A gastronomia em Visconde de Mauá é capítulo à parte. Se no passado a natureza isolada da região atraiu a turma do paz e amor, hoje o que se vê é uma profusão de restaurantes comandados por chefs renomados, que vislumbraram no clima ameno da serra o ambiente ideal para agraciar o estômago com receitas sofisticadas à base de ingredientes da terra, como o pinhão, cogumelos e a truta salmonada, que é alimentada com betacaroteno para ganhar tonalidade alaranjada, como o salmão.

No fim de semana passado, o fruto da araucária foi mais uma vez o mote do 19º Concurso Gastronômico de Visconde de Mauá, que desafia cozinheiros locais a elaborar pratos inéditos à base de pinhão. Flavia Quaresma (Consultora/RJ), Marcia Pinchemel (Le Bistro/GO), Carlos Bertolazzi (Zena Café/SP), Rodrigo Martins (Vino/SP) e Ana Bueno (Banana da Terra/Paraty) integraram a comissão julgadora que elegeu o lombo de porco recheado com farofa de pinhão do Restaurante Rosmarinus Officinalis, comandado pelo andreense Julio Buschinelli, como o prato vencedor do ano.

A casquinha de truta do Filhos da Truta ganhou como melhor entrada e o bolo montanhês do Fazenda do Mel levou a melhor entre as sobremesas.

Essas e outras delícias criadas para o evento poderão ser saboreadas na maior parte dos restaurantes da cidade até o dia 31.

DIRETO DA HORTA

Especialidades à parte, quase todos os chefs de Visconde de Mauá trazem uma característica em comum: o apreço por ingredientes orgânicos, de preferência criados no quintal ou colhidos na própria horta.

É o caso do mineiro de Belo Horizonte Glaucio Santos Oliveira e sua mulher, a paulistana Patricia Helena Matheus, proprietários do Purpuris. Do seu possante forno a lenha saem pizzas de massa fina, temperadas com ervas e hortaliças colhidas nos fundos da propriedade. "Estamos fazendo testes de massa sem glúten, à base de farinha de mandioca, para quem tem rejeição ao trigo", antecipa Glaucio, que mora há 28 anos em Visconde de Mauá.

Sua filha mais velha, Ana Paula, segue os passos do pai. Formada na escola de Alain Ducasse, a sous-chef do Hotel Fronteira e a Courdon Bleu Laura Martinelli Rocha, da California School of Culinary Arts, aliam técnicas da cozinha francesa a ingredientes da região para preparar pratos únicos, feitos com verduras e flores tiradas da horta.

"Estamos estudando a possibilidade de abrir um restaurante para reserva de não-hóspedes, mudando o menu de caráter fusion por um cardápio de pratos brasileiros feitos com técnicas francesas", explica Ana Paula.

Famílias inteiras com vocação para as panelas, aliás, não faltam em Visconde de Mauá. A andreense Camila Buschinelli, chef do Mamma Felice, em Maringá, segue os passos do pai, Julio Buschinelli, que estudou no Américo Braziliense, trabalhou com a implantação de projetos em várias fábricas de São Paulo e, num belo dia, decidiu jogar tudo para o alto no Grande ABC para dedicar-se ao maior de todos os seus hobbies: cozinhar.

"Adoro praia, até tinha barco no Guarujá, mas queria abrir um restaurante no mato. Quando fui chamado para criar a Temporada de Truta em Visconde de Mauá, percebi que aqui seria um lugar bom para ter algo mais sofisticado, porque fica entre Minas, São Paulo e Rio. A distância das grandes capitais faz com que não haja ‘tribos' por aqui, aqueles clientes fiéis que passam a querer adaptar o cardápio ao seu próprio gosto. E aqui, o dinheiro dava", diz Julio, que estudou no CIA (Culinary Institute of America) e integrou o seleto grupo de 16 brasileiros do primeiro curso de imersão no Senac de Águas de São Pedro.

O resultado o turista pode provar no seu restaurante, o Rosmarinus, farto em peixes e massas de combinações tão inusitadas quanto impecáveis, que fazem jus à indignação do chef: definitivamente, seria uma heresia pedir para alterar um ou outro ingrediente.

