ano de vida, aos 38.

"Na hora que ouvi aquilo não acreditava que eu estava fazendo tudo aquilo comigo e, principalmente, com a minha família", conta Maceió, ao relembrar a vida de dependente alcoólico.

Atualmente ele é um dos diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Com angústia, recorda dos tempos difíceis. Ele está há sete anos sem beber e se orgulha a cada dia de novas conquistas.

Dos porres ficaram apenas a lembrança e as sequelas físicas e psicológicas. No momento que chegou ao fundo do poço pesava 107 quilos. Era gordo, não tinha forças para andar e para fazer muitas coisas.

A sua vida se resumia a acordar e, até o momento de dormir, beber. "Tomava uma garrafa de pinga rapidinho. Ficava nos botecos da vida. Isso não é vida para ninguém", comenta. Agora está satisfeito com os 82 quilos.

A bebida, diz, foi um meio para fugir das dificuldades e da infância traumatizada. Assim Maceió busca explicação para o vício. "Sentia um vazio imenso e buscava na pinga uma saída. Lógico que ali não encontraria."

Com a notícia de que tinha no máximo mais um ano de vida, e vendo a mulher e os dois filhos sofrendo, decidiu que eles não mereciam passar por toda aquela situação. "Um dia minha mulher me acordou e pediu para eu cheirar o lençol da cama. Nossa, fedia a ovo podre", relembra. O sindicalista seguiu o passo que milhares de pessoas fazem: procurou ajuda em culto evangélico e até hoje segue os preceitos da religião.

 

Caso do ex-jogador Sócrates põe dependentes em alerta 

O caso do médico e ex-jogador de futebol Sócrates é emblemático para os dependentes alcoólicos. Ele assumiu publicamente o vício, depois de uma primeira internação. Quinta-feira, recebeu alta após permanecer 17 dias internado devido à complicações de uma cirrose hepática com sangramento no esôfago. Para melhorar, será obrigado a passar por um transplante de fígado.

Para ter as condições obrigatórias solicitadas pelo Ministério da Saúde para autorização do transplante, o ex-jogador precisa passar seis meses de abstinência.

Segundo Carlos Bahia, coordenador do Transplante de Fígado do Hospital de Transplantes do Estado de São Paulo, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, todas as pessoas precisam parar por esse tempo. Mas, em muitos casos, apenas com essa fase sem ingerir bebidas alcoólicas, a condição e qualidade de vida dos pacientes melhoram significativamente.

Mas um dado está preocupando o especialista. Houve aumento de 54% nas internações devido à cirrose alcoólica nos hospitais da rede estadual. "Em 2007, tivemos 2.700 pacientes internados, mas para este ano a previsão é de 3.300. Esse dado é extremamente preocupante", analisa Bahia.

Já para a fila do transplante existem cerca de 1.000 pacientes atualmente. Cerca de 15%, ou 150, estão na espera devido ao uso prolongado de álcool. Em 2011, já foram realizados 501 transplantes, sendo 441 órgãos de falecidos e 60 de doadores vivos. Por outro lado, 274 pessoas morreram sem conseguir realizar a cirurgia.

Segundo o especialista, o tempo para uma pessoa chegar à condição de necessitar de transplante para sobreviver não é muito, como a maioria pensa. "Em dez anos de uso contínuo, o que significa de 4 a 5 doses diárias, que é uma quantidade aceitável socialmente. Porém, as pessoas podem ter problemas crônicos, como a cirrose", conta.

Milhares de brasileiros torcem pela saúde de Sócrates. Ele era um jogador extremamente habilidoso, que sabia jogar de costas para os adversários, com os seus inesquecíveis toques de calcanhar. Agora é hora de usar a inteligência para vencer esse adversário perigoso e rasteiro.




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