GOSTO DE MÃE

Outra família que parece já ter nascido com o dom da culinária é a da chef Mônica Nery Faria Rangel, proprietária do Gosto com Gosto, eleito pelo Guia Quatro Rodas como o melhor restaurante mineiro do Brasil por nove anos consecutivos. "Minha comida é mais leve. Faço a costelinha em baixa temperatura, com pouca gordura. É a chance de comer pratos mineiros sem peso na consciência."

Assim como os outros chefs, Mônica não nasceu na cidade. É natural de Juiz de Fora e morou por muito tempo em Niterói, onde trabalhava como secretária bilíngue de uma multinacional. "Vim para dar qualidade de vida aos meus três filhos. Não me dava ao luxo de estar com eles, de fazer ginástica. E como todo mineiro tem um pé no fogão, achei que daria certo abrir um negócio aqui."

Ao contrário de outros chefs, ela se esforça para dar um paladar familiar aos seus pratos. "Para mim, o melhor elogio é quando dizem que a minha comida lembra a da mãe ou avó." Mesmo assim, Mônica se permite algumas ousadias ao fogão - como a saborosa costelinha ao molho de laranja e a picanha de porco com molho de jabuticaba, sua maior especialidade - e há anos comanda o Cruzeiro Gourmet da Costa em mares brasileiros.

Além de cativar clientes, a comida de mãe feita por Mônica despertou o interesse de seu filho, Dalton, para a culinária. E ele foi longe no ofício, literalmente. Formado em gastronomia pelo Senac, o rapaz começou em Portugal, no restaurante Terreiro do Paço, aos cuidados de Vitor Sobral. Depois foi para Irlanda, Camboja, Malásia, Filipinas e Tailândia, onde teve a oportunidade de cursar no renomado Hotel Blue Elephant.

De volta ao Brasil, participou do concurso Super Chef no matutino global Mais Você, apresentado por Ana Maria Braga. A experiência não só lhe rendeu o título de segundo melhor chef da competição como também lhe proporcionou o encontro da cara-metade: Mariana Palmeira, quarta colocada na disputa.

O namoro começou ainda nos bastidores do programa e continuou subindo a serra. Hoje, o casal é proprietário do mais famoso botequim de Visconde de Mauá, o Pé na Jaca, e do sofisticado restaurante Yuca, situado na mesma rua. O primeiro serve para petiscar uma linguicinha ou bolinho de carne-seca regados a chope ou caipirinha de tamarillo (tomate típico dos Andes, curiosamente bastante encontrado na região de Visconde de Mauá entre fevereiro e abril).

Já no Yuca o casal revela a criatividade que o mantém nas telas de TV - além do concurso sob a tutela de Ana Maria Braga, os dois participam atualmente de programas de culinária transmitidos no canal Fox Life. "Ele faz o Homens Gourmet, que já está na segunda temporada e é exibido de segunda a sexta, de manhã; eu apareço logo em seguida, no grupo de mulheres do Cozinha Caseira", explica Mariana.

E haja paladar para tantas novidades gustativas, a exemplo da truta com sorvete de wasabi e espaguete de pupunha (R$ 38), do magret com risoto de queijo brie e caramelo de pitanga (R$ 51) e dos fondues servidos na pedra.

BABEL

Outro casal que faz bonito no fogão é o do restaurante Babel. Juntos, André Murray e Daniela Keiko preparam delícias como a Truta Santa Clara (filé do peixe salmonado servido com arroz negro, palmito pupunha, molho cremoso de limão sicialiano e crispi de alho-poró), que custa R$ 48. Tudo com ingredientes frescos e da estação.

"Trabalho em cozinha desde 1989. Foi no curso de Cozinheiro Chef Internacional do Senac, em Águas de São Pedro, que conheci a Dani", lembra André.

E não demorou muito para juntarem as colheres de pau: "Trabalhamos no Rio e depois passamos três anos em Miami, comandando o restaurante contemporâneo Zahbo. Aí, a gente não quis mais cidade grande e resolveu vir para cá."

Classificados com uma estrela no Guia Quatro Rodas, eles tocam o restaurante de sexta a domingo, no sítio onde moram, e os cursos da Escola de Culinária Babel, em Resende, durante a semana. Difícil deve ser arrumar tempo para um jantar a dois...